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“Não qualifico como ditadura aquilo que se passa em Cuba”, diz António Filipe, deputado do PCP, em entrevista ao Observador. Este membro do Comité Central do PCP – cujo XX Congresso decorre este fim de semana –, vai longe na defesa do regime cubano: “Estar a qualificar Fidel Castro como um ditador não é só simplista como errado”. O dirigente comunista que na sexta-feira fez uma intervenção no congresso sobre Justiça, diz que existe “uma enorme participação cívica” em Cuba, e classifica como “mitos” as prisões políticas e as “restrições de liberdades” do regime agora liderado por Raul Castro.
O deputado comunista faz depender futuros acordos com o PS de um rompimento com a lógica europeia, critica os ataques “inusitados” do Bloco de Esquerda ao PCP e considera “lamentável” os episódios da Caixa Geral de Depósitos. Quanto à difícil situação financeira do próprio Partido Comunista, António Filipe defende uma austeridade interna, de “contenção de custos” e um aumento das quotizações dos militantes. Sobre a identidade do partido, mantém a Revolução Bolchevique como referência e prefere louvar as “conquistas” do que denunciar os “crimes” que diz já terem sido assumidos no passado.
Memórias da faculdade: “Costa quebrou a unidade” de uma “geringonça” na Associação de Estudantes
Conheceu o atual primeiro-ministro na faculdade e até se conta a história — descrita numa das recentes biografias de António Costa — de que teve de o expulsar à força da sala da Associação Académica de Direito, cujas eleições a JS tinha perdido… Recorda-se desse episódio?
Recordo, mas não tive nenhuma interferência direta. De facto, a lista a que pertencia António Costa perdeu por poucos votos e houve uma impugnação. Ganhou uma lista de direita, que forçou a entrada nas instalações da associação, mas não tive nada a ver com isso.
Mas esta história de ter quase chegado a vias de facto com António Costa vem de onde?
Comigo nunca houve nenhum problema desse tipo com António Costa. A lista a que eu pertencia ficou em terceiro nessas eleições. Assisti à contagem de votos e à discussão que houve no fim da contagem. As urnas tinham sido violadas e, por isso, todos os votos que entraram no primeiro dia foram anulados. Houve mais um dia de eleições para compensar esse primeiro dia.
As urnas foram violadas por quem?
Havia algumas suspeitas que recaíam sobre uma lista de pessoas ligadas à extrema-direita. A Comissão Eleitoral decidiu não considerar aquela lista, cujas assinaturas eram manifestamente falsificadas. A represália terá sido o arrombamento com um pé de cabra da sala, onde as urnas estavam fechadas. Na manhã seguinte, os votos estavam todos espalhados pelo átrio da faculdade, o que levou à anulação desse primeiro dia de eleições. Depois sei que houve elementos da lista vencedora de direita [JSD e JP] que, com a ajuda de pessoas vindas de fora, forçaram a entrada nas instalações. Mas não assisti presencialmente a isso.
Imaginava que seria com aquele homem que o PCP ia pela primeira vez entender-se para viabilizar um Governo?
Não imaginava. Mas não era uma coisa que repugnasse. A ideia de poder haver entendimentos entre o PS e o PCP foi algo pelo qual o PCP sempre pugnou. Já agora também posso lembrar: antes desse acontecimento [eleições académicas] nós — JCP de Direito –, tínhamos estado na mesma associação de António Costa. Dois anos antes, tinha havido uma lista que nos juntava a todos. Depois, enfim, a JS de Direito decidiu quebrar esse esforço de unidade e apresentou-se sozinha às eleições. Venceu, na primeira vez. No ano seguinte, depois daqueles acontecimentos, perdeu.
Então foi António Costa que rompeu o acordo com o PCP na faculdade?
Exatamente. Tinha havido uma lista conjunta, que venceu a Associação, e depois houve uma lista da JS que achou que podia ganhar sozinha e que quebrou essa unidade.
António Costa quebrou essa unidade porquê?
A JS tinha aspirações de ser a força hegemónica na Associação de Estudantes.
Isso é um bom paralelo com os dias de hoje…
Espero que não. Na altura, António Costa quebrou a unidade. No imediato venceu as eleições. No ano seguinte abriu as portas a que fosse a direita a conquistar a associação. Seria bom a que atentasse nessa lição da sua história pessoal.
Os lucros do acordo com o PS: “De facto, tem valido a pena”
Mas hoje há sondagens. Se o PS se aproximar muito da maioria absoluta não pode haver a tentação de querer ficar sozinho?
Ultimamente temos passado o dia seguinte às eleições a tentar explicar porque é que as sondagens falharam tanto. Portanto, sobre as sondagens é preciso termos sempre alguma cautela. Agora, creio que a experiência que os portugueses têm de soluções governativas não aconselha muito a que confiem a governação do país a uma maioria absoluta do PS. Tivemos uma experiência terrível de maiorias absolutas de governos de direita, mas, importa referir que a experiência que tivemos de maioria absoluta do PS [de José Sócrates] foi tudo menos um Governo de esquerda. Tinha uma retórica de esquerda, mas tinha uma prática que em nada se distinguia da política de direita. É bom que os portugueses não esqueçam essa experiência e que compreendam bem a diferença.
