Pensei em não voltar a comentar este assunto, até porque já deixei bem claro aquilo que penso e como considero essencial dar força à vontade reformista que identifico em alguns agentes políticos. Apesar de continuar a ler comentários e artigos muito confusos, porque misturam conceitos, que dizem aqui e ali coisas com as quais concordo, observo um claro desejo de debate e de reforma na Educação, pelo que decidi voltar a ele.

Os Contratos de Associação nada têm a ver com a liberdade de ensinar ou de escolher o método de ensino ou o projeto educativo. Muito daquilo do que tenho lido de muitas pessoas é somente a formulação de um desejo, legítimo, de ver a Educação debatida, procurando discutir a sua organização e eficiência: eu também desejo muito que isso se faça, sem dogmas e de mente aberta, para que o país decida, de forma transparente, livre e pública, o que quer da Educação. Não fomos capazes desse debate em 42 anos de democracia.

Mas vamos por partes:

  1. O que o Governo anunciou foi que ia rever, caso-a-caso, os Contratos de Associação com as escolas do sistema particular e cooperativo. E nisso está só a cumprir a lei. Estes contratos são uma forma de subcontratação, com regulamentação própria e resultantes de concursos públicos. Esses concursos definiam o número de turmas e a delimitação geográfica em que se aplicavam. As escolas concorreram e fizeram-se contratos com quem ganhou esses concursos. Muitas outras escolas, também privadas, não puderam concorrer porque não faziam parte da área geográfica para a qual se abria o concurso. Se os contratos não forem vistos à luz exclusiva do concurso que lhes deu origem são uma violação da livre concorrência, para dizer o mínimo.
  2. Os concursos eram abertos porque o Estado reconhecia que não tinha forma de cumprir uma obrigação constitucional. Qual é essa obrigação? Ter cobertura nacional do ensino da rede pública para todos os alunos do país. Nos locais em que havia carência, o Estado colocou turmas a concurso na exata medida dessas carências. Ou seja, as turmas foram colocadas a concurso divididas por freguesias.
  3. O que o Governo vem agora dizer, nos exatos termos da lei e dos contratos, é que vai avaliar se essas carências se mantêm. Ou seja, aplica-os e toma medidas de gestão que deviam ser apoiadas. Porquê? Porque são absolutamente justas e cumprem a lei.
  4. Assim, nos casos em que as carências se mantenham os contratos continuam. Nos casos em que as carências já desapareceram, seja porque diminuiu o número de alunos ou o Estado reforçou a sua oferta (no cumprimentos das obrigações constitucionais), o Governo diz que não permitirá abertura de novos ciclos, mas permite, e muito bem, que ciclos em curso terminem. É somente uma decisão racional, justa e que cumpre escrupuloso da lei.
  5. Nada disto tem a ver com liberdade de ensino ou de escolha, porque estes contratos não têm esse objetivo. Teriam de ser muito mais alargados e resultar de uma decisão nacional ponderada, o que não aconteceu ainda. Existem muitos outros apoios, até com esse fim, que paradoxalmente atingem mais escolas e menos alunos. Neste momento, o Estado apoia cerca de 25,1% dos alunos do Ensino Particular e Cooperativo.
  6. Fico também impressionado com a reação dos partidos que formavam o anterior Governo, PSD e CDS. Na verdade, se o Governo afirmou que o que pretende rever é os contratos de associação um a um, mantendo aqueles que são necessários, esse objetivo deveria congratular as forças de direita que acham que o Estado é despesista, que não controla os seus recursos, que gasta o que não tem. É uma reação que faz pouco sentido e vai ao arrepio do que sempre disseram quando estiveram no Governo.
  7. O Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Educação afirmou que “a abertura de uma nova turma numa escola pública, com capacidade instalada, custa ao Estado cerca de 54 mil euros, menos 26.500 euros do que num colégio privado com contrato de associação”. A lógica, algo simplista mas verdadeira, é a seguinte: numa Escola com capacidade instalada, isto é, equipada, com funcionários e salas livres, portanto que não é aproveitada na sua máxima capacidade, transferir uma turma do privado para lá significa contratar em média 2 professores. O custo é de cerca de 54 mil euros (em média). Existem outros custos, mas serão pouco significativos e facilmente diluídos face à diferença de proporção. No entanto, outros custos indiretos podem ser mais significativos, como por exemplo, custos de subsídio de desemprego, etc. Mas o que isto significa é que a ponderação dos Contratos de Associação, como pretende o Governo, nomeadamente a análise da sua necessidade face à realidade no terreno, respeitando ciclos em curso, se justifica e pode até comportar ganhos financeiros. É uma análise que deve ser feita com o necessário cuidado e bom-senso.

