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Esta entrevista foi originalmente publicada em 2016. Apesar de desatualizada pela passagem do tempo, pela sua relevância decidimos republicá-la
Vasco Pulido Valente recebeu o Observador na sala da sua casa no centro de Lisboa, para uma longa conversa de três horas e meia: com ironia e acidez, reflexões politicamente incorretas, mas nem sempre com o pessimismo crónico a que habituou os seus leitores. O colunista, que acabara de lançar “De Mal a Pior”, uma coletânea dos seus textos publicados ao longo dos anos no Público e no Diário de Notícias, ia também passar a escrever no Observador em outubro de 2016.
O historiador e investigador explica porque vê a realidade sempre pelo lado mais negativo (é assim que a entende). Faz uma reflexão sobre o desenvolvimento de Portugal dos últimos 150 anos: “atualizações”, levadas a cabo para recuperar o atraso em relação à Europa. Discorre sobre as razões do endividamento crónico de Portugal. Critica o regime que, na sua opinião, devia ser presidencialista. Aliás, prevê que só um partido que emane de um Presidente de centro-direita salvaria a democracia. Mas não considera que Marcelo Rebelo de Sousa seja a personalidade certa para o fazer: “É um desequilibrista”, acusa. Sobre a Europa, acha que os políticos portugueses são demasiado provincianos, pois reduzem a relação com a União Europeia a uma dimensão bilateral e orçamental, quando o que está em jogo é muito mais vasto, importante e estratégico (há um estado de quase guerra por causa da Rússia e da Ucrânia). Eis a visão de VPV sobre Portugal e o Mundo.
O pessimismo crónico de VPV e o desenvolvimento (ou não) de Portugal
Há pessoas que acham que só diz mal. O que diria a alguém que o classificasse como um pessimista crónico?
Diria que pessimismo e otimismo são palavras que só fazem sentido filosoficamente. E o que querem dizer correntemente, e indicam correntemente, são sentimentos. Ora não escrevo para exibir os meus sentimentos, mas para compreender o que se passa à minha volta. E para contribuir para que os outro compreendam. Sou fiel àquilo que compreendo e mais nada. Se há pessoas que acham que é otimismo e pessimismo, são sentimentos acrescentados por elas. Não são do texto.
O título do seu novo livro, uma seleção de crónicas, é “De Mal a Pior”. Quem só conhecesse Portugal através dos seus textos, achava que isto tinha batido no fundo. Não há a mais pequena ponta de otimismo…
É um sentimento.
Racionalmente…
Estou a ser absolutamente racional. Não há ninguém que não diga que as coisas não têm piorado nos últimos 20 anos, pelo menos. É consensual, para usar uma palavra que detesto. Numa fase da minha vida, em que estive quase a morrer, apareciam amigos e enfermeiros a dizer: “Tens de pensar positivo”, que era o mesmo que dizia um anúncio nas bombas de gasolina. O problema não era do pensar positivo, o problema era das bactérias, tanto me fazia pensar positivo ou negativo. Dizia-lhes: “Vão dizer isso à bomba de gasolina”.
O António Costa dizia agora no congresso do PS que o otimismo fazia bem à saúde, ou que pelo menos não fazia mal…
Bem à saúde não faz. Pode fazer bem à vida do António Costa, que anda mais satisfeito, se calhar mais inconsciente.
No últimos 40 anos, o país modernizou-se. O balanço não é positivo? O país não está melhor?
O atraso de Portugal tem de vez em quando de ser corrigido, senão andávamos ainda todos de carroça e caleche. O que estes anos fizeram não foi desenvolver Portugal, embora isso na prática tivesse resultado num desenvolvimento, mas foi um esforço de compatibilização de Portugal com a Europa.
Não foi um desenvolvimento que tivesse origem na própria sociedade portuguesa?
Claro que a atualização implica uma transformação da sociedade. Mas a força principal por detrás dessa atualização é uma necessidade de compatibilizar a sociedade portuguesa com as outras sociedades europeias. Se lermos uma história da Europa do pós-guerra, Portugal tem, apesar das guerras coloniais, uma página ou duas, e é sempre a propósito do nosso atraso.
Disse há pouco que há vinte anos as coisas começaram a piorar. Isso quer dizer que o maior salto foi nos primeiros vinte anos depois do 25 de abril?
Portugal estava sob a ditadura sem Estado Social, com um rendimento per capita que era o penúltimo da Europa e um índice de mortalidade infantil que era dos maiores da Europa. As estradas eram más e não havia autoestradas. Tínhamos 30 ou 40 quilómetros de autoestradas: a autoestrada do Norte acabava em Vila Franca. Já não era concebível aquele país numa Europa moderna. A não ser como curiosidade e como museu antropológico. As pessoas podiam fazer turismo aqui, como o Eça dizia, para ver como se vivia no tempo do rei D. João VI. Era preciso mudar isso.
Essa mudança não estimulou transformações sociais, novas maneiras de pensar?
