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O ABC de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band"

É um dos álbuns que mudou o percurso da música pop, faz meio século e já é possível escutar uma nova mistura. Esta é a história de um disco irrepetível e de alguns mitos urbanos que o rodeiam.

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Chegou a ansiada data de 26 de maio de 2017. É dia de festa para os fãs dos Beatles. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, um dos álbuns mais celebrados da banda de Liverpool, presença regular no topo das listas de melhores obras pop de sempre, está prestes a completar 50 anos.

Foi lançado a 1 de junho de 1967, mas os apreciadores podem, a partir desta sexta-feira, comprar uma nova edição. Ou, melhor, são quatro os formatos que estão disponíveis, com preços para todas as bolsas. Incluem a obra dos Beatles com uma nova mistura, realizada por Giles Martin, filho do produtor que trabalhou com os Beatles, bem como takes das diversas canções do álbum, incluindo os dois que deram origem à versão final de “Strawberry Fields Forever”.

Para não deixar em branco a passagem de meio século sobre a edição de um álbum icónico, o Observador explica, de A a Z, por que razão Sgt. Pepper’s é tão venerado.

A capa de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, da autoria de Peter Blake.

Abbey Road

Os Beatles regressaram ao estúdio da EMI em Abbey Road, no noroeste de Londres, a 24 de novembro de 1966 e só o abandonaram a 21 de abril de 1967, quando o registo das canções de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band foi dado como terminado. O álbum, que tem uma duração total de 39 minutos e 52 segundos, terá exigido 700 horas de sessões de gravação, um número exorbitante quando se sabe que o primeiro disco na carreira da banda consumiu apenas um dia de trabalho.

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Os tempos tinham mudado. Quando, em fevereiro de 1963, se reuniram para gravar Please Please Me, os Beatles eram uma banda devidamente oleada. Uma vida feita na estrada com o objetivo de cumprir uma agenda intensa de atuações ao vivo, incluindo três passagens por Hamburgo, tinha gerado um grupo eficaz que dispensava perdas de tempo com ensaios. O primeiro 33 rotações foi gravado como se em causa estivesse apenas o cumprimento do contrato para mais um concerto.

[7 coisas que talvez não saiba sobre “Sgt. Pepper’s”:]

Quando chegou o momento de gravar Sgt. Pepper’s, concertos era um tema do qual os quatro membros dos Beatles não queriam nem ouvir falar. Sobre o trabalho de composição e gravação, a atitude era diferente. Em Revolver, o álbum antecedente, os Beatles já tinham dado um passo largo na exploração de novas técnicas de gravação. De tal forma que seria impossível a John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr reproduzirem ao vivo as canções que tinham gravado. Com o novo disco, iriam mais além.

No remate do último tema do alinhamento, "A Day in the Life", Lennon, McCartney, Martin, Ringo e Mal Evans martelam em simultâneo um poderoso acorde ao piano, com a intensidade aumentada através do recurso a reverberação, e que fica a soar como a explosão profunda de um ponto final. Mas era mesmo o fim? Não.

Recorreram a secções de cordas, clarinetes e saxofones, recrutaram executantes de instrumentos tradicionais indianos, pediram a ajuda de músicos que atuavam em orquestras sinfónicas. A somar a tudo isto, criaram um amplo catálogo de truques de estúdio inovadores que tanto eram imaginados pelo produtor George Martin e pelo engenheiro de som Geoff Emerick, como eram reclamados pelos membros dos Beatles, que não faziam cerimónia quando se tratava de fazer a cabeça em água aos dois homens que os acompanhavam no estúdio de Abbey Road.

No remate do último tema do alinhamento, “A Day in the Life”, Lennon, McCartney, Martin, Ringo e Mal Evans martelam em simultâneo um poderoso acorde ao piano, com a intensidade aumentada através do recurso a reverberação, e que fica a soar como a explosão profunda de um ponto final. Mas era mesmo o fim? Não. Quando o acorde se dissipava, surgia um som tão agudo que apenas o sentido auditivo de um cão o poderia captar. A paternidade da ideia pertenceu a John Lennon e a intenção foi apenas a de aborrecer os canídeos que escutassem o disco.

As surpresas ainda não terminavam aqui. Nos gira-discos em que o braço não levantava automaticamente, era possível ouvir as vozes de Lennon e de McCartney a repetirem duas frases. A ladaínha seguiria até à eternidade caso ninguém despertasse de um eventual estado de torpor, talvez com a ajuda do rosnar de um cão irritado, e tratasse de afastar a agulha das estrias.

Billy Shears

Se Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band é o alter ego dos Beatles, Billy Shears desempenha idêntico papel em relação ao baterista Ringo Starr. Na canção de abertura, Paul McCartney faz a apresentação da banda, como se o conjunto das canções do álbum correspondesse ao alinhamento de uma atuação ao vivo. No final do tema, que inclui o ruído da audiência registado durante um concerto dos Beatles no Hollywood Bowl, em Los Angeles, as vozes de John Lennon, Paul McCartney e George Harrison anunciam a “entrada em palco” de Shears. Sem as normais interrupções que separavam as faixas nos 33 rotações, o tema “With a Little Help From My Friends”, interpretado por Ringo, arranca.