Há na educação muitos problemas que é necessário resolver e debater, mas não podemos deixar-nos confundir pelo ruído criado por entidades privadas que vêm o seu modo de vida ameaçado, ou outras entidades que estão habituadas a viver na (e da) confusão. Aparentemente, um lado e outro apostam na desinformação para impedir todo o tipo de reforma, seja ela qual for.

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E muitos desses problemas que afetam a Educação são crónicos.

Vejamos, a Educação não pode ser suportada por decisões individuais, casal-a-casal ou família-a-família, nomeadamente no que diz respeito à boa gestão do dinheiro dos contribuintes. Isso levaria a duplicação, triplicação, etc., da oferta de ensino e claro a um enorme desperdício de recursos que o país não pode suportar. Para além disso existe a lei que obriga o Estado a criar uma rede pública de educação que seja universal e gratuita: podemos não concordar com ela, podemos achar que deveria ser de outra forma e, de facto, deveríamos fazer esse debate de forma serena e transparente. O que não podemos dizer é que não concordamos que a lei seja aplicada. Isso não faz sentido.

Ora, dá-me ideia que o melhor seria debater a rede pública, fazer os ajustes necessários à sua eficiência, cobertura, dimensionamento face às necessidades, etc., e complementar isso com oferta de outro tipo que se quisesse diferenciar. Essa diferenciação teria de obter mercado pelo grau de diferenciação e pela qualidade. Confundir as coisas, misturar uma rede pública que é obrigação constitucional, com uma rede privada, misturar conceitos, como por exemplo o da liberdade de ensino e de escolha, leva a estas situações que observamos e que, concordo, não são nada úteis. Se for verdade que com o cancelamento dos apoios do Estado muitas das escolas privadas fecham, isso quer dizer que estão a mais porque, como empresas privadas que são, não são viáveis. Acresce ainda, na presunção de ser verdadeira a premissa acima, então, aparentemente, essas escolas também não se diferenciam assim tanto, porque ao fecharem com a remoção dos apoios – o que só poderia acontecer se os alunos as abandonassem e não pagassem a respetiva propina – isso quer dizer, por um lado, que a mais-valia que dizem representar não seria reconhecida (pelo menos suficientemente) pelos pais, e por outro lado, que essas empresas estão sobre-dimensionadas (dependentes dos subsídios do Estado, os tais que as forças de direita tanto tentam combater).

Há outro argumento que me deixa triste, especialmente por eu ser pessoalmente, com muito orgulho, um “produto” da Escola Pública. Esse argumento, falacioso, consiste em dizer que a Escola Privada tem mais qualidade que a Escola Pública. É preciso dizer que este é um argumento absolutamente falso. Os vários estudos apontam o contrário, nomeadamente na preparação que os alunos têm quando chegam ao ensino superior. A minha experiência como docente universitário diz o mesmo. Preparar para exames e rankings é muito diferente daquilo que eu, e muitos outros, considero um ensino de qualidade.

Mas isso é tema para debater no tal grande debate sobre Educação que é necessário e urgente iniciar. O que aqui está em causa são os Contratos de Associação, a lei e a obrigação de a cumprir. E dar atenção a um espírito reformista que é preciso acalentar, nomeadamente num país conservador que insiste em não resolver os seus problemas crónicos. Há muitas razões para ver isto de forma muito ponderada e com bom-senso. Sempre defendi que a Educação, a par da Cultura, não são um custo, mas sim um investimento de médio e longo prazo. Custa-me ver o debate centrado somente nisso, bem como a ligeireza com que se fazem propostas de privatização da Educação em detrimento da Escola Pública. A Educação é um objetivo muito maior. Tem a ver com o futuro, com aquilo que queremos ser como país e como povo e com a escolha que fizemos pela democracia e pela liberdade.

Professor da Universidade de Coimbra