Portugal é um país de Pequenas e Médias Empresas (PME). Esta é uma constatação que, de tão repetida, já se tornou um cliché. Porém, apesar da importância decisiva das PME para a economia, muitas vezes quem lê as notícias pode ficar com a sensação que este é um país feito só de startups. Mas Xavier Rodríguez-Martín lembra-se bem de quando acontecia exatamente o oposto: as PME já eram o motor da economia mas só se falava de grandes empresas, as gigantes de escala europeia ou, mesmo, global: as Galps, as EDPs e, claro, as PTs.

Nessa altura, o empresário catalão radicado em Portugal, estava na Oni, um David que mordia os calcanhares do Golias que era a Portugal Telecom. Xavier Martín passou 14 anos na Oni — entre 1998 e 2012 — e, nos últimos cinco anos, como presidente, deu a volta às operações (e às contas) da empresa. Depois da saída, em 2012, o empresário dedicou-se a outros negócios, mantendo a ligação às telecomunicações (lidera a DSTelecom). Mas Rodríguez-Martín, filho de um empresário no setor da metalomecânica, está a viver um momento de regresso às origens porque comprou, há menos de um ano, uma fábrica de papel em São Julião do Tojal, nos arredores de Loures: a Fapajal.

O Observador entrevistou o empresário catalão, em Lisboa, e, além de se falar sobre Portugal — “um país que é ótimo para crianças e para velhos” –, Xavier Rodríguez-Martín explicou como é que está a virar para o futuro uma empresa fundada por frades vicentinos que, após o terramoto de 1755, foram para aquela zona, à beirinha do Rio Trancão, fazer papel para escrever os éditos reais. O catalão (e os seus parceiros) investiram o próprio dinheiro (cerca de 20 milhões de euros) e negociaram a compra da empresa com uma septuagenária, sem sucessão na gestão, que deixou a empresa com boa saúde financeira e com um só desafio: crescer.

Nos primeiros seis meses à frente da Fapajal, especializada no papel tissue, Xavier Martín já aumentou os resultados operacionais (em rigor, o EBITDA) em 17% e triplicou a quota de exportações. Como? Olhando para a gestão de uma empresa industrial (também) com os mesmos princípios que se aplicam nos serviços. Princípios que são “extrapoláveis” para outras PME em qualquer área, garante Xavier Martín — um empresário que nunca tínhamos visto tão entusiasmado.

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Fonte: Fapajal

“Só agora a indústria começa a ser sexy

Uma das primeiras coisas que Xavier Martín fez ao chegar à Fapajal foi unir os dois refeitórios que existiam. Sim, porque havia um refeitório para homens e outro para mulheres, conta o empresário. A ideia foi criar uma ágora, um ponto de encontro para toda a equipa. Nos dias que correm, parece estranho chamar a isto inovação, mas Xavier-Martín, que fez carreira no setor dos serviços, diz ao Observador que “o jornalista, possivelmente, ficará surpreendido com muitas coisas que ainda se fazem” nas PME industriais por esse país fora.

“Em Portugal há muitas fábricas ótimas mas há, também, muitas más empresas industriais”. Lida no papel (ou no píxel), esta declaração poderia parecer uma crítica snob, mas não para quem conhece a personalidade hiperativa mas afável de Xavier Martín, que cresceu na Catalunha, estudou na Suíça e trabalhou em países como os EUA e o Peru. A opinião do espanhol é que há “muitas fábricas em Portugal que fazem produtos bons, a bom preço, reconhecidos no mercado, com boas vendas. Mas uma empresa é muito mais do que uma fábrica. Uma empresa tem processos, tem escalabilidade, tem uma ambição, uma capacidade de colaboração” — e, muitas vezes, é isso que falta a algumas empresas portuguesas. São, muitas vezes, companhias fundadas por empresários que quiseram sê-lo para ter autonomia e isso leva, em alguns casos, a uma gestão mais fechada.

Quem vem dos serviços, neste caso das telecomunicações, como é o caso de Xavier Martín, está habituado a uma outra atitude. “Nos serviços, a abertura está mais enraizada, porque é um setor que no passado atraiu mais dinheiro, mais talento, mais gente jovem — excetuando as grandes empresas, só agora é que a indústria também começa a ser sexy“, diz o empresário catalão. “Quem tiver a capacidade, a vontade e a experiência (com alguma irreverência, também) para trazer o pensamento dos serviços para a indústria, acreditamos que conseguirá fazer diferente”, acrescenta.