Nas teses do partido pode ler-se que a “solução política alcançada não responde naturalmente ao indispensável objetivo de rutura com a política de direita”. Então a viabilização do PS é apenas instrumental para PSD e CDS não irem para o poder?
Nem lhe chamaria apoio. O que há é um acordo que foi assinado, que tem um conteúdo concreto e que tinha e tem um objetivo: pôr termo à política do Governo PSD/CDS. O compromisso de ambos os partidos é, de facto, o cumprimento daqueles pontos. Quanto ao resto não temos ilusões: em matérias importantes há posições muito divergentes entre o PCP e o PS que se refletem em algumas opções governativas que o PCP não acompanha. Isso foi assumido desde o início. Mas também foi sempre assumido que a existência dessas divergências não põe em causa o cumprimento daquele acordo. E o acordo está efetivamente a ser cumprido. Temos a convicção que, de facto, valeu a pena e tem valido a pena. Os portugueses podem sentir essa diferença. Esta diferença não se sentiria se tivéssemos uma maioria absoluta do PS.
As suas palavras levam a crer que não acredita que o PS mudou. O PCP não mudou em nada? Este PCP que enfrenta o XX Congresso é o mesmo de congressos anteriores?
Na sua identidade, não. Na sua natureza enquanto partido, na sua conceção ideológica, no seu programa, obviamente que o PCP mantém as suas características identitárias. Evidentemente que, em cada momento político, em cada geração, há que fazer uma apreciação da situação. O que se fez após as eleições legislativas, e à luz daquilo que foi a nossa experiência dos últimos quatro anos, foi a de que havia uma possibilidade real de travar essa política. O PCP tinha aqui, na correlação de forças criada com as eleições, uma possibilidade real de influenciar essa mudança de rumo.
Há uma maior abertura do PCP?
Sempre houve. O PCP nunca se recusou a isso. Aliás, o PCP sempre lamentou que os entendimentos preferenciais do PS fossem com os partidos à sua direita.
A maioria das medidas já está incorporada nos dois orçamentos, Jerónimo de Sousa já disse que era muito difícil fazer um segundo acordo com o PS… O que é que isto quer dizer?
Pensamos que se virou uma página: houve reposição de direitos, que tinham sido retirados pelo Governo anterior, agora achamos que isso não é suficiente. O caminho estreita-se. Ou seja, é nossa convicção de que é preciso uma rutura mais profunda com as orientações que têm sido levadas a cabo no nosso país, designadamente os constrangimentos que nos são impostos pela moeda única. E aí há uma divergência em relação ao PS…
Num eventual novo acordo, se o PS voltar a precisar do apoio do PCP, não há acordo se não for revista, por exemplo, a posição da renegociação da dívida?
Não podemos funcionar na base de futurologias. Agora, aquilo que me parece evidente é que esta solução tem limites. A manterem-se os constrangimentos que nos são impostos pela pertença ao euro e pelas orientações dos critérios de convergência que foram estabelecidos no âmbito da zona euro, não é possível existir uma rutura mais profunda com o que tem sido a política dos últimos anos, que permita ao país e aos portugueses recuperar e melhorar as suas condições de vida. Há uma contradição que mais cedo ou mais tarde virá ao de cima. Portanto, se o PS insistir na necessidade de não questionar estes constrangimentos chegaremos obviamente a um ponto, não sei dizer quando, em que vai haver uma contradição insanável entre isso e aquilo que nós consideramos que é indispensável para o país. Daí chamarmos sempre atenção para os limites que este acordo tem, insisto, se o PS se mantiver fiel àquilo que considera serem os compromissos que deve assumir relativamente à União Europeia.
Mantendo-se o PS fiel a esses compromissos, o PCP jamais repetiria esta aliança?
Não posso dizer isso assim. Para já, não sabemos qual será a evolução da União Europeia. Tudo é muito incerto. Até o futuro do euro é o que há de mais incerto. Não podemos fazer futurologia que vá além do curto prazo.
Sim, mas temos um quadro claro: o PS defende o euro e a União Europeia. Portanto, deixava a direita governar num quadro parecido a este?
O PS ao ser prisioneiro desses constrangimentos está a limitar muito as possibilidades de acordos futuros. Parece-me evidente.
Perante o mesmo dilema de a direita poder governar se o PCP não fizer um acordo com o PS, o PCP deixa a direita governar?
A questão não pode ser posta nesses termos.
Foi nesses termos que se pôs agora…
Foi nesses termos que se pôs agora, mas num quadro em que o PS assumiu determinados compromissos. Não estamos perante um cheque em branco. Não houve um cheque em branco ao PS dizendo: “Bem, a direita tem de ser afastada do poder, o PS pode ser Governo e faça o que quiser”. Não foi nunca assim que as questões foram colocadas. O que posso garantir é que cheque em branco não haverá.
Há muita gente do PCP contra esta solução política?
Não, não creio.
Não há gente desconfortável?
