É a primeira vez desde meados de 2014 que Vhils apresenta em Portugal uma mostra individual com trabalhos inéditos. Por estes dias, na Galeria Vera Cortês, em Lisboa, sente-se essa expectativa. “Intrínseco”, assim se chama a exposição, pode vir a ser um dos eventos culturais do ano – tendo em conta os 67 mil visitantes de “Dissecção”, a mostra individual de 2014, que durante três meses ocupou parte do Museu da Eletricidade.

Quando o Observador visitou a galeria, na zona de Alvalade, já estavam instaladas na sala principal as novas peças criadas por Vhils, as quais podem ser vistas pelo público partir desta quinta-feira, com festa de inauguração marcada para a dez da noite. A exposição mantém-se até 17 de março e depois segue para o Museu de Arte Urbana e Contemporânea de Cascais, projeto de Vhils e da Câmara Municipal a inaugurar na primavera.

“Intrínseco” consiste em oito painéis de grande dimensão, em PVC flexível e transparente, como se fossem folhas de papel presas ao teto. Cada painel é uma obra autónoma e pode ser comprada em separado (os preços não foram divulgados pela galeria). As técnicas usadas foram a impressão a jato de tinta e a tinta spray aplicada com stencil sobre película de cristal.

“Espero que esta exposição tenha uma boa afluência do público, mas acima de tudo espero que a reflexão que ela contém chegue às pessoas e que isso seja capaz de gerar reações”, comentou Vhils ao Observador, numa entrevista por escrito. “A popularidade que o trabalho tem alcançado é muito gratificante, mas igualmente importante é que ajude a colocar o foco sobre as questões e os problemas importantes que aborda.”

Em cada um dos oito painéis surgem rostos humanos, alguns dos quais pertencem à famosa série “Scratching the Surface”, desenvolvida por Vhils desde 2007, consistindo em retratos anónimos esculpidos em paredes de diversas cidades. Os rostos são agora acompanhados pela sobreposição de outros painéis com motivos urbanos. Três cores se destacam: preto, amarelo e vermelho. Em alguns casos, as cores saem dos painéis e continuam no chão da galeria, como se tivessem escorrido.

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“Não me vejo puramente como alguém que faz retratos, mas alguém que tenta fazer o retrato da realidade e do contexto atual urbano e global, e do impacto que isso tem na condição humana”, explicou o artista. “Todo o meu trabalho tem vindo a desenvolver uma reflexão sobre a condição humana no contexto urbano, numa altura em que a maioria das pessoas vive em cidades, com tudo o que de positivo e negativo este modelo nos dá. Estas peças recorrem a vários elementos da cidade que atuam sobre nós de forma significativa, como a sinalética que expressa a ideia daquilo que é usado para nos conduzir e condicionar neste contexto. O uso do escorrido que invade o espaço da galeria reflete o modo como isso nos marca e o modo como este processo é agressivo e corrosivo. As cores fortes representam a obrigatoriedade, o perigo, a urgência transmitida por estes elementos sinaléticos.”

Alexandre Farto, conhecido como Vhils, tem 30 anos e é considerado um dos mais inventivos artistas visuais da atualidade. Nasceu no Seixal, margem sul do Tejo, e começou se expressar enquanto autor de graffiti. Estudou na University of the Arts, em Londres, e expôs pela primeira vez em 2005. Questionado sobre êxito e a popularidade que tem alcançado, respondeu assim:

“Tenho vivido bem, quer com a popularidade, quer com a responsabilidade que ela traz, mas, mais do que aproveitá-la em termos pessoais, tenho tentado canalizar este interesse para vários outros projetos nos quais me tenho empenhado, como a [galeria] Underdogs, a [agência criativa] Solid Dogma ou o Festival Iminente [em Oeiras], e que procuram dar oportunidades, estrutura e visibilidade a outros artistas com muito talento de várias áreas, incluindo a arte, o graffiti, ou a música.”

A Europa, o Brasil e os EUA têm assistido a exposições individuais do português, mas a Ásia parece ter beneficiado de preferência nos últimos tempos. Em 2017, Vhils apresentou-se em nome próprio em Hong Kong, Pequim e Macau, lê-se no site oficial. Em 2016 já tinha estado em Honk Kong. E a primeira vez que expôs no Extremo Oriente foi em 2012, em Xangai. Será esse mercado o mais apelativo neste momento? “Não necessariamente”, disse Vhils.

A concentração de projetos na Ásia deveu-se a um convite para um residência artística em Hong Kong, a qual “acabou por ser prolongar com a abertura de um segundo espaço de trabalho na cidade”, e ao interesse que aquela região lhe desperta. “Por ser um dos locais mais afetados pelo modelo de desenvolvimento acelerado que tem transformado o mundo de forma ímpar”, justificou.

Grande plano de um dos trabalhos da nova exposição de Vhils, na Galeria Vera Cortês, em Lisboa

“Intrínseco”, diz Vhils, é também isso. “Uma reflexão sobre a condição humana atual”. “Em nome do progresso, da segurança e do conforto material que temos vindo a desenvolver e a acumular, temos cedido determinadas coisas que eram intrínsecas à nossa humanidade, sejam elas parte das nossas liberdades individuais ou parte das nossas potencialidades e aspirações coletivas.”

É por isso que descreve as suas criações como “atos políticos”, ainda que estes aconteçam, ou sobretudo por isso, no contexto da indústria da arte contemporânea.

“Se formos à origem do meu percurso, mesmo quando o trabalho não era puramente político, o ato de usar o espaço público muitas vezes de forma ilegal, já era, por si só, um ato político. Ao procurar fazer a ponte entre o trabalho feito na rua e o trabalho feito no espaço expositivo, tenho tentado trazer parte dessa dimensão interventiva para o interior.”

O Observador perguntou ainda se o interesse da cantora Madonna pelo trabalho de Vhils, amplamente noticiado, significa que entre ambos pode vir a nascer uma parceria criativa. O artista preferiu não comentar.