“Só agora é que a indústria começa a ser sexy”, diz Xavier Rodríguez-Martin, presidente da Fábrica de Papel do Tojal — a Fapajal.

E o que é que significa aplicar na indústria alguns conceitos dos serviços? Em muitos exemplos concretos dados por Xavier Martín, há muitos pontos que se tocam com o advento da chamada Indústria 4.0, ou Quarta Revolução Industrial — que está ligada à digitalização e à automação. “As decisões têm de ser tomadas com base em informação, temos de ter ferramentas para saber, em tempo real, o estado da produção das encomendas — informação que, em parte, os clientes devem poder consultar. Isto é uma coisa banal no e-commerce, por exemplo — saber se a nossa encomenda já foi processada e se está perto ou longe de chegar até nós –, mas na indústria isto ainda não é banal”, diz o empresário.

“Indústria 4.0? Vejo que, muitas vezes, ainda estamos na Indústria 0.4”, afirma Xavier Martín, que esteve cerca de dois anos a estudar de forma profunda a Fapajal e o setor do papel, antes de comprar a empresa. Vir dos serviços e das telecomunicações para a indústria implicou que, muitas vezes, teve de “fazer as perguntas mais simples, como as crianças. O que é ótimo, porque muitas vezes a inovação está na pergunta e não na resposta”.

“Nós queremos juntar produto e serviço, criar uma experiência de utilização do produto e uma experiência do cliente em todas as fases da interação connosco”. Este é o principal princípio norteador na estratégia da Fapajal. Ou seja, mais do que vender um produto, quer-se vender um acompanhamento, uma interação entre fornecedor e cliente em todos os momentos. A empresa também vende bobines para produção de papel, mas o principal negócio é a venda do próprio papel tissue, que origina o papel higiénico, os lenços para limpar as mãos, toalhas de papel, entre outros produtos.

Com o mercado de outros tipos de papel em queda (por exemplo, o chamado papel de escritório), o papel tissue é um segmento em expansão, além do papel para packaging (os pacotes para comércio online). E a Fapajal só vende para o cliente empresarial, para usar em setores como a saúde, a higiene, a hotelaria e a restauração. Um dos ativos que mais atraíram o catalão e os seus parceiros foi o facto de a Fapajal ser uma das únicas duas empresas portuguesas (além da Renova) com licença para produzir papel reciclado. E Xavier Martín salienta que em Portugal “existe uma dinâmica forte” na produção de papel e o país pode tornar-se nos próximos anos no maior produtor de papel tissue, per capita, em toda a Europa.

A Fapajal só vende a clientes empresariais e concentra-se no papel “tissue”, que origina produtos como o papel higiénico, os lenços e as toalhas de papel.

Uma lema com 11 palavras

Ao chegar à empresa, Xavier criou uma equipa de marketing, que não existia — como não existe em boa parte das PME industriais portuguesas. Houve, também, uma reformulação das equipas, mudando pessoas de função e procurando simplificar hierarquias e modernizar os processos. O empresário catalão quer criar uma empresa “micro-multinacional”, diz-nos. Fazendo um híbrido entre produto e serviço, o lema que Rodríguez-Martín quer aplicar na Fapajal tem 11 palavras: “Explorar com sucesso estratégias híbridas de alto impacto e difícil replicação“.

E, no dia a dia, diz-nos que o que mais lhe ocupa a reflexão é encontrar formas criativas de transformar não-clientes em clientes. O que isto quer dizer? “Pense nos hotéis, por exemplo. Antigamente os hotéis eram estabelecimentos que serviam para albergar visitantes, pessoas que vinham de fora e precisavam de um sítio para ficar. Mas, hoje, os hotéis são muito mais do que isso: prestam serviços também aos residentes, como restaurantes, spa, salas de reuniões, etc. O que se fez foi transformar pessoas que eram não-clientes em clientes, aproveitando de forma mais rentável um espaço aberto ao público”.

Como se faz o mesmo no papel tissue? Como é que as PME, por esse país fora, podem fazer o mesmo com os seus produtos?