Lennon e McCartney costumavam compor temas que se destinavam a ter o baterista na voz principal e este foi um dos casos, já que Starr, compositor com uma produção modesta, não dispunha de qualquer material que pudesse propor para ser incluido na nova obra dos Beatles. Starr nem sequer estava muito entusiasmado com a ideia de cantar em “With a Little Help From My Friends”, mas os três restantes elementos dos fab four não lhe deram margem para fugir ao destino.

As dúvidas deviam-se ao facto de a versão original da letra conter um verso que não agradava ao baterista: “What would you think if I sang out of tune, Would you stand up and throw tomatoes at me?”. Talvez pouco confiante de que a opção dos Beatles de jamais voltarem a dar concertos fosse para levar a sério, Ringo Starr não queria colocar-se na posição de “estar a pedi-las”. Lennon e McCartney deixaram-se convencer e mudaram o texto para “Would you stand up and walk out on me?”.

Em 1973, no álbum de maior sucesso na carreira a solo do baterista, intitulado Ringo, John Lennon ressuscita Billy Shears através de um tema que compõe para este disco. “I’m the Greatest” é o nome da canção que abre o álbum e Starr canta os seguintes versos: “Yes my name is Billy Shears, You know it has been for so many years”. Uma das curiosidades de Ringo está no facto de se tratar do único álbum em que todos os membros dos Beatles participaram após a separação da banda, embora o façam em faixas diferentes.

A capa de “Ringo”, álbum de 1973

Censura

Hoje em dia, os escrúpulos da BBC parecem simplesmente excessivos ou apenas ridículos. Mas, em 1967, as letras eram escrutinadas em busca de quaisquer referências a drogas e a incentivos ao seu uso. Três temas de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band foram alvo de censura e impedidos de passar na rádio.

“A Day in the Life” continha o verso “found my way upstairs and had a smoke”, além da expressão “I’d love to turn you on”, que tanto pode ter conotações sexuais como tratar-se, de facto, de uma referência ao uso de estupefacientes. Além disso, um dos versos falava em “quatro mil buracos em Blackburn, Lancashire”, que algumas interpretações concluiram aludir a marcas físicas resultantes da injeção de heroína.

Em “Anthology”, Paul McCartney reconhece que ele e Lennon tiveram consciência de que, com a utilização de “turn you on”, estavam a pisar o risco. Quanto à situação detetada no Lancashire, John Lennon explicaria que tinha sido recolhida de uma notícia que lera na imprensa sobre quatro mil buracos nas estradas de Blackburn e que as autoridades locais prometiam tapar.

“Lucy In The Sky With Diamonds” também não escapou aos censores. O título da canção correspondia à sigla LSD, o ácido lisérgico que, administrado em pastilhas, esteve em voga durante a era psicadélica que tanto inspirou boa música como experiências desastrosas. A verdade é que o tema foi inspirado por um simples desenho feito por Julian Lennon que tinha como protagonista Lucy, uma amiga da escola que o filho de John frequentava.

Ainda houve imaginação para considerar que “Being for the Benefit of Mr. Kite!” continha referências à heroína. O motivo? A letra, construida a partir de um cartaz de 1843, comprado por Lennon num antiquário e que fazia a promoção do circo Pablo Franque, mencionava “Henry, the horse”. Na gíria, as duas palavras eram sinónimos de heroina e não a mera designação de um artista circense.

Tudo isto significa que os membros dos Beatles não consumiam drogas? Não. Muito daquilo que fizeram em Sgt. Pepper’s foi inspirado pelas experiências com LSD. Mas nem tudo o que escreveram continha mensagens óbvias ou subtis sobre o tema.

John Lennon, em 1968, com Julian Lennon. (Keystone Features/Getty Images)

Descompressão?

Os Beatles deram o último concerto ao vivo em agosto de 1966, em São Francisco, caso se exceptue a atuação no telhado do edifício da editora Apple, em Londres, três anos mais tarde. Sentiam-se esgotados por anos consecutivos de correrias e da gritaria que caracterizou a fase da beatlemania. Tinham consciência de que estavam a tocar cada vez pior e achavam que o Mundo tinha enlouquecido, restando apenas quatro pessoas mentalmente saudáveis à face da Terra, isto é, eles próprios.

Ao cumprimento da agenda de atuações em vários pontos do globo prevista para aquele ano, seguiram-se a decisão de jamais regressar às digressões e um período de quase três meses de férias, situação inédita deste o início da carreira. Cada um fez o que lhe apeteceu. John Lennon rumou a Espanha para desempenhar o papel principal num filme intitulado How I Won the War. George Harrison apanhou um avião para a India. Ringo Starr ficou em casa a desfrutar os prazeres simples da vida familiar. Quanto a Paul McCartney, estava com bicho carpinteiro. Era o membro que mais sentia a falta dos Beatles e decidiu aceitar o desafio de compor a banda sonora para o filme The Family Way.

Seria possível os quatro membros dos Beatles viverem afastados da pressão durante muito tempo? A derradeira digressão pelos Estados Unidos tinha evidenciado casas apenas meio-cheias e os responsáveis da editora EMI, bem como o manager Brian Epstein, receavam pelas consequências da queda de popularidade da banda. Queriam que os Beatles regressassem ao estúdio. No imediato, para gravarem temas para um novo single. A prazo, para se dedicarem à tarefa de criar um novo álbum. Em novembro de 1966, a vida ociosa chegou ao fim.