Não diria desconfortável. Naturalmente que há interrogações relativamente ao futuro do país, às opções governativas… Mas há uma grande compreensão relativamente à posição que o PCP tomou. Compreensão a todos os níveis. Compreensão relativamente à insuficiência da política deste Governo, e relativamente ao papel que o PCP na atual correlação de forças.
Mas deixe-me insistir. A solução encontrada parece ter cumprido grande parte dos compromissos assumidos. O que é que o PCP espera mais desta solução?
Achamos que é possível ir mais longe em mais coisas. No domínio laboral, por exemplo. Os trabalhadores portugueses não foram só lesados nos seus salários, mas também noutros domínios designadamente com a liquidação da contratação coletiva. Ou seja, a instituição da caducidade dos contratos coletivos fragilizou imenso os direitos negociais dos trabalhadores. Há necessidade de repor equilíbrio nessa relação laboral que foi rompido.
Caixa Geral de Depósitos: “O PCP não apoiará despedimentos”
Não referiu, por exemplo, a questão da banca, que é um dossier muito importante para o PCP. Porquê?
A base dos problemas que a banca atravessa tem que ver com a forma como a banca foi entregue aos banqueiros privados e, por isso, para nós o controlo público da banca nacional é um elemento fundamental. Daí defendermos a Caixa Geral de Depósitos e a necessidade de recapitalização da Caixa que permita ao país ter um banco público forte. Tirando algumas situações lamentáveis, verifica-se que há aí convergência nesse ponto. Achamos mais do que isso: achamos que a banca nacional deveria ser uma banca pública.
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Pode classificar o jovem António Costa na faculdade?
Era um jovem inteligente, com muita argúcia.
Já passou alguma vez férias num resort em Cuba?
Não. Passei uns dias por um resort em Cuba. Três dias numa deslocação que fiz, em que também estive em Havana e depois estive três dias num resort. Mas férias mesmo não.
Se pudesse viajar no tempo e escolher alguém para conversar, preferia Lenine ou Estaline?
Seguramente o Lenine.
Na Assembleia da República, almoça mais na cantina ou prefere o restaurante dos deputados?
Almoço quase sempre na cantina. Não tenho tempo.
Qual é o seu hábito mais burguês?
O meu hábito mais burguês? Eu sei lá… (silêncio) Olhe não sei. Não sei se me quer dar um exemplo que possa ser burguês… Acho que não tenho assim hábitos burgueses. Para já porque não tenho dinheiro que chegue para ter muitos hábitos burgueses, mas não sei dizer. Olhe, talvez andar demais e automóvel. Se tivesse mais tempo para andar mais um pouco a pé, fazia-me bem. Mas a vida não me permite.
García Márquez ou Vargas Llosa?
García Márquez.
Por razões políticas ou literárias?
Ambas (risos).
Musica rock, jazz, clássica, ou popular?
Gosto muito de todas, mas oiço mais música popular. Oiço muito portuguesa.
Quem ouve mais hoje?
Oiço muito a nova geração. Não diria de fadistas. Há muitos fadistas, mas não são só fadistas. Há uma nova geração de cantores e cantoras portugueses que acho que são muitíssimo bons, que conjugo com aqueles que são as nossas referências de sempre, como o Sérgio Godinho, o Vitorino ou Amália, que oiço muito.
Jura que nunca sairá do PCP?
É essa a minha convicção. Acho que vou morrer comunista e do PCP.
Parece haver mais uma contradição insanável entre PCP e PS…
Verificou-se, aliás, no caso do Banif. Os 1.100 milhões de euros que o Estado injetou no Banif foi com a oposição do PCP. E foi o PSD que deu a mão ao Governo.
Disse que houve “situações lamentáveis” no processo de recapitalização da Caixa. Como é que viu a gestão deste processo por parte do Governo? Há responsabilidades políticas a tirar?
Creio que há. Do ponto de vista da escolha da administração e do que rodeou a escolha da administração da Caixa as coisas correram manifestamente mal. Não há duas opiniões sobre isso.
Mas eu perguntava sobre o papel do Governo, quando avançou com a proposta de alteração ao Estatuto do Gestor Público. Há uma oferta…
Se o Governo assumiu compromissos dessa natureza com os administradores então agiu mal. É inquestionável. Aquilo que é preciso fazer rapidamente é virar a página sobre esse episódio e concluir o processo de recapitalização da Caixa.
O PCP acha que se deve passar por cima das responsabilidades políticas deste caso?
Não. Não se passa por cima das responsabilidades políticas. Elas quando existem são públicas e notórias. O que é preciso fazer é não nos centrarmos nesses episódios e centrar naquilo que é essencial: que a Caixa Geral de Depósitos seja recapitalizada e assuma plenamente o papel que deve assumir na economia portuguesa.
Noutras circunstâncias o PCP não perdoava ao Governo este tipo de gestão política…
O PCP tem continuado a defender as suas posições e tem sido crítico relativamente a essas vicissitudes todas. Não alinhamos é numa estratégia que, devido a esses problemas, ponha em causa o que é essencial. Pôr em causa a recapitalização da Caixa devido a episódios laterais estamos a fazer aquilo que se costuma dizer “deitar fora a criança com a água do banho”. O que é fundamental é que o processo siga e que se concretize.