As atualizações são sempre bruscas e requerem um tempo de adaptação. Como não resultam de uma evolução natural da sociedade — resultam do poder político –, são conduzidas e administradas pelo Estado. A parte da população que tem mais dificuldades em adaptar-se, porque está isolada e não foi educada, é precisamente a parte que o regime anterior manteve numa situação absurda de dificuldade e subordinação. Por isso, basta ligar a televisão para apanhar senhores e senhoras da minha idade bramindo contra a inovação.
Desde o cavaquismo que tem criticado o discurso político do desenvolvimento e da modernização do país.
Porque a sociedade não acompanha as modificações materiais. No século XIX, a partir de meados do século, não se dizia modernização – havia conotações religiosas – mas “melhoramentos materiais”. Ora, os melhoramentos materiais não mudam…
Não mudam? Há mais comunicações, as pessoas têm mais experiências…
Mudam, é claro que mudam. Mas não mudam as atitudes fundamentais. Não mudam a cultura política, a cultura económica.
Qual é a raiz dessa cultura política e económica que classifica nos seus textos como naturalmente corporativista, avessa ao risco, iliberal?
É o Antigo Regime. O liberalismo em Portugal nunca conseguiu fazer uma revolução, exatamente porque foi uma atualização e não uma revolução. Isso nem é particularmente português. Em França sucedeu o mesmo e também em Itália.
Então as dificuldades dos últimos 20 anos são essas dificuldades de atualização?
Não, não. A minha interpretação nos últimos 20 anos é outra.
Há algo específico nos últimos 20 anos?…
Sim, há outro problema.
Então, o que é que correu mal?
Os projetos de desenvolvimento português, nas infraestruturas e na educação tiveram efeitos. Mas porquê esta insistência? É o que o Estado pode fazer. O Estado pode encomendar pontes, estradas, dias de férias, e pagar. Basta aumentar os impostos e pagar. Ou pedir empréstimos e pagar. Ou pedir empréstimos e não pagar. Isso, o Estado pode fazer. A Educação é diferente. Na falta de evolução social, espera-se tudo da Educação. Como os portugueses que existem já não mudam, então vamos educar os pequeninos segundo os bons princípios. Esses é que vão fazer as coisas que nós não fazemos…
O que falha aí?
A Educação não pode criar uma cultura. Um sistema de ensino não pode criar uma cultura económica. Nenhum sistema de ensino universal feito na Europa teve como motivo o desenvolvimento económico. Tiveram outros motivos: a eficiência militar na Prússia; o anticlericalismo em França…
A mobilidade social não justifica a educação?
Isso nunca existiu em Portugal, senão muito depois do 25 de abril e durante um breve período. As crianças e os adolescentes eram mais rentáveis para as famílias estando a trabalhar do que estando na escola. As tentativas de universalizar o ensino em Portugal enfrentaram sempre a resistência dos pais em manter os filhos no sistema de ensino. Eles sabiam que era inútil, estavam sobretudo interessados na contribuição que os filhos podiam dar com o trabalho para a subsistência da família.
Isso hoje mudou?
Mudou parcialmente. A taxa de abandono escolar vem fundamentalmente daí. Os filhos são mais rentáveis — sobretudo em gente que tem pequenas empresas e pequenos negócios — a servir à mesa ou ao balcão nessas empresas familiares. As probabilidades de subirem na escala social, como se tem visto com a emigração de doutorados, são cada vez menores.
O endividamento persistente do país desde o século XIX
São recorrentes os seus artigos a dizer que Portugal está falido desde 1820. Quais são as causas desse nosso endividamento histórico?
A dívida soberana portuguesa tem duas causas e é preciso distinguir isso. Durante grande parte do século XIX, a dívida deve-se à Guerra Civil. Primeiro, às Invasões Francesas e depois à Guerra Civil. O Estado tinha de se endividar para pagar as campanhas e aos militares. Isto durou muito tempo. Foram guerras atrás de guerras, atrás de guerras. Quando, nos meados do século XIX, se conseguiu o consenso — que desde 1820 foi a grande aspiração de todos os portugueses –, esse consenso foi um consenso de partilha. Havia dois partidos que rodavam no poder, daí o nome de rotativismo, embora não seja tão exato assim, porque eles não rodavam tão pendularmente. Até 1890 ou 1891, contraiu-se outra espécie de dívida. O grande problema em Portugal é que, para haver um regime representativo, é preciso haver uma classe média que o sustente. Uma classe média letrada, mais ou menos participante, que seja capaz de fiscalizar o poder. E que se sinta parte do regime. Ora, a sociedade portuguesa nunca criou essa classe média…
Foi sempre o Estado a fazer isso, através do funcionalismo…
Sim, foi sempre o Estado. Nós nunca tivemos uma classe média democrática e liberal que derivasse da sociedade. Foi sempre feita pelo Estado. De várias maneiras e com vários patamares.
Essa segunda parte da dívida tem já a ver com as obras públicas e o funcionalismo público?
Exatamente. E essa dívida pública tinha vantagens para as pessoas que adjudicavam as grandes obras públicas. Também para o alto e médio funcionalismo.