Gritos das fãs impediam os Beatles de ouvirem o que estavam a tocar. (William Lovelace/Getty Images)

Epstein

Depois da decisão dos Beatles de abandonarem as digressões, Brian Epstein, o homem que os ajudou a transformarem-se naquela que é considerada como a banda mais influente de sempre, viu o fluxo de trabalho reduzir-se. Ainda acompanharia o trabalho no estúdio que culminou com a edição de Sgt. Pepper’s, mas a tragédia estava a chegar.

A 27 de julho de 1967, pouco tempo depois de o álbum ter visto a luz do dia, Epstein foi encontrado sem vida na sua casa em Londres. O manager dos Beatles sofria de insónias e abusou de medicamentos destinados a permitirem-lhe descansar. Ainda hoje se discute se a morte de Epstein foi acidental ou se o empresário escolheu morrer. E esta não é a única interrogação relacionada com o acontecimento.

Com a edição de Sgt. Pepper’s, os Beatles pareciam atingir o auge e atravessavam um período de elevada criatividade, o mais deslumbrante da carreira. Mas o desmoronamento do sonho também estava a aproximar-se e a morte de Brian Epstein não ajudou a evitá-lo. Pelo contrário. O empresário tomava conta da banda, incluindo das abastadas finanças dos seus membros, e, como John Lennon contou, parecia que, de repente, os fab four se tinham transformado em galinhas sem cabeça e, pior, incapazes de perceberem o que fazer a seguir.

Jamais se saberá o que teria sucedido se Epstein não tivesse falecido prematuramente quando tinha apenas 32 anos. O que ficou registado é que a atmosfera entre os quatro Beatles começou a resvalar para a tensão e a crispação. E se, apesar das animosidades, os enormes talentos da banda ainda guardavam uma mão cheia de boas novidades para os anos seguintes, uma sucessão de decisões ruinosas, bem como a escolha de pessoas erradas para gerir o império dos Beatles, deitou tudo a perder. Só em 1975, cinco anos após o fim da banda, um tribunal declarou a dissolução dos Beatles. A acrimónia e o ressentimento iriam perdurar para além das decisões judiciais.

Brian Epstein, o manager dos Beatles que faleceu em 1967.

Fãs

Não constitui grande surpresa, mas o facto é que as redondezas das casas em que os membros dos Beatles habitavam costumavam ser frequentadas por fãs ávidos de ver os seus ídolos, de tentar trocar algumas palavras com eles ou de conseguir um autógrafo. O mesmo sucedia quando a banda estava nos estúdios. Lizzie Bravo e Gaylene Pease, duas fãs brasileiras que se encontravam em frente aos estúdios da Apple onde os Beatles procediam à gravação do álbum Let it Be, chegaram a ser convidadas a entrar e a colaborarem nos coros de “Across the Universe”.

Noutra ocasião, McCartney foi abordado à porta de casa por um fã que se apresentou sob o nome de Jesus. Simpatizou com a personagem, achou que o seu aspeto pacífico fazia justiça ao nome e acabou por desafiá-lo a ir até ao estúdio, precisamente no serão em que iam gravar “Fixing a Hole”, um tema que, de acordo com o autor, é sobre os fãs que ficam à porta, mas que não tentam entrar.

Grammy

A edição de Sgt. Pepper’s foi um sucesso instantâneo. No Reino Unido, venderam-se 250 mil cópias durante a primeira semana, enquanto o disco entrava diretamente para o primeiro lugar do top, onde permaneceu durante 27 semanas. Na edição de 1968 dos Grammy, chegou a consagração sob a forma de quatro prémios: melhor álbum contemporâneo, melhor capa, melhor engenharia de som e melhor álbum do ano, distinção que foi atribuida pela primeira vez a uma obra de música rock.

Hamburgo

John Lennon e Paul McCartney conheceram-se a 6 de julho de 1957, dez anos antes da edição de Sgt. Pepper’s, durante uma festa ao ar livre junto a uma igreja localizada em Woolton, Liverpool. Estava dado o primeiro passo para o nascimento dos Beatles e da dupla de autores e compositores que iria mudar para sempre a música popular.

Os Quarry Men Skiffle Group, liderados por Lennon, atuavam naquele dia. E foi a partir daqui que se traçou a origem aos Beatles, com o recrutamento no local de McCartney que deixou Lennon impressionado por saber tocar “clássicos” como “Twenty Flight Rock”, de Eddie Cochran, e, mais importante, conhecer de cor as letras, matéria em que Lennon era um pouco mais desleixado.

"When I'm Sixty Four", inspirada nos velhos temas de vaudeville que McCartney escutava e tocava em casa dos pais, durante as festas organizadas com amigos da família. 

Entre 1960 e 1962, a banda iria atuar em diversos bares de Hamburgo, na zona mal afamada de Reeperbahn. Por estes dias, os Beatles tocavam, sobretudo, versões de temas celebrizados pelas grandes estrelas do rock and roll da década de 1950. Mas Lennon e McCartney iriam começar a compor originais em equipa.

É deste período inicial na carreira dos Beatles que surge a canção “When I’m Sixty Four”, inspirada nos velhos temas de vaudeville que McCartney escutava e tocava em casa dos pais, durante as festas organizadas com amigos da família. No início, o tema era apenas instrumental e a banda executava-o por vezes durante as prestações ao vivo. De acordo com Paul McCartney, quando os amplificadores se avariavam ou havia cortes na energia.

