Uma das coisas mais difíceis de explicar a um marciano é a noção de exercício físico. Nenhum marciano percebe, por exemplo, que alguém levante objectos pesados com obstinação para logo a seguir os pousar no mesmo sítio; decida locomover-se rapidamente na água quando não é ameaçado por um peixe; tente atirar um disco para longe de si sem que pareça temê-lo; dobre as costas repetidamente; ou ande a pé, em velocidade variável, nas ruas de uma cidade, apenas para voltar uma hora depois, encharcado e cheio de dores nas articulações, ao sítio de onde partiu. Aquilo a que chamamos desporto consiste para os marcianos em iterações desta dificuldade. Os marcianos não conseguem perceber bem o que aquela gente possa estar a fazer.
Evidentemente o modo como o desporto e o exercício normalmente se justificam chama a atenção para benefícios de que nenhum marciano poderia à primeira vista suspeitar; mas não é isso que o marciano não percebe. Mesmo em Marte as pessoas estão habituadas a fazer coisas desagradáveis (pagar impostos, fazer dieta) porque esperam benefícios de outra ordem.
O que o marciano não percebe é antes que uma actividade perfeitamente adequada como andar a pé, que desde tempos imemoriais consistiu para todas as comunidades do nosso sistema solar na locomoção inassistida de alguém entre um ponto A e um ponto B, seja substituída por uma actividade muito parecida mas a que faltam os pontos A e B. O marciano é sensível ao facto de que, se umas vezes os terráqueos andam a pé para ir a qualquer lado, outras vezes andam a pé sem que se possa dizer que estejam a ir a algum lado; e estranha este último costume.
A primeira maneira de andar a pé consiste por exemplo em dizer coisas como ‘Tenho de ir ali ao sapateiro’ e começar a mexer-se na direcção de um sapateiro. Pelo contrário, quem faz desporto ou exercício físico não consegue anunciar exactamente o que vai fazer. ‘Vou andar a pé durante meia hora’ não é como ‘Vou ao sapateiro’. Indica uma segunda maneira de andar a pé.
Ir ao sapateiro ou aliás ir a qualquer lado é andar a pé de um modo filosoficamente satisfatório. Percebe-se porquê. Quem vai ao sapateiro (ou a qualquer lado) não tem dificuldade em explicar onde é que vai e porque é que vai. A outra maneira de andar a pé é filosoficamente mais deficiente. Quem anda a pé por desporto ou exercício tem dificuldade em dizer onde vai; e portanto a maior dificuldade em dizer porque lá vai, visto que, bem entendido, não vai a lado nenhum. Quem faz desporto ou exercício, conclui o marciano sem surpresa, não tem grande ideia daquilo que está a fazer.