Esse perfil não mudou?
Não mudou. A situação em que nós estamos é essa.
A sua ideia é que a atual experiência do sistema representativo é uma repetição da história do sistema representativo da segunda metade do século XIX. Podemos compreender a crise da atual democracia à luz do século XIX?|
Há diferenças. O país era agrícola e já não é. A classe média que a monarquia constitucional inventou, tinha em parte um apoio rural. Os deputados não eram só deputados, também tinham uma quintazinha que lhes dava para viver. A quinta, e o que recebiam como deputados ou diretores gerais ou chefes de repartição, ia-lhes dando para manter um certo estatuto, um certo conforto económico.
Há uma fatalidade no que aconteceu nos últimos 40 anos? Se não fosse português e tivesse estudado a história de Portugal do Século XIX, sem conhecer a do Século XX, e de súbito fosse confrontado com esta, não ficava surpreendido?
Não. Basta ver o que escrevo há 30 anos. Ando a dizer que o Estado anda a criar uma classe média de Estado. É preciso reparar que em vários países europeus aconteceu o mesmo. Na Itália do Sul e em grande parte de França. E também em Espanha, tirando as regiões que se desenvolveram por si próprias, a Catalunha e o País Basco. A necessidade de criar uma classe média que sustentasse o regime representativo levou a isto. Talvez se pudesse ter sido evitado se se tivesse estabelecido um regime autoritário ou semi-autoritário nos primeiros anos a seguir ao 25 de Abril. O Estado nunca pôs como sua primeira prioridade o crescimento económico privado, fora dele.
Os próprios privados também se mantiveram dependentes do Estado…
No inicio da Alemanha Federal, o Estado ajudou muito os privados, mas sempre com o objetivo de os expulsar da esfera do Estado. Aqui nem sequer se pôs o objetivo. O PREC destruiu as alternativas que podia haver. Para as recriar, foi preciso muito tempo. Se tiverem dificuldades elas foram recriadas à custa de um Estado e de uma burocracia estatal e partidária que não queria ser desafiada.
É um tema das suas crónicas do País das Maravilhas, nos anos 70. Havia então pouca gente a pensar dessa maneira?
Só ultimamente é que se começou a pensar nisso com uma certa seriedade. A seguir à revolução, quando andei a dizer estas coisas, era um reacionário, era um homem de direita. Mas estes esforços de liberalização são artificiais. Completamente artificiais.
A defesa de um regime presidencialista e a “geringonça”
Em janeiro de 2011 dizia que a crise só se resolve mudando o regime. O regime não mudou…
Não mudou. Eu acho que as grandes transformações começam na política.
Por onde é que a transformação política pode começar? Pela Constituição?
Sou favorável a uma Constituição presidencialista. O mito do consenso nacional acabava. O consenso nacional é o Presidente da República. Tinha muito mais autoridade do que qualquer primeiro-ministro poderia ter e podia fazer as reformas que nenhum Governo pode fazer. Não estou a pensar num Presidente chamado Jerónimo de Sousa ou António Costa. Estou a pensar num Presidente de centro-direita.
Os protagonistas da nossa política são conhecidos. Consegue imaginar os últimos primeiros-ministros com esse poder presidencial? Não se agravavam mais os problemas?
Os primeiros-ministros estão dependentes dos partidos e das eleições, e o Presidente depende muito menos das eleições e não está dependente dos partidos. O Presidente não precisa dos partidos nem do partido que o elegeu. Foi o que Cavaco mostrou. Os 10 anos de Cavaco foram em grande parte…
… presidencialistas. Adriano Moreira dizia que era um regime de presidencialismo do primeiro-ministro…
Cavaco ignorava o partido.
É curioso que já usava a palavra “geringonça” em 2013, para se referir à “Fusão” do tempo do liberalismo. Não é curioso que a própria esquerda se tenha apropriado da sua expressão?
Acho que foi inteligente. A geringonça é um termo pejorativo e eles tentaram tirar a parte pejorativa, adotando o termo.
A geringonça está a aguentar mais tempo do que estava à espera?
Não. Acho que isto vai levar o seu tempo. Para haver uma rutura neste Governo, é preciso que o eleitorado dos três partidos perceba que a austeridade não acabou nem vai acabar. A popularidade agora é muito fresca. Aumentaram os funcionários e agora voltaram a aumentar com as 35 horas, que são as horas extraordinárias. Isto vai implicar uma grande despesa para o Estado. O passo fundamental é quando as pessoas perceberem que essas benesses que o Governo distribuiu não fazem grande efeito na sua vida e que a austeridade continuou. As medidas que este Governo tomou somadas não promovem a mobilidade social. Aumentam muito marginalmente, se é que aumentam, o rendimento disponível. As pessoas vão perceber.
Mas como é que isso vai afetar a geringonça?
O eleitorado foge. Vai rejeitar.
Esta solução moderou o Bloco e o PCP e radicalizou o PS?