A aposta na internacionalização

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Os principais mercados para onde a Fapajal está, já hoje, a exportar são o Norte da Europa, Espanha e África. “No curto prazo, a intenção é abrir os mercados americanos. Desde o Canadá até à Argentina.” A internacionalização é a grande aposta: numa empresa que vendia 80% em Portugal, agora a faturação doméstica não deverá ser superior a um terço. As receitas devem ascender aos 28,9 milhões de euros em 2017, com resultados operacionais (EBITDA) de 3,6 milhões.

“Eu venho do mundo da tecnologia e lamento que, quase sempre, quando se fala em inovação, fala-se em comprar tecnologia com dinheiro: vamos comprar esta plataforma, vamos comprar este sistema. A inovação é muito mais do que isso“, diz-nos o empresário. E, muitas vezes, a inovação não se faz dentro da empresa — esta passa frequentemente pelo relacionamento com outras empresas, através de parcerias.

Para já, a Fapajal já compra pasta de papel em parceria com duas empresas espanholas — e “tenta comprar matéria-prima portuguesa”. Em vez de comprar 20 mil toneladas sozinha, a Fapajal une-se às parceiras e compra 100 mil, por exemplo, o que lhe dá acesso a melhor preço e, portanto, a uma vantagem competitiva num mercado de margens estreitas, como reconhecem Xavier Rodríguez-Martín e Rui Sequeira Martins, um parceiro na compra da Fapajal que esteve na Oni com o catalão.

Outras áreas onde pode vir a haver parcerias na Fapajal, sob a mesma filosofia, é na energia (um custo importante para as fábricas) e, também, na distribuição de produtos e no investimento em máquinas. Este é o tipo de ideias que, na opinião do empresário catalão, podia ser mais comum nas PME portuguesas, de todas as áreas. Até porque as parcerias serão, também, importantes para a inovação.

A Fapajal foi fundada em 1755 por frades vicentinos que foram para São Julião do Tojal produzir papel para fazer os éditos reais.

Xavier Martín quer aplicar na Fapajal uma matriz que gosta de usar nas empresas por onde passou e que tenta separar aquilo que a empresa produz em dois segmentos: o que é crítico e o que é diferenciador. Aquilo que a empresa faz e que é crítico é aquilo que não pode falhar, “tem de funcionar como um relógio suíço”. Aquilo que é diferenciador é “aquilo por que o cliente está disposto a pagar-nos um prémio”, explica Xavier Martín. Assim sendo:

  • Aquilo que é crítico e diferenciador tem de ser feito dentro da empresa, internamente;
  • Aquilo que é crítico mas não é diferenciador, “ou seja, não é algo por que o cliente está disposto a pagar-nos um prémio”, é algo que é candidato a que se possa pedir para ser feito fora, como um outsourcing, por exemplo, numa lógica de processos sofisticada;
  • Aquilo que nem é crítico nem é diferenciador é algo comoditizado, que se pode ir buscar ao mercado — “é purchase” (compras), explica Xavier Martín;
  • Finalmente, aquilo que é (ou pode vir a ser) diferenciador mas não é crítico, isso é terreno fértil para se tentar fazer parcerias, experimentar. “Se não correr bem, podemos sempre voltar atrás. Se correr bem, pode correr muito bem”, explica o gestor.

Preferimos ser a cauda de um leão do que a cabeça de um rato“, diz o empresário. E as parcerias, inclusive num contexto de internacionalização, podem ser uma ótima forma de adquirir escala sem ter o custo da escala. Experiente como poucos em ser David contra Golias, devido ao percurso na Oni num momento muito especial da economia portuguesa, Xavier Martín diz que, nos dias de hoje, “seria sensato para o David encontrar formas de poder colaborar com o Golias”. Isto porque o mundo mudou e as PME têm de estar atentas a tendências como a economia de partilha e a economia digital.

Proximidade com os clientes. Proximidade com os fornecedores. E proximidade com os parceiros. A isto só falta juntar, diz Xavier Martín, a proximidade com o primeiro cliente de todos, diz o catalão, que é a “a equipa” — Rodríguez-Martín não gosta de ouvir falar em “patrões” e “funcionários”. O presidente da Fapajal tira uns minutos do dia para telefonar a cada “membro da equipa quando algum festeja o seu aniversário”. E na Fapajal já se está a tentar aplicar algo que já havia na Oni: a prática regular de “tomar um café com o CEO”. É “algo que é quase um sacrilégio em muitas PME, mas uma conversa de alguns minutos, de forma informal, é ótima para motivar a equipa e para saber o que está bem e o que tem de ser melhorado”.