Na campanha para as presidenciais norte-americanas de 1960, disputadas entre Richard Nixon e John F. Kennedy, o Partido Democrata lançou um cartaz com uma foto de Nixon e a pergunta: “Compraria um carro em segunda mão a este homem?”. Olhando para a lista de selecionadores deste Euro, eu faria outra pergunta: “Confiaria em algum destes homens para dirigir o seu clube?” Melhor ainda, para nos mantermos nas metáforas automobilísticas: “Era capaz de confiar o seu carro a um destes condutores de domingo?”.

É certo que nem todos são, tecnicamente, condutores de domingo. Antes, é a própria natureza do cargo de seleccionador, entre o honorífico e o senatorial, que determina quase automaticamente o perfil de liderança ideal para uma selecção: o de consensual motorista de autocarro turístico, que nunca ultrapasse o limite de velocidade, seja apologista do “diálogo” e, uma vez no destino, beba uns copinhos de tinto e coma uns pastéis de bacalhau com o grupo de excursionistas. Este é também um cargo diplomático pelo que a Federação Portuguesa de Futebol deveria aconselhar-se junto do Palácio das Necessidades na hora de escolher um treinador. Treinar a selecção é o topo da carreira, o lugar mais apetecível porque tem o prestígio de uma embaixada em Paris ou Londres e o ritmo de trabalho de um consulado em Vanuatu, excepto nos domingos de competição, estes domingos que, no futebol internacional, duram um mês, se tudo correr bem.

Olho para os bancos e a figura que vejo sempre é a de Vicente del Bosque, esse fantasma visível que, ao longo dos anos, aprimorou a arte de não se interpor entre os jogadores e aquilo que eles naturalmente conseguem fazer. O problema dele, e de outros com o seu perfil, é quando o passeio turístico, tranquilamente iniciado num domingo à tarde, acaba na segunda-feira de manhã na 2ª circular, com automobilistas stressados a caminho do trabalho e comerciais aos zigue-zagues. Nesses momentos, o ar bonacheirão de don Vicente dá lugar ao semblante infeliz de quem já se arrependeu de ter tirado o carro da garagem. Aconteceu em 2014. Repetiu-se agora.

Há excepções a este modo vicentino e dominical de orientar uma selecção? Há. Joachim Löw, por exemplo. No entanto, tem a aura de funcionário federativo, de técnico superior numa poderosa autarquia, alguém que em vez de subir na hierarquia foi deslizando por ali acima sem nunca perder o carisma rarefeito do adjunto. A partir do momento em que os alemães resolveram recuperar o domínio do futebol internacional, investindo em laboratórios de formação, infra-estruturas moderníssimas e métodos de treino quânticos, decidir quem seria o seleccionador era uma questão matemática, desapaixonada. Nesse sentido, a escolha de Löw é menos uma aposta do que o resultado inevitável de uma complexa fórmula de Excel. É mais fácil imaginá-lo no futuro como presidente do sindicato de treinadores da Baviera, da federação alemã ou até da própria Alemanha do que no banco de um grande clube europeu.

Outra excepção, a maior de todas, é Antonio Conte, que naturalmente vai a caminho de um grande europeu, o Chelsea. O próprio confessa que a falta do trabalho diário na selecção o faz sentir-se um “carro estacionado na garagem”. E isso vê-se no seu comportamento durante os jogos em que grita, gesticula, corre, salta, chuta a bola e pouco falta para que dispa o fato e vista a camisola que foi sua durante tantos anos. Os seus jogadores, que o consideram um “animal de campo” (em oposição aos treinadores de gabinete, digo eu), dizem que ele treina a selecção como se treinasse um clube, com a mesma paixão, exigência e rigor maníaco. Conte percebeu que, dispondo de menos talentos puros do que outras gerações italianas e do que outras equipas no Euro, essa era a única maneira de equilibrar os combates. Pode não ser suficiente, mas, desde o início, a Itália (com a companhia da Islândia) parece a única equipa a jogar acima das suas possibilidades teóricas. O segredo? “Jogamos como equipa, não como selecção”, diz Conte. O mérito é dele que tem guiado a squadra azzurra como se estivesse a conduzir um Fórmula 1 e não como quem passeia de descapotável ao fim-de-semana por uma pacata estrada secundária.

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