Não. O que eles querem é eleitorado. Quando começarem a perceber que estão a perder eleitorado, vão começar a exigir mais e mais e mais. No PCP, o caso é diferente, porque quer reformas estruturais (mudanças no código de trabalho, por exemplo) e solidificar o seu poder no funcionalismo público, nas empresas públicas, nos professores. O PCP, que é um partido velho, age sempre da mesma maneira. O PCP não está ali pelo aumento das pensões, mas para fortalecer a sua posição.
E o Bloco? Também quer fortalecer a sua posição…
O Bloco não tem ninguém nos sindicatos. Quer fortalecer a sua posição eleitoral. Quando as pessoas perceberem que a austeridade não acabou, o Bloco será o primeiro a partir.
O Bloco é o ponto fraco da “geringonça”?
O Bloco é o elo fraco, para usar uma linguagem leninista. Este Governo prometeu virar a página, e a página não virou. Vão fazer exigências que o PS não pode comportar, e depois saltar fora.
O PS foi um partido que foi acusado de governar quase sempre à direita. Soares com o CDS e o PSD, Guterres com a “terceira via” de Tony Blair, e José Sócrates com os “mercados”. E agora?
António Costa a deboché o PS. Já não há critérios, já não há limites. Já não há princípios. Não é como as antigas zaragatas que se passavam no mesmo universo político. O PS e a esquerda radical formam dois universos políticos deferentes. O partido está corrompido. Daqui em diante, o PS é incompatível com toda a gente. Porque o PS cometeu uma fraude política…
Por ter perdido as eleições e ter feito Governo com a esquerda?
Não. Ele prometeu crescimento. E gostava de lembrar que o João Miguel Tavares publicou [no Público] o discurso que o Ricardo Gonçalves — um professor de Filosofia em terras do Bouro — fez no Congresso do PS, e onde identificou perfeitamente o problema. O crescimento depende do investimento e ninguém vai investir com um Governo destes. O Ricardo Gonçalves diz, e eu cito: “Não é com um Governo apoiado pelo PCP e Bloco que alguém tem confiança para investir. Eu não tenho dinheiro, mas se tivesse não o metia nessa coisa”. Este é o problema do PS.
O problema vai ser a economia?
Podem mandar aquele homem que é ministro das Finanças, e de quem faço o possível por esquecer o nome (e às vezes consigo), a Nova Iorque, com aquele ar e um fato pindérico. Mas é obsceno que o sr. Primeiro-Ministro diga no congresso do seu partido que os investidores internacionais deviam investir cá porque é uma terra agradável, há sol, há praias e bons restaurantes e assim juntam o prazer ao lucro. Isto é uma coisa extraordinária. Quando a verdade é o que aquele homem, o Ricardo Gonçalves, disse. Muita gente se extasiou com o Assis, e, sendo o jornalismo português o que é, ninguém ligou a este homem. Não vi na televisão nem li nos jornais. Mas ele pôs o dedo na ferida. Não vai haver crescimento. Qualquer pessoa sensata, se parar um momento e pensar: qual é o pior Governo para atrair investimento em Portugal? Qual é o pior?
Na sua opinião é este?
Consegue arranjar um pior? Um Governo do PCP ou do Bloco era o pior que se podia arranjar. Este governo só tem uma lista de desejos que não consegue executar.
Sobre a direita: Passos deve ter paciência
O PSD e o CDS quando estiveram no Governo tiveram mais do que uma lista de desejos?
Estiveram a tratar da crise, que era muito mais do que uma lista de desejos. Não fizeram mais porque o Tribunal Constitucional não deixou. Mas fizeram um esforço para equilibrar os setores público e privado. Acabaram com certos estatutos privilegiados e rentistas.
O que é que falhou?
Falhou porque o caminho certo para diminuir os gastos com o funcionalismo é acabar com organismos e fundir outros e fazer despedimentos coletivos com os quais o Tribunal Constitucional nada tem a ver.
A reforma do Estado não se fez. Houve apenas um papel de Paulo Portas.
Houve considerações políticas: reformar o Estado era empurrar o funcionalismo todo para a esquerda.
Pedro Passos Coelho mudou mesmo a matriz do PSD?
A ideia de que o PSD era social-democrata foi inventada por um senhores em 1975-76, que se associaram num movimento chamado “inadiáveis” para se juntarem ao regime estabelecido e terem uma possibilidade de negociar com a direita: ou se juntam a nós, ou juntamo-nos com o PS. Mas esse nunca foi o verdadeiro PSD. O verdadeiro PSD é um partido centro-direita, católico apostólico e romano.
Considera Passos Coelho um liberal?
Não. Não sei que economistas o Passos Coelho andou a ler. É evidente que o Estado tem de dirigir a economia portuguesa. O país precisa de uma economia dirigida, mas com certos limites. Pelo menos num plano indicativo, como se dizia antigamente. Com Cavaco, aliás, o PSD nunca foi um partido liberal e nunca foi um partido social-democrata. Nunca se viram grandes campanhas no PSD a favor do Estado Social.
Mas também nunca houve grandes campanhas a favor da liberalização. É um partido conservador?