Não há o risco de a criança ir com água do banho se o plano de recapitalização conduzir à redução de funcionários que está prevista?
Naturalmente que nos oporemos a isso.
Em termos concretos isso significa exatamente o quê?
O PCP não defende que haja despedimentos na Caixa Geral de Depósitos. O que achamos é que o banco se deve reforçar e não entrar em processos de reestruturação que levem à diminuição de postos de trabalho e da capacidade do banco.
Mas parece que é isso que vai acontecer…
O PCP não apoiará medidas dessa natureza. Certamente que não.
Como é que isso se materializa em termos muito concretos? Como é que o PCP pode impedir que isso aconteça?
Vamos ver. Para já, vamos ver se há algum propósito nesse sentido. Depois, naturalmente estaremos cá para assumir as nossas responsabilidades.
Bloco de Esquerda: “Tem havido ataques inusitados e incompreensíveis do BE ao PCP”
Voltando à discussão do Orçamento do Estado para 2017. O Bloco de Esquerda votou ao lado de PSD e CDS uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para obrigar os administradores da Caixa a entregar as declarações de rendimento e património no Tribunal Constitucional. Isto foi um ato de deslealdade?
Não. O que sempre dissemos é que foi um ato desnecessário. Para nós, sempre foi óbvio que a lei de 1983 já contém essa obrigação. Achámos que era ato inútil, na medida em que não faz muito sentido estar a aprovar uma lei para reafirmar uma lei anterior.
Mas ao votar ao lado da direita o Bloco de Esquerda fez apenas um ato inútil ou foi mais qualquer coisa?
Não fazemos qualquer processo de intenções para além disso. De facto foi um ato inútil, que não era necessário.
Como classifica as posições que foram sendo assumidas pelo Bloco de Esquerda dentro desta solução?
Acho que se verificou, sobretudo desde destas eleições legislativas, e até contrariando uma linha de convergência da legislatura anterior, em que nós juntamente com o Bloco de Esquerda chegámos a apresentar várias iniciativas junto do Tribunal Constitucional, uma grande animosidade por parte de dirigentes destacados do Bloco no ataque ao PCP. Houve ataques inusitados ao PCP a propósito de tudo e de nada. Qualquer posição do PCP que não fosse exatamente aquela que era do Bloco de Esquerda foi logo alvo dos maiores anátemas por parte de dirigentes do BE. Eu próprio fui atacado por ter discordado de uma proposta que o BE fez e que meteu no bolso na semana seguinte [referendo ao Tratado Orçamental]. Tive direito a dois extensíssimos artigos do professor Francisco Louçã, a criticar-me e acusar o PCP de todas as incoerências quando o BE, afinal de contas, demonstrou pela sua atitude logo passado poucos dias que a proposta não fazia sentido. Tem havido, de facto, da parte do Bloco de Esquerda ataques inusitados e até incompreensíveis ao PCP. Depois, se o PCP responde é logo acusado de sectário e de tudo e mais alguma coisa. Fiquei até quase chocado com alguns ataques que vi feitos ao PCP por parte de dirigentes do Bloco de Esquerda que não estava à espera.
Em que matérias?
A propósito de tudo e de nada. Até do glifosato. O que achei até um pouco insólito foi a violência dos ataques contra o PCP sempre que não tinha opinião igual à do Bloco de Esquerda. Não faz nenhum sentido. Qualquer dirigente do PCP que quisesse responder aos ataques, era logo batizado com todo o tipo de anátemas, de sectário para cima. Isso não é maneira de discutir. Ninguém está acima da críticas. Todos têm o direito de exprimir as suas opiniões. A certa altura parecia que os dirigentes do PCP estavam impedidos de dar a sua opinião se ela não fosse exatamente coincidente com a opinião do Bloco de Esquerda.
Uma das críticas apontadas pelo PCP ao Bloco de Esquerda é de tomar para si medidas e batalhas que o PCP leva ao Parlamento. O Bloco tem sede de protagonismo?
Terá a sede de protagonismo que entender. Quem sou eu para dizer que protagonismo os outros partidos devam ter? Agora, verifico que há algum mimetismo relativamente a iniciativas do PCP por parte do Bloco. Ainda esta semana, o PCP apresentou um projeto de resolução para que houvesse um concurso extraordinário de magistrados do Ministério Público e, dois dias depois, tínhamos um projeto do Bloco exatamente igual. Isto tem sido recorrente. Por vezes aparecem com grande mediatização iniciativas do Bloco de Esquerda que são coisas que o PCP anda a defender há vários anos.
