Edmundo Martinho, provedor da Santa Casa está numa comissão parlamentar, pedida pelo CDS-PP, para dar explicações sobre a possível entrada da instituição no capital do Montepio Geral. O objetivo da sua audiência, segundo o próprio, é esclarecer algumas “mistificações” que acredita existirem na forma como este tema tem sido tratado na praça pública e na imprensa, “de forma preconceituosa”. Uma dessas “mistificações”, diz Edmundo Martinho, está ligada aos valores que têm sido veiculados — os 200 milhões por 10% do capital da Caixa Económica Montepio Geral. Até final de janeiro deverá haver uma decisão sobre este negócio.
Depois de lembrar que “a Santa Casa sempre teve investimentos no setor financeiro, incluindo sob a tutela política de alguns” que hoje questionam a possível entrada no capital do Montepio, Edmundo Martinho quer “recordar que, quando se fala de valores, desde que o processo começou a ser estudado, há cerca de um ano, para estudar a possibilidade de a Santa Casa entrar no capital do Montepio, na altura ficou definido que no máximo poderia comprar 10% do capital”.
“Se assumirmos um book value de um euro e um valor total de dois mil milhões [um valor extraído das operações recentes com a compra das unidades de participação do Montepio], é daí que vêm os 200 milhões, mas o único valor que está definido é o limite dos 10%”, sublinha Edmundo Martinho, garantindo que haverá sempre uma “negociação” por esses 10% e que “é por isso que é importante a análise financeira, independente, que está a ser feita”.
Sublinhando que “nada está decidido” sobre se a operação se realizará ou não — “está em processo de apreciação” — Edmundo Martinho revela que esses 10% vêm de um parecer que foi pedido em 2016 a propósito de uma possível entrada no capital do Novo Banco. A situação hoje é diferente, e o alvo é diferente, mas esses 10% continuam a ser um limite que a Santa Casa considera razoável, não obstante a Santa Casa ter uma situação financeira “sólida”.
Terminada a audição, Edmundo Martinho explicou um pouco melhor, à margem, a alguns jornalistas, os valores em causa.
- Há “dois 10%” em causa. Um é o parecer que diz que não se deve usar mais de 10% dos ativos da Santa Casa num investimento [a possibilidade de usar mais “está sempre presente”, disse Edmundo Martinho];
- O outro é os 10% do capital do Montepio, o que vem da análise feita em 2016 sobre a possibilidade de investir no Novo Banco e que Edmundo Martinho diz que, no caso do Montepio, “seguramente” também não será mais.
- Sobre os 200 milhões: “o banco está valorizado nas contas da associação mutualista em cerca de 1,8 mil milhões, nesta altura, portanto 10% seriam 180 milhões. É daí que vem esse número. Na altura em que se fez esse cálculo o limite dos 200 milhões tinha que ver com a valorização. Se o banco valesse 2.000 milhões os 10% valeriam 200 milhões. Esse seria o limite”. O provedor da Santa Casa explicou que, neste momento, não há referenciais de mercado, não há cotação na bolsa — o último valor que temos é o valor que a associação mutualista comprou, um euro [por ação, respeitando o valor que está no balanço da associação]. Ora, “a Santa Casa nunca comprará a um euro [por ação], porque há sempre um desconto. A dimensão desse desconto é que variará em função da avaliação e das negociações que viermos a ter com a associação m
A Santa Casa participou na constituição de sociedades de leasing, teve participações em entidades de seguros e instituições financeiros. Nada disto é novo. Tem havido investimentos e intervenções que têm sido rentáveis e que foram validados por membros do governo que na altura tinham responsabilidades e que agora questionam a validade da operação perante os estatutos”.
“Nada disto é novo“, atira Edmundo Martinho. O provedor da Santa Casa recorda que a instituição chegou, por exemplo, a ser acionista da Lisnave. “Tudo isto foi sempre feito na mesma perspetiva: a Santa Casa tem obrigação de investir os seus recursos para assegurar o seu funcionamento. Não pode ter o dinheiro no banco, porque as taxas são quase negativas, num contexto de inflação. Então o que deve fazer? Comprar imobiliário, onde a Santa Casa já teve prejuízos?”.
Edmundo Martinho diz que a Santa Casa sempre teve uma aplicação “rigorosa e criteriosa” dos seus recursos, assegurando que seja “cautelosa” e “produtiva”, ou seja, rentável. O provedor da Santa Casa lembra, também, que o BPI, por exemplo, é um banco detido pelo CaixaBank que, por sua vez, integra a fundação La Caixa, que também tem natureza social.
Não creio que alguém possa pôr em causa que aquilo que nos mobiliza neste negócio é assegurar os interesses da Santa Casa e das funções que desempenha”.
Edmundo Martinho sublinha que a Santa Casa “tem uma situação financeira de enorme estabilidade e é essa estabilidade que permite avançar com investimentos muito sólidos, além das suas funções sociais”. Isto em resposta ao CDS-PP, que pediu esta audiência, e que citou uma crónica do El País, em Espanha, que dizia que “se o Robin dos Bosques levantasse a cabeça ficaria atónico por ver o dinheiro dos pobres a salvar bancos”. O deputado Filipe Anacoreta Correia, do CDS-PP, lembrou também os “comentadores”, referindo-se a Marques Mendes, que admitem que este caso acabe numa comissão parlamentar e acusações de gestão danosa.
“Nem sequer comento isso, porque isso é responsabilidade nossa, gerir e salvaguardar os recursos que são colocados à nossa disposição”, afirma Edmundo Martinho, repetindo que ainda não há valores definidos: “não temos, ainda, a avaliação provisória, nem temos de pressionar a entidade financeira que nos está a ajudar, porque é um processo que tem de ser feita na posse de todos os elementos, com tudo definido, sempre tivemos a preocupação de que este processo decorresse de forma sustentada, ponderada, e não temos pressa“.
O investimento num banco com estas características, a concretizar-se — está em curso o processo de apreciação — significará que a Santa Casa contribui para o reforço de uma instituição financeira que não é um banco social — é um banco propriedade de uma instituição social — e faz sentido avaliar a possibilidade e a oportunidade, independentemente dos valores. [O Montepio] pode ser uma alavanca importante para as instituições sociais e a entrada da Santa Casa pode contribuir para reforçar este setor social”
E porquê agora? Edmundo Martinho explica que a “oportunidade surge” porque o Montepio fez um trabalho de reestruturação, não só ao nível operacional mas também estatutário (com a passagem da caixa económica a sociedade anónima). “O banco não precisa de ser salvo“, sublinha o provedor da Santa Casa, lembrando que quando Maria José Nogueira Pinto era provedora e Bagão Félix era ministro (pelo PSD/CDS) foi criado um fundo imobiliário que acabou por trazer algumas perdas, quando o mercado caiu, para a Santa Casa. Para ser claro: o provedor não questiona os méritos da operação, na altura, mas lamenta que “não haja uniformidade na apreciação” dos diferentes investimentos.
A audição parlamentar ocorre no dia em que o Público noticia que a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), para já acionista único da Caixa Económica, terá tido encargos com os seus associados, designadamente, resgates antecipados e a não renovação da aplicações (poupanças) na ordem dos 1.100 milhões de euros.