Não diria conservador. É um partido reformista, democrático e muito ligado à ala esquerda do marcelismo. A ala liberal governou aquele partido muito tempo. Fez-se assim e ficou assim.
Como tem visto a forma de Passos Coelho fazer oposição?
É prematuro tomar grandes iniciativas políticas nos próximos meses. Por causa do ruído que fez esta viragem à esquerda, absolutamente inesperada, agora tem de esperar com paciência que as pessoas percebam, que, apesar das aparências, não se virou página nenhuma e que isto continua na mesma. É preciso esperar que as pessoas deixem de estar sob o efeito dessas mudanças todas.
Paulo Portas liderou o CDS 16 anos. O que é que ele mudou na direita portuguesa?
Uma coisa fundamental. Diminuiu substancialmente a vergonha de se dizer que se era de direita. Havia um preconceito social, ninguém dizia que era de direita.
No PSD ainda há esse complexo de esquerda?
Já vai dizendo que é de centro-direita, algumas pessoas pelo menos. Não há ninguém que diga que é de direita conservadora. O Paulo Portas conseguiu transformar o partido e aqueles quatro deputados, dirigidos pelo dr. Adriano Moreira e pelo dr. Narana Coissoró num partido que tem peso, que esteve em dois governos, que chegou ao poder.
Há quem diga que ele centralizou o partido e que o CDS se tornou parecido ao PSD.
Não. Não acho que o CDS seja parecido com o PSD por muitas razões. Ele centralizou o partido? Claro que centralizou o partido. Mas conheceu bem o CDS pré-Paulo Portas? Era o o chá das tias. Era os restos do antigo regime. Agora não é. Renovou o partido e tornou-o ativo e militante. Com alguma gente muito boa.
Compreende esta mudança dele para a Mota-Engil? Acha isso sensato?
Com certeza, tem que ganhar a vida. Ninguém disse nada quando o outro, que era socialista, foi para a Mota-Engil. Mas o Paulo Portas, que sempre foi pelo setor privado, sem nunca ter nada que ver com a Mota-Engil, é um grande escândalo. A haver um grande escândalo deveria ter sido com o Jorge Coelho.
Apesar de tudo foi sete anos depois de sair do Governo…
Ele tinha sido ministro das Obras Públicas.
Marcelo é um “desequilibrista”; Costa é capaz de “acabar com o regime”
Se o país achar que foi enganado, uma vez que o Costa comprometeu toda a esquerda, será a vez da direita?
Não. Este acordo que o Costa fez com a extrema-esquerda teve também este efeito: se caírem, o PS não pode governar com ninguém da direita. Ficamos perante isto: ou a direita tem mais de 50%, ou não há Governo possível. E como é muito pouco provável que a direita tenha mais de 50%, não há Governo possível. A queda do Governo de Costa é capaz de acabar com este regime.
Como é que se acaba com o regime? É a tropa na rua? Um levantamento popular?
Não. É fundar-se um novo partido presidencialista que ganhe as eleições.
O que pode o atual Presidente da República fazer?
Nunca vi o Marcelo Rebelo de Sousa, em 20 anos de comentários, tomar uma posição clara sobre coisa nenhuma.
Como Presidente da República também não o fará?
Não.
Mas como líder do PSD tomou decisões bastante controversas, até contra o próprio partido.
E perdeu. Desde aí, em quase 20 anos de comentário, não me lembro de ele estar do lado destes ou daqueles, do lado A ou do lado B. Os comentários dele eram todos sobre o processo. O que disse, como disse, quando disse. Ele é um processualista. Que raio de pensamento político tem ele? Mas em Portugal, como não há classe média independente, também não há interesses divergentes.
Não há? Por exemplo, a questão das escolas privadas…
Mas até a Igreja está impotente. Antigamente, marcava pelo menos um limite. Nenhum ministro da Educação se atreveria a fazer o que este fez se a Igreja fosse o que era há 20 ou 30 anos. Isto é um sinal do enfraquecimento da Igreja.
Nas últimas duas décadas, houve um enfraquecimento geral de protagonistas tradicionais da vida pública portuguesa, como as Forças Armas e a Igreja.
Sim, foram eliminados. É uma novidade no atual regime, e só aumenta os riscos para a sociedade portuguesa. Numa situação caótica, não há instituição nenhuma à qual as pessoas se possam juntar para que se estabeleça o limite do permissível.
Voltando a Marcelo Rebelo de Sousa, dizia já em 1997 que Marcelo Rebelo de Sousa não tem gravitas. “Marcelo é Marcelo, que nós conhecemos, de quem gostamos, o extraordinário, espertíssimo, diabólico Marcelo”. Não pode haver aqui uma distorção em resultado de o conhecer bem e há muitos anos?
Só podia haver distorção por não o conhecer… O Presidente da República anda a distribuir afetos. Afetos a quem? Dar beijinhos no Presidente da República muda a vida de alguém? O povo vai votar no Marcelo porque o Marcelo os beijocou? E tirou fotografias com as pessoas?