No último debate sobre o OE parecia haver uma disputa entre o BE e o PCP sobre quem tinha dado mais contributos para o OE. Por exemplo, nas pensões, de quem são os méritos, do Bloco ou do PCP? Não estava nos acordos…
O PCP defendeu sempre uma posição muito clara, que devia haver um aumento generalizado das pensões. Valorizamos as longas carreiras contributivas. Ou seja, recusamos a ideia de que uma pensão que as pessoas possam considerar relativamente elevada nunca deva ser aumentada. Ao haver um aumento de 10 euros, isso significa que tem uma expressão menor para as pensões maiores e uma expressão maior para as pensões menores. Era uma proposta justa. E avançámos. A proposta inicial do Governo estava muito longe desta ideia e ficou muito mais perto. O que podemos dizer é que se a solução final a que se chegou não é aquela que o PCP propunha, mas aproximou-se mito significativamente: para a esmagadora maioria das reformas concretizou-se o aumento de 10 euros. Se o PCP não tivesse estabelecido esta reivindicação não se teria certamente chegado onde se chegou. Achamos que há mérito por parte do PCP.
E o aumento das pensões mínimas?
Aí, havia uma posição inicial do Governo, de que não deveria haver qualquer aumento e acabou por alterar a sua posição.
O mérito é de quem, do Bloco?
Acho que o mérito é de todos. Não há aqui nenhum competição…
É que às vezes parece.
Isso são os senhores jornalistas que gostam de alimentar esse tipo de pequenas polémicas. Sempre que se verifica que há uma diferença de opiniões entre o PCP, o Bloco de Esquerda, cria-se logo um problema. Mal andaria o país, se o problema da política portuguesa fossem as diferenças entre o PCP e o Bloco de Esquerda.
Austeridade no PCP: “É preciso pedir um esforço aos militantes para que considerem o aumento das quotizações”
Uma questão levantada nas teses é que o partido tem um défice anual de um milhão de euros por ano, que consegue estancar com a venda de património imobiliário. Como no país, vendem-se anéis e fazem-se privatizações para pagar as despesas correntes. Como é que se resolve a viabilidade financeira do PCP?
A transparência do PCP nesta matéria vai ao ponto de dizer isso nas teses. Não faz qualquer segredo desse problema. Significa que há uma chamada de atenção dos militantes para isso. O PCP tem defendido que deve ter em atenção a sua independência financeira. Do nosso ponto de vista, os partidos não devem depender do Estado. Por isso defendemos a redução das subvenções públicas aos partidos. Mas não as contestamos.
Defendem é que devem ser os militantes a sustentar o partido.
Os partidos devem depender — sem questionar que possa haver subvenção — dos seus militantes, aderentes e simpatizantes desde que isso tenha condições de transparência e proibindo, como aliás fomos os primeiros a propor o fim do financiamento de partidos por empresas. As empresas não têm ideologia, têm interesses. Devem ser no essencial os militantes, os amigos e simpatizantes a dar a sua contribuição financeira para que os partidos desenvolvam a sua atividade.
Então como é que o PCP se viabiliza? Se continuar assim vai à falência.
Vai ter de ter uma política de alguma contenção dos seus custos…
Austeridade interna, é isso?
Exatamente… Se isso vem nas teses é precisamente para que a nível interno sejam tomadas medidas de reforço da autossuficiência financeira do próprio partido, através de uma verificação muito critérios das despesas que possam ser feitas e encontrar forma de obter junto dos próprios militantes, pedindo um esforço para que possam considerar o aumento das suas quotizações, mesmo tendo a consciência de que para muitas pessoas, para a maioria dos militantes são pessoas de hipóteses reduzidas…
Não é contraditório em relação ao que o partido defende para o país?
Dentro das suas possibilidades. É feito um apelo às pessoas que considerem dentro das suas possibilidades económicas. Uns poderão mais e outros poderão menos, mas que considerem a necessidade de adequar a sua quota tendo consciência das necessidades do próprio partido se financiar para ter uma atividade compatível com as suas responsabilidades de chegar à pessoas, de comunicar.
Um dos aspetos é o atraso nas quotas. Dá a ideia que há uma desmobilização na militância. É assim?
Não. O apelo que se faz é que haja essa atenção, de não esquecer o pagamento. E junto das organizações de encontrar pessoas que tenham o cuidado de lembrar e de cobrar as quotas. Durante muito tempo vivi na Amadora e havia um camarada que, com alguma regularidade, tinha essa tarefa no partido: passava por minha casa e pagava-lhe a quota. São exemplos que se procura que haja. Vemos que essa é a forma adequada de os partidos se financiarem, é através do esforço dos seus militantes, não é com promiscuidade relativamente a outro tipo de interesses.
Assim se vê a natureza do PC: “Identificamo-nos claramente com os valores da Revolução de Outubro de 1917”
O partido continua a assumir-se como marxista-leninista, e comemora-se daqui a um ano a Revolução Bolchevique…
Já estamos a comemorar…
E nas teses está também a exaltação da Revolução de Outubro, onde fala de um “gigantesco salto em frente”, de um “processo de libertação dos trabalhadores ou de “uma nova época na História da Humanidade”, mas em nenhuma parte das teses se faz referência aos crimes do terror revolucionário nem sequer ao estalinismo. A seguir a 1990, pelo menos assumia que havia erros e desvios e sempre fazia umas críticas mitigadas. Porque é que não o faz desta vez?