Em julho de 1966, McCartney recordou-se do tema a propósito do sexagésimo quarto aniversário do pai e decidiu recuperá-lo, escrevendo uma letra que parodiava aspetos da vida da geração dos pais em Liverpool. O som limpo, a melodia de ficar no ouvido e o recurso a três clarinetistas para os arranjos contrastam, no alinhamento, com a atmosfera oriental de “Within You Without You”, faixa da responsabilidade de George Harrison que antecede a canção de Paul McCartney. Talhada para agradar a graúdos, acabou por também despertar acolhimento junto dos apreciadores jovens dos Beatles. Mas não deixa de parecer uma carta fora do baralho no conjunto do álbum.

India

George Harrison, o “beatle tranquilo”, era o membro da banda que estava mais esgotado da vida agitada de estrelas enjauladas na fama que os próprios Beatles tinham conquistado. De regresso dos Estados Unidos e com três meses de férias pela frente, George Harrison decidiu viajar para a India.

O guitarrista, educado numa família católica, andava interessado no misticismo oriental e queria aprender e descobrir mais. Também andava fascinado com a música que se fazia na India e melhorar a habilidade para tocar sitar estava entre os seus objetivos. Na antiga colónia britânica, George Harrison juntou-se ao músico e compositor Ravi Shankar para receber lições num instrumento que já tinha utilizado na canção “Norwegian Wood”.

Durante as gravações de Sgt. Pepper, o guitarrista propôs aos companheiros que “Only a Northern Song”, uma canção da sua autoria, fosse incluida no alinhamento. A resposta foi negativa e também George Martin achou que o material em causa não tinha qualidade suficiente para merecer tamanha honra.

Harrison ficou desiludido, mas decidiu fazer um novo esforço. Compôs “Within You Without You” e escreveu uma letra que exaltava a espiritualidade e condenava o materialismo, assunto que se tornou recorrente em trabalhos posteriores e já durante os primeiros anos da carreira a solo de Harrison. Desta vez, o desafio foi acolhido.

No estúdio de Abbey Road, a intensidade das luzes foi reduzida e queimou-se incenso de forma a criar a atmosfera certa para gravar o tema, para o qual contribuiram diversos músicos indianos, assim como uma secção de cordas com 11 elementos, entre executantes de violino e de violoncelo. Lennon, McCartney e Ringo Starr não figuram na lista de créditos. Neste tema, que nada tem a ver com o passado e com aquele que ainda seria o futuro da banda, apenas o nome de George Harrison faz a ligação entre a música e os Beatles.

George Harrison com Ravi Shankar, em 1970. (Central Press/Getty Images)

Jagger

A capa de Sgt. Pepper’s presta homenagem à banda liderada por Mick Jagger. No canto inferior direito, a camisola exibida por uma boneca inspirada na atriz Shirley Temple tem inscrita a frase “Welcome The Rolling Stones”. Principais rivais, mas também amigos, os Stones retribuiriam o gesto, ainda em 1967. Na capa de Their Satanic Majesties Request, álbum lançado por Jagger e companhia em dezembro daquele ano, é possível encontrar as caras dos quatro Beatles no trabalho de arte psicadélica. O pormenor era difícil de detetar na edição original, em que a imagem surgia numa versão a três dimensões.

Estas trocas de cumprimentos não impediram Keith Richards de emitir um juizo duro sobre Sgt. Pepper’s. Em 2015, durante uma entrevista à revista Esquire, o guitarrista dos Rolling Stones afirmou que o álbum é uma “amálgama de lixo”. Mas adiantou que Their Satanic Majesties Request, a tentativa controversa da banda de Richards de também fazer um álbum ajustado à era dourada da música psicadélica, se podia qualificar com as mesmas palavras. “Se vocês [os Beatles] são capazes de fazer um monte de merda, nós [os Rolling Stones] também somos”, disse o guitarrista para resumir o que pensa sobre dois álbums que, para o bem e para o mal, ficaram para a história como testemunhos de uma época que teve tanto de genialidade como de desvario.

Charlie Watts, Mick Jagger, Bill Wyman, Keith Richards e Brian Jones. Os Rolling Stones em 1967. (Keystone/Getty Images)

King’s Road

Cass Elliot e os vizinhos da vocalista dos Mamas and The Papas foram as primeiras pessoas a gozar o privilégio de escutar Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de fio a pavio. Finalizada a gravação e munidos de uma cópia do álbum impressa em acetato, os Beatles fizeram uma visita a Elliot, que vivia em Londres numa casa situada nas proximidades de King’s Road, no bairro de Chelsea, uma das artérias da capital britânica que melhor simbolizava a swingin’ London dos anos 1960.

Reza a história que o disco foi passado repetidas vezes durante a madrugada, com o volume do sistema de som no máximo, as janelas do apartamento escancaradas e as colunas viradas para a rua. Parece que ninguém protestou. A oportunidade de descobrir, em primeira mão, as novas canções dos Beatles, era compensação suficiente para uma noite sem pregar olho.