Acha que a Presidência dele vai acabar mal?
Não sei. Com o Marcelo nunca se sabe. O Marcelo é um desequilibrista. Está sempre quase a cair. É como no circo. Isto parece engraçado, mas tem um efeito muito grave.
Um efeito grave nas instituições, na imagem do Presidente?
|Acaba com a seriedade na política. Ele transformou a política num espetáculo. Não há dia que ele não apareça. Ele hoje aparece mais na televisão do que quando era comentarista. Agora aparece a dar beijinhos e abraços e posar para aquelas fotografias, chamam-se selfies, não é? Lembra-me sempre uma frase que o De Gaulle disse sobre o Lebrun, último presidente da Terceira República Francesa. “Como chefe de Estado ele tinha dois defeitos, não era chefe, nem havia Estado”.
E Marcelo é isso?
É exatamente isso. Como Chefe de Estado tem um defeitos: não é um chefe. Não é um homem que esteja a tentar impor um caminho para a política portuguesa. Não fez um discurso de intervenção, não fez nada.
Não se pode entender a atitude dele como a de alguém que percebeu que o país tem de despertar por si próprio para o que está errado?
Mas como é que o país descobre? Como é que ele está a contribuir para isso? É a ir às feiras? O Paulo Portas era o Paulinho das Feiras e ele? É o Marcelinho da Feiras? É a comer petiscos? Ah esta salsicha é muito boa…
Cavaco Silva era diferente…
Como primeiro-ministro foi um chefe. Orientou as coisas muito mal, mas, enquanto governou, conseguiu que Portugal fosse atrás dele e acreditasse nele.
Mas porque é que não conseguiu isso como Presidente da República?
Porque não tinha autoridade no cargo de Presidente da República. O regime do Cavaco durante os 10 anos como primeiro-ministro é que foi um presidencialismo, mas de chanceler.
Mas a popularidade de Marcelo Rebelo de Sousa não lhe pode dar autoridade para confrontar o Governo?
Não. Marcelo não tem relações com o país. Ele tem a mesma espécie de relação que um cantor pop tem com o seu público. Dar beijinhos à população não é ter uma relação com o país. Que mensagem é que ele passa? Que convicção é que representa um beijinho?
Europa: “Os políticos portugueses são ultra provincianos”
Porque é que se refere à Europa com aspas?
Agora já não. Usei as aspas quando a Europa era só a Europa ocidental. Nós, portugueses, vemos a Europa como nos compete, de uma maneira extremamente provinciana. Diria mais: paroquial. O Governo português ainda julga que está na Europa de antes do alargamento. Há pessoas que dizem que é preciso fazer voz grossa à Europa. Não há nada de mais ridículo. Há uma falta de sentido de proporção que só os muito pequeninos têm. Só uma paróquia é que se pode dar a importância que nós nos damos na Europa. A União Europeia tem agora 28 países. Só no euro estão a Eslováquia, a Eslovénia, a Estónia, a Finlândia, a Letónia, a Lituânia, etc. Isto é uma faixa considerável da Europa Central e Oriental. Comparando com a Europa Central e Oriental, Portugal é uma quintinha, uma pequena parte.
E como é que os outros olham a Europa?
Grandes potências, como a Alemanha e, em certa medida, a França e a Itália têm responsabilidades europeias que incluem a Europa Central e Oriental. E têm de encontrar regras que sejam benéficas para um espaço enorme, inconcebível para qualquer português. Esta coisa de dizer que devemos renunciar ao Tratado Orçamental tem implicações estratégicas gravíssimas. Esta semana a Rússia fez movimentações na Crimeia, a NATO pôs escudos anti-míssil na Polónia, e a fricção entre Rússia e o Ocidente é cada vez maior. No meio disto tudo, há aí uns cavalheiros e umas senhoras que são contra a Europa. Nunca achei muito boa ideia a União Europeia, embora perceba porque foi inevitável, mas hoje o problema é disciplinar a Europa.
Disciplinar?…
É absolutamente fundamental para qualquer governo português saber que o problema do défice português está subordinado a grandes políticas europeias que excedem a Europa como a Europa era antigamente. Mas o governo fala como se a Europa ainda fosse a CEE. Já não é, e há muito tempo. Já ouviu alguém explicar a necessidade do tratado orçamental? O que seria se houvesse grandes défices em todos os países do Euro na Europa central e oriental? Portugal está perto de Bruxelas, são duas horas de voo, e achamos que temos alguma importância no esquema das coisas. Não temos nenhuma, ainda por cima, com o agravamento das relações entre a Federação da Rússia e os Estados do Ocidente. A Alemanha foi sempre a maior potência da Europa Ocidental e da Europa Oriental. E não pode desconhecer, como nós podemos, o que se passa na Bulgária ou na Estónia. Os políticos portugueses, e isso é típico da nossa cultura, são ultra provincianos, no mau sentido da palavra.
Desde a Guerra Fria, os países deixaram de ter essa visão geo-estratégica. Porquê?