Isso não está apagado da nossa história e esse balanço está feito em congresso anteriores. Há um destaque para a Revolução de Outubro, não apenas porque se vai comemorar o aniversário no próximo ano, mas porque é um momento ímpar para o movimento comunista internacional e para o movimento de libertação dos povos. A revolução de 1917 representa a fundação dos primeiro Estado construído pelos trabalhadores, em que tomaram o poder, tirando a experiência mais efémera da Comuna de Paris. Mas à escala de um país como a Rússia, os trabalhadores fazem a primeira revolução proletária a nível mundial, que teve um impacto ímpar na história da humanidade e que marcou decisivamente a história do século XX. Desde logo a importância que teve no desfecho da I Guerra Mundial, em que o primeiro decreto da revolução triunfante é o decreto da paz para pôr termos à participação da Rússia. E depois teve uma importância decisiva na derrota do nazismo. E para além disso teve uma importância enorme no apoio que deu aos movimentos de libertação colonial e à autodeterminação dos povos. No nosso caso, o PCP é constituído em 1921 como dissidência do anarco-sindicalismo e sob o impulso da revolução soviética de Outubro. É inseparável da própria fundação do PCP. É natural que haja esse destaque.
Mas ao mesmo tempo que houve esse marco, o século XX também foi marcado pelos mortos que houve quer na revolução quer depois no estalinismo.
E isso foi assumido nos anos 50, após o congresso do partido comunista da União Soviética, em que foram assumidos esses erros e esse crimes. O PCP retirou também daí as suas lições e os documentos designadamente do 5º congresso realizado em 1957 reflete isso mesmo. Assim como, após o fim da URSS, o congresso extraordinário que se realizou, também fez o balanço exaustivo das experiências falhadas do socialismo, da desagregação da URSS e o falhanço do socialismo no Leste da Europa. Isso foi assumido e não é negado. Em relação ao balanço que o PCP fez nesses congresso, não há aqui nenhum reescrever daquilo que foi dito e assumido. As causas que foram apontadas no 13º congresso sobre o que levou à desagregação da URSS e do sistema socialista que existia na Europa isso foi assumido e não há aqui nenhum desmentido.
Mas há uma omissões: há uma exaltação comemorativa da revolução mas não há um contraponto a dizer que o PCP salvaguarda que houve crimes contra a humanidade…
Isso está assumido.
Mas aqui não está explícito. Quem leia isto…
Relativamente à causa da desagregação da URSS, não é desmentido pelo PCP tudo aquilo que foi concluído no 13º congresso e nos congressos seguintes. Já vamos no vigésimo, já passaram muitos anos. Também houve consequências negativas da desagregação da URSS e o mundo em que vivemos hoje é um reflexo disso, das consequências negativas que houve para o mundo dessa desagregação. Agora, não temos de estar sistematicamente e pelos anos fora a repetir aquilo que dissemos. O que dissemos está dito. Se houvesse alguma intenção de desmentir o que foi dito…
A questão é esta: repete a parte positiva, a parte que é de exaltação, mas não repete a parte da crítica.
Estamos no centenário da revolução de Outubro e é importante salienta-la também como elemento identitário. Ou seja, a identificação com os valores e com os ideais com a Revolução de Outubro e as suas conquistas. O que importa realçar é que nos identificamos com as conquistas que a revolução trouxe e não apenas para os povos da URSS: os trabalhadores dos países capitalistas muito beneficiaram com aquilo que foram as conquistas sociais da própria União Soviética e identificamo-nos claramente com isso e com esses valores e não nos identificamos com os erros que foram cometidos, isso pelo contrário.
Só há uma referência à União Soviética nas teses. Onde se refere que a União Soviética venceu “preconceitos e atrasos ancestrais”…
É verdade…
“… transformando-se num curto prazo e tempo de histórico” — e com milhões de mortos poderíamos a acrescentar — “numa grande potência industrial dotada de realizações políticas sociais e culturais que puseram em grande evidência a superioridade do novo sistema social”. Ora a grande superioridade do sistema social é discutível…
Milhões de mortos provocados pela II Guerra Mundial….
Temos o estalinismo…
Esses balanços estão feitos. Mas às vezes há uma certa tendência para desvalorizar o papel que o povo soviético e o Estado soviético tiveram na derrota do nazismo.
Isso não está em causa. O que estou a sublinhar são os mortos causados pelo regime em si.
Mas se ler os documentos…
Quem só ler isto, fica a achar que era o paraíso na terra. Mesmo o próprio sistema social a URSS colapsou porque o sistema social não era fantástico…
Relativamente ao período estalinista não faz muito sentido estar em 2016 estar a repetir o que foi dito em 1957. Não vale muito a pena.
Este balanço que aqui está só refere as conquistas e um fantástico sistema social sobre o qual há muitas dúvidas sobre se era assim tão bom, mas não refere questões gravíssimas do ponto de vista da humanidade…
Refere aquilo com que nós nos identificamos. É aquilo por que vale a pena lutar por aquilo que defendemos. Mas não vale a pena estar a repetir aquilo que foi dito durante muitos anos. Isso são valores que nós afirmamos.