Liverpool

Quando entrou em estúdio, Paul McCartney tinha algumas ideias sobre o que os Beatles deviam fazer a seguir, mas ninguém dispunha de uma visão global sobre o álbum que se preparavam para começar a gravar. Chegou a pairar a proposta de fazerem um disco que recordasse a cidade-natal e lhe prestasse homenagem. Além de “When I’m Sixty Four”, os Beatles começaram por gravar “Strawberry Fields Forever” e “Penny Lane”, duas faixas que funcionariam na perfeição se a meta fosse a de recuperar memórias da infância e adolescência em Liverpool.

A primeira tinha sido composta por John Lennon durante o período de férias em Espanha, enquanto participava no filme pacifista How I Won the War, de Richard Lester, realizador que fez os dois primeiros filmes dos Beatles: A Hard Day’s Night e Help!. Strawberry Field era um orfanato do Exército de Salvação, localizado em Liverpool, que dispunha de um jardim que Lennon costumava frequentar na infância.

Quanto a “Penny Lane”, resultou da inspiração de Paul McCartney e o título corresponde ao nome de uma rua da cidade-natal dos quatro Beatles. Num dos extremos, a via desemboca numa rotunda onde se localizavam o barbeiro, a agência bancária e o quartel dos bombeiros que são citados na letra.

Como havia uma forte pressão para que os Beatles editassem um 45 rotações, os dois temas acabaram por ser excluidos do alinhamento de Sgt. Pepper’s e lançados no formato de single. A prática habitual da banda, comum a outros grupos, era a de que não seria sério incluir num long-play canções que já tinham sido comercializadas no formato mais pequeno, porque isso obrigaria os fãs dos Beatles a comprar duas vezes as mesmas faixas.

Décadas depois desta decisão, George Martin confessou o arrependimento de ter sido cúmplice ao considerar que este tinha sido o maior erro da sua vida profissional. Com “Strawberry Fields Forever” e “Penny Lane”, como seria classificado Sgt. Pepper’s pela revista Rolling Stone? O “ainda melhor” álbum de sempre?

Surpreendente foi o facto de, contra todas as expectativas, o single não ter conseguido alcançar a primeira posição na lista de vendas de discos no Reino Unido. O topo foi ocupado por “Release Me”, de Engelbert Humperdinck. Engelbert quê?

A capa do “single” que barrou o caminho aos Beatles.

Mail

A imprensa foi uma fonte de inspiração para várias canções dos Beatles e “She’s Leaving Home” é um destes casos. Nos anos 1960, os jornais publicavam, com frequência, histórias sobre adolescentes que fugiam de casa dos pais. Um dia, nas páginas do Daily Mail, Paul McCartney deparou-se com a notícia de uma rapariga de 17 anos, chamada Melanie Coe, que tinha desaparecido sem deixar rasto. Não tinha levado dinheiro ou qualquer muda de roupa.

Melanie acabou por regressar a casa dez dias após a fuga. Fora atraída para a aventura por um croupier que tinha conhecido numa discoteca, um caso semelhante àquele que os Beatles cantam em “She’s Leaving Home”, protagonizado por uma rapariga que abandona a casa dos pais para se juntar a um camionista.

Rezam as crónicas que esta história inclui uma incrível coincidência. Quando compôs a canção, Paul McCartney estava longe de ter consciência de que tinha conhecido Melanie Coe em 1963, quando o músico fez parte do juri de um concurso de mímica que decorreu durante um programa da série Ready, Steady Go!. Melanie era uma das competidoras.

New York Times

Quando Sgt. Pepper’s chegou às lojas de discos, a 1 de junho de 1967, sucederam-se as críticas na imprensa sobre o álbum. Regra geral, a única dificuldade que os autores dos textos pareciam enfrentar era a que resultava da escassez de adjetivos para qualificar uma obra que era colocada nos píncaros sob qualquer que fosse o ponto de vista adotado, desde a música até à capa.

As opiniões, contudo, não foram unânimes. Richard Goldstein foi um dos escribas que deixou claro não ter ficado fascinado com o trabalho dos Beatles. Qualificou o álbum como “estragado” e zurziu aquilo que considerava ser um excesso de “efeitos especiais”. Resumindo: Sgt. Pepper’s não passava de uma fraude. A caixa de correio do jornal nova-iorquino não chegou para acolher todas as cartas de protesto. Nunca uma crítica musical tinha suscitado uma reação tão forte da parte dos leitores.

Orquestra

A colaboração entre John Lennon e Paul McCartney enquanto compositores e autores foi uma das chaves do sucesso e influência alcançados pelos Beatles. O sentido melódico e o optimismo de McCartney e a tendência para a instropecção e o tom mais sombrio de Lennon fizeram o casamento perfeito, responsável por canções que conquistaram a eternidade.

Por vezes, ambos chegavam a estúdio com pedaços de canções incompletas que precisavam de um empurrão para serem terminadas. “A Day in the Life” nasceu de uma situação destas. John Lennon tinha o arranque, mas o trabalho não estava a chegar a lado algum. As coisas começaram a rolar quando Paul McCartney tirou da manga a parte que foi colocada a meio do tema e que interrompe a melancolia dominante com uma referência às rotinas do dia a dia.

No álbum Abbey Road, que os Beatles gravaram em 1969, a colagem de pedaços de canções incompletas deu origem a um "medley".