Nós esquecemos essa visão, mas nove décimos da Europa não esqueceu. Esquecemos porque somos provincianos. Porque somos aqui uma tirinha à beira mar plantada.
Acha que a Europa mudou por se ter tornado neo-liberal ou por constituir um espaço diferente?
Por ser um espaço diferente. E esta gente julga que tem algum peso no meio desta complicação perigosa. E dizem que é preciso dar um murro na mesa em Bruxelas ou como dizia um idiota qualquer: “É preciso fazer voz grossa em Bruxelas”.
Todos os Estados se sentam à mesma mesa e defendem os seus interesses. Como é que Portugal pode defender os seus?
O problema é não haver uma política externa europeia. E isso devia ser a primeira preocupação portuguesa. É tanto no interesse português que a Europa se venha a tornar uma potência como é para Espanha. Mas as pessoas aqui não perceberam. Fala-se da Europa como se isto fosse uma relação bilateral, e nunca vi as pessoas perceberem o que está em causa. Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, que se percebeu logo que se trata de uma situação de extremo perigo, falo mesmo de guerra.
Mas 30 anos depois da adesão de Portugal à CEE, essa incapacidade de perceber como funciona a União Europeia vem donde?
Vem do corpo diplomático que nós temos. Que é inadjetivável, como dizia o João Bénard da Costa. Vem dos ministros dos Negócios Estrangeiros que tivemos, que também foram inadjetiváveis. E depois houve mudanças. A invasão da Ucrânia mudou radicalmente a União Europeia. A prioridade de todos os países a norte do Reno passou a ser a Europa Oriental.
Qual deveria ser a nossa posição?
De participação na definição de uma política europeia global. Ou seja, a definição dos poderes da União Europeia e da política de um Governo da União Europeia, que considerasse o todo.
Tem alguma noção sobre o que significaria para Portugal a saída do euro?
Seria um desastre. Para sairmos do euro, precisávamos de um poder político comprovadamente estável, de ter pago as dívidas, de ter finanças em ordem e de ter resolvido problemas internos, como as obstruções ao investimento, desde a burocracia aos transportes. Mesmo assim, íamos precisar que alguém nos financiasse, porque à primeira palavra sobre a saída, quem tivesse um euro ia pô-lo a Espanha. E todos os portugueses fariam isso. Haveria engarrafamentos nas estradas.
E o Brexit?
Se eu fosse inglês, votava a favor da saída. Eles não têm obrigação de aturar os problemas da Europa. Nunca foram verdadeiramente da Europa. Eram bons turistas, sobretudo em Veneza e Florença. Em séculos de História, a preocupação da Inglaterra foi que não houvesse uma potência dominante na Europa. Depois, porque os ingleses levam a sério os direitos dos ingleses e isso é uma característica fundamental da cultura política inglesa. Os direitos dos ingleses podem ser alterados pelo Parlamento, mas não podem ser alterados por Bruxelas.
Portugal não tem dimensão nem capacidade para ter uma posição dessas?
Não. Eles têm possibilidade de sair porque podem.
E as consequências para a Europa do Brexit?
Enfraqueceria a Europa. Mas isso é uma questão velha da política europeia. As potências continentais sempre quiseram a ajuda da Inglaterra para resolverem os seus problemas. Mas a Inglaterra não está interessada em imiscuir-se neles, especialmente numa altura em que eles se agravam dia-a-dia. Para a Inglaterra, a Europa Ocidental e Oriental nunca contou, eles são uma potência marítima. Para que é que eles se vão meter em sarilhos por causa de pequenos povos? Estamos a avançar para um Estado que se assemelha a um estado pré-guerra.
Consegue perceber o fenómeno de Donald Trump nos EUA?
Consigo perceber o fenómeno do Trump como uma reação ao politicamente correto, a uma ideologia imposta, não pelo Estado, mas por uma classe média que domina os media e as universidades. O Trump é um aviso. Ele tem ganho por dizer coisas contra o politicamente correto. As pessoas estão fartas de ser vigiadas e oprimidas pelo politicamente correto.
Têm sido feitas muitas comparações com os anos 30, com a possibilidade de grandes conflitos e a emergência de forças políticas anti-sistémicas. A comparação faz sentido?
Faz, e está à vista na política agressiva da federação russa que tem muitas parecenças com a política hitleriana. Anexações, invasões, interferência em regiões para ganhar posições estratégias. Porque é que a Rússia está a intervir na Síria como está? Porque quer estacionar uma esquadra que possa vir a dominar o Mediterrâneo. A maior região petrolífera do mundo começa na cordilheira do Cáucaso. Foi aí que a expansão nazi foi travada a Sul. A intervenção deles na Síria é um gesto que tem como objetivo o petróleo. É a estratégia de uma grande potência e isso só pode criar preocupações e ansiedade em todo o mundo, nomeadamente na Europa.
E a Europa está preparada para isso?
Não. A Europa tentou enfraquecer a federação russa através da implantação de regimes democráticos, e isso falhou em quase toda a parte. Não há democracia, no sentido em que a entendemos, em muitos daqueles países, e esses países têm de ser financiados, mas não através da dívida. E esse é o problema do Tratado Orçamental. O provincianismo português faz com que estejamos mal informados nos jornais sobre o que passa na Europa. A Europa foi reduzida a problemas de orçamento e dívida.
A crise da imprensa: “Em Portugal, os jornais são de esquerda ou de direita na clandestinidade”
Como é que avalia a crise da imprensa escrita?
É evidente que os jornais em papel teriam de sofrer, já que iam vender menos e ter menos publicidade à medida que os computadores e todo o resto dessa parafernália se foram expandindo. Isso levou os jornais a reduzirem as despesas com pessoal e deixou muitos maus jornalistas nas redações.
Acha que os jornais estão piores?
Estão. Por amor de Deus, cometem erros de gramática e de ortografia nos títulos. Eu não sei o que ensinam na escola, mas eles já saíram da escola há muito tempo.
Parece-lhe que há problemas específicos da imprensa em Portugal?
O público de leitores nunca foi grande. Sucessivamente, com a televisão e a net, foi diminuindo. As pessoas que tinham alguma formação saíram dos jornais e foram substituídas por estagiários analfabetos. E depois nunca houve coragem, na democracia portuguesa, para órgãos se declararem de esquerda ou direita. Com os jornais de papel — não sei como é com os jornais da net — as pessoas têm uma relação afetiva. Querem ver lá explicado o que elas sentem.
E os jornais não faziam isso?
Não faziam nem estão a fazer. O consenso ganhou. Há jornais mais de direita ou mais de esquerda, mas toda a gente aspira ao consenso. Os jornais nunca dizem ao que vão. … Vê-se onde estão pela importância que dão a certas notícias, pelos títulos, pelas cartas dos leitores que publicam… Os jornais em Portugal são de direita ou de esquerda, mas na clandestinidade.
Hoje toda a gente dá opinião em todo o lado: nos fóruns das rádios e da televisão, nos blogues, nas redes sociais…
Esse fenómeno é bom. Claro que há muitos analfabetos e ignorantes que estão na net só para espirrar as suas fúrias e o seu mau caráter. Mas a comunicação em si é boa. É bom as pessoas não serem passivas. O pior de tudo num regime democrático, que ainda temos, é a passividade e a net tira as pessoas da passividade.
Mas isso não secundariza os jornais?
Não, porque as pessoas também se alimentam do que escrevem e do que lêem nos jornais.
E redes sociais? Acompanha?
Não, não. E faço isso de propósito. Até porque como escrevo para os jornais, faz parte da minha higiene mental estar informado, mas não ver muitas opiniões e não participar em polémicas coletivas.
Como é que vê o seu papel nos jornais?
Escrevo o que penso, o mais informadamente que posso, sobre os casos que me parecem mais importantes naquela semana. É claro que o que escrevo deriva de uma visão do mundo e da política.
Não quer convencer as pessoas?
Não, quero fazer perceber, segundo as minhas luzes. A coluna com mais sucesso que escrevi nos últimos anos foi sobre o Sampaio da Nóvoa.
O que é que pensa que as pessoas viram nessa coluna?
Viram uma coisa bem vista e bem feita. Sou profissional, faço isto há 50 anos.
É um hábito?
Não, é um peso. Se não tivesse havido esta crise, com certeza que não escrevia nada.
Preferia ler ou escrever?
Preferia ler, ouvir música, ver filmes. É um projeto que tenho há muito tempo.
Nunca alinhou na moda do Fernando Pessoa, e manteve-se fiel a Eça de Queirós. Se tivesse de recomendar a leitura de Eça de Queirós, o que é que diria?
O que vou dizer não implica qualquer julgamento literário. Nunca tive uma grande empatia pelo Pessoa, porque o Pessoa, ao contrário do que essa gentinha anda aí a dizer, é um poeta de tradição inglesa. Foi educado na África do Sul e foi lá que ele se formou como escritor e eu, conhecendo as fontes do Pessoa, nunca me entusiasmei com ele. E não continuei a ser fiel ao Eça, não se trata disso. O Eça foi o escritor que melhor percebeu Portugal. Eu quando falo de Portugal estou sempre a tentar não citar o Eça. Nesta entrevista, apeteceu-me várias vezes fazê-lo.
Mas o que é que ele percebeu sobre Portugal?
O caráter imitativo da sociedade política e da cultura portuguesa. Nós somos epígonos em quase tudo. Em segundo lugar, o seu caráter provinciano. Quando estávamos a falar das ameaças que uns políticos fazem à União Europeia, lembrou-me logo o jantar que há nos Maias, onde estão o Carlos da Maia e o Alencar numa mesa a comer um bacalhau que o Alencar fez. E noutra mesa estão uns ingleses. E o Alencar começa a implicar com os ingleses e diz alguma coisa do género: “Eu vou lá e eles vão ficar a saber o que é um poeta português”. Entretanto, eles saem do restaurante e o Eça comenta que os ingleses ficaram sem saber o que é um poeta português.