As teses também dizem o seguinte: “As campanhas sobre a morte do comunismo continuam, nomeadamente através de gigantescas operações de falsificação da história que urge combater”. Não é disto que estamos a falar, por exemplo dos crimes dos regimes comunistas.
Em parte sim. Não podemos generalizar. Perante cada caso concreto pode-me perguntar e dizer se é disso ou não que estamos a falar. O que há é, por vezes, uma forma enviesada, por exemplo na reescrita da história acerca da II Guerra Mundial. Por exemplo o apagamento do papel que a União Soviética teve na II Guerra. Por exemplo o branqueamento do fascismo que vemos por aí. Mesmo em Portugal, por vezes assistimos ao branqueamento da ditadura fascista: a desvalorização do papel que os comunistas tiveram na resistência à ditadura. É disso que estamos a falar, quando falamos em reescrita da história e branqueamento do nazismo. Por exemplo, o que estamos a assistir na Ucrânia, onde temos partidos que até assumem a simbologia nazi a subirem ao poder, e isso é uma coisa desvalorizada como se fosse uma coisa de somenos. Há um branqueamento e uma reescrita da história que nos preocupa.
Cuba: “Qualificar Fidel Castro como um ditador é simplista e errado”
Pegando no seu argumento da reescrita da História e considerando que é tido como um moderado…
Eu? Não me ponham rótulos…
… Pode dar exemplos de bons ditadores?
Exemplos de bons ditadores? Acho que essa qualificação de ditador tem muito que se lhe diga. Nós assistimos a qualificações muito discutíveis. Depende sempre da definição que se faça dessa figura. Está a pensar concretamente em quem?
Fidel Castro, por exemplo.
Considero profundamente injusto classificar como ditador uma personalidade como Fidel Castro.
Consegue justificar isso?
Plenamente. Fidel Castro foi um combatente revolucionário pelo seu povo, que liderou uma revolução triunfante, com uma legitimidade revolucionária indiscutível. Derrubou uma ditadura que fazia de Cuba uma espécie de colónia norte-americana e onde proliferavam todo o tipo de tráficos.
Uma legitimidade revolucionária que dura até hoje. Não é uma ditadura?
Liderou uma revolução popular. Não qualifico como ditadura aquilo que se passa em Cuba. Se conhecer a realidade cubana sabe existe em Cuba uma enorme participação cívica e popular e de discussão da vida política e que muito daquilo que se escreve e diz designadamente em Portugal sobre Cuba não resiste ao conhecimento da realidade.
Não existem presos políticos em Cuba?
Vimos agora na recente visita do presidente Barack Obama, em que um jornalista norte-americano perguntou ao presidente Raul Castro porque é que não libertava os presos políticos e a resposta dele foi: “Diga-me lá quais são que eu liberto-os de imediato”. Há muitos mitos relativamente a situações de restrições de liberdades e de prisões políticas em Cuba, que não são verdadeiras. Olhe, a maior violação dos direitos humanos que se verifica em Cuba, é na prisão de Guantanamo. Não tem nada a ver com o Governo cubano. Como se sabe, é território norte-americano ilegitimamente ocupado. Depois temos alguns conhecidos dissidentes que falam das maiores repressões das liberdades mas depois circulam entre Cuba e a Europa, a receber umas homenagens, têm os seus blogues a funcionar e fazem isso sem que haja restrições das suas liberdades e continuam a vir aqui dizer que há gravíssimas restrições de liberdades. Os cubanos têm uma participação cívica e mesmo eleitoral nos seus processos eleitorais que têm, que tomaríamos nós que houvesse em Portugal. Claro que não existe o modelo de multipartidarismo como nós propomos para Portugal. O programa do PCP sempre preconizou em Portugal modelo de pluripartidarismo que é diferente daquele que existe em Cuba.
Como é que se consegue fazer uma revolução com um modelo multipartidarista, parlamentar? Como é que é possível fazer uma revolução assim? Não é possível…
Mas se olharmos para a realidade que se verifica em Cuba, que não tem nada a ver com a realidade portuguesa, que é completamente diferente, compreendemos aquele processo. E sabemos que ele é completamente diferente e que o modelo que nós sempre defendemos para Portugal não tem nada que ver com o modelo político que existe em Cuba, que tem a ver com a história do próprio país, que é completamente diferente da nossa. Agora, o que dizemos é que a Revolução Cubana correspondeu e corresponde a um progresso social e civilizacional fantástico para aquele povo, que tem níveis de vida incomparáveis com os outros povos da América Latina. Se compararmos o sistema de saúde, educação, proteção social que existe para a população cubana é incomparável com os milhões de excluídos que existem noutros países da América Latina…
Desculpe, já estive em Cuba e só vi gente pobre, só vi excluídos…
Em Cuba vê pobreza mas não vê miséria, como vê por exemplo nos Haiti, no próprio Brasil, México, todos aqueles países…
É um nivelamento pouco ambicioso… Toda a gente pobre.