O problema seguinte foi o de encontrar uma forma de colar as duas peças. A saída foi confiada a 40 músicos sinfónicos, cada um deles instruido para executar um crescendo no respetivo instrumento, desde a nota mais grave até à mais aguda. No álbum Abbey Road, que os Beatles gravaram em 1969, a colagem de pedaços de canções incompletas deu origem a um medley que preenche a quase totalidade daquele que era o “lado B” da edição original em vinil. Um e outro caso fazem parte dos momentos mais brilhantes no rico legado dos Beatles.

Presley

Sem Elvis Presley os Beatles não teriam existido. O reconhecimento foi feito por John Lennon, um admirador confesso do “rei”, que funcionou como um forte incentivo para formar a banda que havia de dar origem aos Beatles. Não surpreende que, quando se discutia quais as figuras públicas que deviam constar na fotografia de capa de Sgt. Pepper’s, Lennon tenha insistido para que Elvis Presley fosse um dos eleitos. Mas o músico acabaria por ser excluido.

Pode parecer paradoxal, mas a justificação tem a ver com a admiração que os Beatles, e não apenas Lennon, tinham por Elvis. Solicitado a dar uma explicação, McCartney afirmou: “Elvis era demasiado importante e estava muito acima de todos os outros para sequer ser mencionado. Não o incluimos na lista porque ele era mais do que um mero cantor pop. Ele era Elvis, o rei”.

Presley não ficou sozinho no painel de excluidos. Leo Gorcey saltou das escolhas quando pediu uma comissão no valor de 400 dólares para figurar na capa. Mohandas Gandhi devia ter feito companhia a Lewis Carroll mas acabou por ser posto fora para felicidade de Joe Lockwood, presidente da editora EMI. O executivo receava que não autorizassem a prensagem e a venda do álbum no mercado indiano.

Jesus também foi rejeitado. Tinha passado apenas um ano sobre as declarações de John Lennon em que o músico alegava que os Beatles eram mais famosos do que Cristo e os ânimos podiam voltar a incendiar-se.

Adolf Hitler juntou-se à lista de proscritos porque a sua presença poderia ser vista como ofensiva. Quanto a Timothy Carey, Sofia Loren e Marcello Mastroiani, foram incluidos na fotografia de capa, mas ficaram escondidos por detrás de George Harrison, no caso de Carey, ou das figuras de cera dos Beatles, nos casos de Loren e de Mastroiani.

Elvis Presley era admirado pelos Beatles. (Liaison)

Quem é quem

Peter Blake e Jann Haworth foram os autores da capa de Sgt. Pepper’s. Basearam-se num esboço desenhado por Paul McCartney e usaram as fotografias de 75 figuras públicas, impressas e pintadas sobre cartão, bem como nove estátuas de cera. A lista de personalidades integra nomes como a atriz Mae West, o comediante Lenny Bruce, o compositor Karlheinz Stockhausen, o escritor Edgar Allan Poe e o cantor folk Bob Dylan, entre muitos outros.

Todo o trabalho de produção custou 3.000 libras, uma pequena exorbitância numa época em que a capa de um long play custava, em média, 50 libras. Mas, quando se tratou de gravar Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, restrições financeiras não constituiram um obstáculo para os Beatles. Na contracapa, havia uma novidade. Pela primeira vez, uma banda pop publicava as letras das canções.

A contracapa de Sgt. Pepper’s incluiu as letras de todas as canções do álbum.

Revolver

A partir de 1965, começou a ficar claro que os Beatles eram, na verdade, duas bandas. Uma, correspondia àquela que fazia frequentes aparições ao vivo, em cumprimento de um calendário pesado e cansativo. Outra, era a que se encerrava entre as quatro paredes dos estúdios a aperfeiçoar as canções e as letras, a inovar nos arranjos e a alargar o número de instrumentos usados.

Os Beatles que atuavam ao vivo continuavam a recorrer a versões e aos temas que tinham integrado os primeiros álbuns e singles, enquanto os fab four que trabalhavam em estúdio construiam canções que seriam impossíveis de reproduzir em concerto. Não é por acaso que, nos alinhamentos da derradeira digressão pelos Estados Unidos, durante o verão de 1966, não tenha constado qualquer tema de Revolver, que, na época, era a mais recente peça na discografia da banda.

Os Beatles do estúdio eram cada vez melhores, os Beatles dos concertos eram cada vez piores. E tomavam consciência disto de cada vez que conseguiam furar a gritaria das audiências e escutar aquilo que estavam a tocar. Revolver anuncia um caminho diferente, bem ilustrado por “Tomorrow Never Knows”. Está uns degraus acima no processo de maturação dos Beatles, iniciado em Rubber Soul, e no percurso de experimentação que havia de conduzir a Sgt. Pepper’s.

“Revolver”, um passo em direção a “Sgt. Pepper’s”.

Sal e pimenta

Durante as férias que antecederam o regresso dos Beatles ao estúdio, Paul McCartney dedicou-se à composição da banda sonora do filme The Family Way, de Roy Boulting. A música foi lançada em 33 rotações em janeiro de 1967 e é a origem de uma das polémicas alimentadas pelos fanáticos dos Beatles. A discussão gira em torno da magna questão de saber se esta banda sonora constitui a primeira obra a solo editada por um membro dos fab four ou se é Wonderwall Music, de George Harrison, lançado em novembro de 1968, que merece o galardão.

A composição e a gravação daquela banda sonora não foram a única ocupação de McCartney. Na companhia de Mal Evans, o amigo que, desde os tempos de Liverpool, era responsável pela gestão das digressões dos Beatles, o autor de “Yesterday” foi passear para o Quénia. No regresso, a bordo do avião, nasceu a ideia para o novo álbum.

No serviço de refeições a bordo estavam incluidas duas saquetas que continham sal e pimenta. Foi ao começar a fazer um jogo de palavras com salt & pepper que McCartney chegou a Sergeant Pepper. Depois, desenvolveu a ideia de criar uma banda que fosse o alter ego dos Beatles, baptizada com um nome que estivesse ajustado às tendências daquele período dos anos 1960. Muitos dos grupos que nasceram nessa época adotaram designações compridas e Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band estava de acordo com outros nomes contemporâneos como, por exemplo, Fred And His Incredible Shrinking Grateful Airplanes, uma banda inventada por John Lennon.

Os Beatles estavam fartos de serem os Beatles e queriam uma mudança.

Por detrás disto, a verdade é que os Beatles estavam fartos de serem os Beatles e queriam uma mudança. Já não eram quatro simpáticos jovens de Liverpool com os famosos penteados mop-top. Eram homens feitos e Sgt. Pepper’s também representava um grito de libertação após um ano de 1966 em que se sentiram encerrados numa cela, objetos de culto num circo em que a música não contava para nada e bodes expiatórios para todos os males e frustrações alheias.

Tara Browne

A 9 de novembro de 1966, cerca de duas semanas antes de os Beatles entrarem no estúdio, Paul McCartney foi sair com Tara Browne, um jovem milionário amigo dos membros da banda. Estavam “pedrados” por terem fumado canabis e acabaram por sofrer um acidente de moto.

Em consequência da queda, McCartney fez um corte no lábio superior o que o levou a deixar crescer o bigode para disfarçar a ferida. Como, nessa altura, ainda vigorava o espírito de corpo entre os quatro membros da banda, sob o qual o que um fazia, todos imitivam, Lennon, Harrison e Starr também deixaram crescer os lustrosos bigodes com que aparecem nas fotografias feitas para a embalagem que albergava o vinil de Sgt. Pepper’s.

O acidente teve outra consequência. Deu ignição ao boato de que Paul McCartney tinha perecido, decapitado, base de uma das teses da conspiração mais famosas e alucinadas entre todas as que rodeiam o percurso dos fab four. McCartney teria sido substituido por um sósia e os discos dos Beatles posteriores à sua “morte” estariam cheios de referências que confirmavam a teoria “Paul is dead”.

Houve gente a garantir a pés juntos poder escutar-se Lennon no final de “Strawberry Fields Forever” a susssurar “I buried Paul” quando, na realidade, aquilo que diz é “cranberry sauce”. Na famosa fotografia da capa de Abbey Road, o último álbum a ser gravado pelos Beatles, Paul atravessa a passadeira de pés descalços, enquanto os restantes elementos da banda estão calçados. Tese da conspiração: tratava-se de um cortejo fúnebre e o facto de estar descalço provava que McCartney era o defunto.

“Paul is Live” é um álbum de gravações ao vivo de Paul McCartney. Na capa e no título, McCartney parodia a tese do seu falecimento em 1966.

Tara Browne acabaria por morrer algumas semanas depois do acidente que envolveu Paul. A 18 de dezembro de 1966, Browne, que, tal como os Beatles, consumia LSD, sentou-se ao volante do seu Lotus Elan e decidiu percorrer a alta velocidade algumas ruas do bairro londrino de South Kensington. Ignorou semáforos com o sinal vermelho até que acabou por colidir com uma carrinha que se encontrava estacionada. A morte de Browne inspirou John Lennon a escrever um dos versos famosos de “A Day in the Life”, após ter lido uma noticia sobre o acidente que vitimou Tara: “He blew his mind out in a car”.

Unidade

Sobre o momento em que Sgt. Pepper’s foi lançado, Langdon Winner, professor de ciência política norte-americano, não disfarçou o seu enorme entusiasmo. O académico afirmou à revista Rolling Stone que se tratou da “semana em que a civilização ocidental mais se aproximou da unidade desde o Congresso de Viena em 1815”, conclave que colocou um ponto final nas guerras napoleónicas que devastaram a Europa. Winner acrescentou que “em todas as cidades europeias e americanas as rádios passaram o álbum e toda a gente escutou”. Toda a gente terá escutado, mas nem toda a gente apreciou, como já se viu.

Verão do Amor

Sgt. Pepper’s surgiu no momento certo para fazer parte da banda sonora do “Verão do Amor”, os meses em que o movimento hippie despontou e se instalou na Europa e nos Estados Unidos, com Haight Ashbury, em São Francisco, a funcionar como uma espécie de capital desta nova “nação”. O pacifismo, em reação ao conflito militar no Vietname, foi uma das causas centrais do movimento. O consumo de LSD funcionou como o principal combustível dos respetivos militantes.

A par dos Beatles, bandas como os Grateful Dead ou os Jefferson Airplane foram responsáveis pela música que ficou associada à “paz e amor” proposta pelos hippies. George Harrison entusiasmou-se e decidiu ir até aos Estados Unidos sentir a atmosfera, mas arrependeu-se. “Julgava que ia encontrar pessoas com lojas fixes a produzir obras de arte, pinturas e artesanato, mas, em vez disso, descobri que se tratava apenas de um monte de patetas, muitos dos quais eram demasiado jovens e tinham decidido ir para esta Meca do LSD”.

Depois desta desilusão, Harrison tomou duas decisões: parou de tomar LSD e dedicou-se à meditação.

27 de agosto de 1967: um grupo de hippies participa num festival em Woburn Abbey, no sl de Inglaterra. (Keystone Features/Getty Images)

Wilson

Em meados dos anos 1960, o medo dos palcos começou a perturbar Brian Wilson ao ponto de começar a constituir um embaraço para as atuações ao vivo dos Beach Boys. Wilson, o motor criativo da banda californiana, foi dispensado de pisar os palcos e fechou-se em estúdio com o objetivo de compor e tratar dos arranjos dos temas que iriam integrar um novo álbum.

Trabalhou intensamente e, no final, os Beach Boys apresentaram ao Mundo uma das obras-primas da música popular. Pet Sounds causou uma forte impressão entre os Beatles. Paul McCartney, sobretudo, ficou encantado com as canções — “God Only Knows” é um dos temas de amor favoritos de Macca — e ainda mais com os arranjos e a utilização do estúdio como um instrumento. Em redor da cabeça de Paul passou a orbitar uma ideia fixa: os Beatles tinham de fazer melhor.

Capa de “Pet Sounds”, o disco que motivou os Beatles a tentarem fazer melhor.

Xadrez

Os meses passados em estúdio deram frutos que marcaram a história da música pop, mas nem todos os elementos dos Beatles acharam graça aos longos meses que a gravação consumiu. A memória mais vívida de Ringo Starr é a de que teve tempo para aprender a jogar xadrez enquanto Lennon, McCartney, Harrison, produtor e equipa técnica se entretinham a inventar soluções que nunca antes haviam sido tentadas num estúdio que dispunha de um sistema de gravação com apenas quatro pistas.

Durante o registo de “Getting Better”, uma canção optimista que contrasta com o tom pouco risonho de “A Day in the Life”, Ringo Starr foi chamado a trabalhar a parte da bateria, mas acabou por ser dispensado quando os restantes elementos dos Beatles decidiram que o tema precisava de menos enfase nos tambores e mais destaque nas vozes. Quando quer ilustrar o tédio que o afligiu, Starr gosta de contar este episódio.

Yoko Ono

Uma parte do tempo livre de John Lennon depois do concerto final de Candlestick Park foi preenchido com visitas a galerias de arte, sobretudo daquelas que divulgavam as obras de artistas de vanguarda. Um dia, decidiu ir à Indica Gallery, na zona de St. James, em Londres. O acaso ia pregar-lhe uma partida. E estava prestes a entrar na vida dos Beatles a personagem que, para muitos fãs, está para a história dos fab four como Tulius Detritus está para o episódio A Zaragata nas aventuras de Astérix e Obélix.

Em exposição na Indica, em novembro de 1966, estavam obras de uma artista japonesa que dava pelo nome de Yoko Ono. Lennon entrou e aproximou-se de um escadote que estava montado sob uma lupa presa ao tecto por um fio. O músico ficou surpreendido e aparentou não estar a entender o sentido da instalação. Yoko incentivou-o a subir os degraus e John Lennon obedeceu.

No cimo, espreitou pela lupa e descobriu que, na parede em frente, estava escrita a palavra “YES”. Não só achou graça, como ficou deslumbrado com a autora. E foi desta forma que Yoko Ono, progressivamente, passou a ser uma parte inseparável da vida de John Lennon e um detonador do processo de secundarização dos Beatles nas prioridades do fundador da banda.

Durante os trabalhos de elaboração de Sgt. Pepper’s, Lennon manteve Yoko fora da equação. Depois, a história foi diferente e nem todos os beatles ficaram confortáveis com as mudanças operadas na vida de Lennon.

Yoko Ono conheceu John Lennon poucas semanas antes do início da gravação de “Sgt. Pepper’s”.

Zappa

Pet Sounds funcionou como um poderoso incentivo para os fab four tentarem fazer de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band a obra perfeita, tal como Rubber Soul tinha motivado Brian Wilson a fazer Pet Sounds, a obra maior dos Beach Boys. Mas o álbum dos norte-americanos não foi a única mola a produzir efeitos na imaginação dos Beatles.

Em junho de 1966, Frank Zappa e os Mothers of Invention fizeram a sua estreia discográfica com a edição de Freak Out!. Entre outras novidades, como a colagem de diferentes takes para formar uma canção, o disco é considerado como o primeiro álbum conceptual, em que cada faixa é uma peça numa narrativa que se estende por toda a obra.

Paul McCartney terá chegado a afirmar que Sgt. Pepper’s era o Freak Out! dos Beatles. Mas as dúvidas sobre se, de facto, se está perante um concept-album têm fundamento. Exceptuando o tema de abertura e a respetiva sequência com “With a Little Help From My Friends”, bem como a reprise da canção que dá título ao álbum, nada mais em Sgt. Pepper’s justifica a classificação de álbum conceptual.

Em 1968, Zappa iria lançar um álbum que parodiava Sgt. Pepper’s, incluindo a imagem de capa. Título? We’re Only In It For The Money.

Capa de “We’re Only In It For The Money”, dos Mothers of Invention.

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