Estamos a falar de um país que sofre um bloqueio económico que dura há mais de meio século e que é universalmente condenado e que implica prejuízos económicos tremendos.
O regime não tem responsabilidade nenhuma nisso?
Não, porque é evidente que isso decorre de uma decisão absurda com muitas décadas da parte das autoridades norte-americanas de bloquear Cuba como não fazem com mais nenhum país do mundo.
Não há presos políticos e a responsabilidade da situação económica é dos Estados Unidos. E nunca houve em Cuba fuzilamentos sumários, assassinatos de Estado?
Nós não apoiamos o facto de haver a pena de morte em Cuba. Aliás, o PCP tem uma posição clara a respeito da pena de morte e considera que não deve haver pena de morte em lado nenhum, nem em Cuba nem nos Estados Unidos. Nem na China, nem seja onde for. Há coisas com as quais nós evidentemente não nos identificamos. Isto não significa que não olhemos para o processo revolucionário que houve em Cuba, conhecendo as dificuldades que existem em Cuba. Sempre que fazem congressos em Cuba se reconhecem erros que cometeram. E procuram rectificá-los e não fazem segredo em relação a isso. Quem observar os congresso do Partido Comunista em Cuba, verifica as críticas que lá são feitas. E as grandes discussões que ali são travadas de forma a encontrar caminhos e disfunções económicas que eles próprios reconhecem. Não há aqui uma ideia de que há paraísos na terra. Agora, que a Revolução Cubana foi um enorme progresso para aquele povo, que assume os valores desse processo, e tem consciência das conquistas sociais que obteve, creio que isso é inegável. Estar a qualificar Fidel Castro como um ditador não é só simplista como errado.
Um homem que está no poder desde há 50 anos…
E que o abandonou voluntariamente…
Sim, em nome do irmão. É uma sucessão dinástica. Não é uma ditadura? É capaz de dizer que não é uma ditadura?
Não é tanto assim. Não é uma sucessão dinástica. É ver que Raul Castro não foi uma figura política que tenha surgido artificialmente na vida política cubana.
Haveria outras, mas foi o irmão. Foi uma coincidência.
Foi um dos grandes dirigentes. E como Raul Castro não vai para novo, mais cedo do que tarde — espero que seja o mais tarde possível, não lhe desejo mal nenhum –, daqui por uns anos a questão da sucessão terá de se colocar e não será nenhum Castro inventado à última hora. Certamente virá alguém que já não será da famílias e que dará continuidade ao processo revolucionário cubano.
O programa do PCP tem uma frase curiosa: “A perversão do regime democrático, tendente à instauração de um regime autoritário traduziu-se em medidas, ações, visando a progressiva governamentalização do poder político”. O PCP nunca usa a palavra “autoritário” para classificar nenhum dos regimes comunistas, mas para classificar a democracia portuguesa refere-se à “instauração progressiva de um regime autoritário”. Isto não é contraditório?
Pelo menos no 13º congresso foram considerados como traços autoritários fenómenos que se verificaram em países do Leste europeu. Isso foi assumido. O que dizemos aqui relativamente à situação portuguesa é que, em determinados momentos, temos verificados pelo menos tiques autoritários. Quando vemos a contestação que foi feita ao Tribunal Constitucional na legislatura anterior, pelo facto de o TC ter tomado as decisões que entendeu em relação ao Orçamento do Estado e vemos dirigentes políticos do PSD a dizer que deveria haver sanções jurídicas contra os juízes. Estamos a falar de traços autoritários que devem ser combatidos. Tudo o que seja uma concentração excessiva do poder, uma contestação ao funcionamento das instituições democráticas são traços de autoritarismo que devemos combater.
Não é contraditório reconhecer que existem traços autoritários em Portugal e ao mesmo tempo dizer que não existe uma ditadura em Cuba?
É completamente diferente. Não dizemos que em Portugal há um Estado autoritário. Mas que os procuramos combater e no exemplo que dei o combate foi travado.
Foi travado porque vivemos num sistema não autoritário e democrático. Nesse tipo de regimes isso não acontecia, porque não há os “checks and balances” como numa democracia como a nossa.
Mas eu creio que há. Quem conhecer com profundidade a forma como funciona a vida política em Cuba percebe que há processos de equilíbrio de poder. Há eleições de vários níveis tal como cá: desde as mais pequenas comunidades territoriais até à Assembleia Nacional de Cuba, que é o Parlamento cubano. Há um papel do Partido Comunista na sociedade cubana, mas que depois é sufragado e há eleições competitivas nos vários níveis de poder. Não há um candidato único que se apresente naquele círculo. Há até um estímulo a que haja diversidade de cidadãos que se candidatem, com grande participação eleitoral dos cidadãos cubanos. Há um padrão político muito diferente do que existe em Portugal. Não contestamos o que existe em Portugal, pois defendemos o nosso modelo constitucional. Corresponde ao que é a nossa tradição política e muito lutámos para que tivéssemos este modelo. Não podemos é transpor o que funciona em Portugal para outro país, que tem uma tradição política completamente diferente da nossa e que temos de saber respeitar.
Pode ver aqui em baixo a entrevista completa: