Tudo começou com uma resposta. Porque tudo começou com uma pergunta: «Quereis oferecer-vos a Deus»? Assim foi, a 13 de Maio de 1917, na Cova da Iria, aquando desse primeiro diálogo entre a Virgem Maria e os três pastorinhos de Fátima. E a resposta, cheia daquela ousada generosidade tão típica das crianças, estava cheia de futuro: «Sim queremos». Esse seu futuro é hoje, também, o nosso presente. Porque assim se abriu um fecundo caminho de santidade vivida. Uma autêntica biografia de um sim, pessoal e total, comprometido e fiel. Esse sim que agora é reconhecido, de forma pública e afirmativa, como expressão de vida evangelizada. Esse sim que agora, num gesto de toda a Igreja, é canonizado como rosto de santidade.
A biografia deste «sim», diz-nos que a santidade começa por ser chamamento. Deus «con-vida» para uma vida com Ele. No princípio desta biografia, como no princípio de tudo, está Deus, que tudo chama à existência. A santidade é assim, na sua génese e estrutura, o fruto excelente de uma vocação. Mas toda a interpelação pede resposta e compromisso. O «sim» dos pastorinhos é pessoal e comunitário. É plenamente eclesial, portanto. O «sim» dos pastorinhos é, simultaneamente, expressão de confiança presente e profecia de relação nova com Deus. Porque assim foi o itinerário de vida de Francisco e Jacinta. Um sim primeiro, grande como chamamento que os «con-vocara». Um sim repetido, nos muitos pequenos gestos com que se teceram as suas breves vidas. Um sim dito, profecia de um sim vivido. Para nós hoje, profecia realizada e, por isso, expressão certa de vida santificada por Deus. Porque identificação com aquele «sim» eterno que nos introduziu numa nova relação de aliança com Deus: «o Filho de Deus, Jesus Cristo […] não foi um “sim” e um “não”, mas unicamente um “sim”. Nele todas as promessas de Deus se tornaram “sim”» (2Cor 1, 19-20).
Cem anos depois, torna-se claro como a biografia desse «sim» ainda não acabou. Ele continua a ressoar, como continua a interpelar. Porque o que se vai canonizar em Francisco e Jacinta é, precisamente, este «sim» e a vida nova em Deus que ele possibilitou e gerou. O que se vai canonizar é a identificação desse seu «sim» com o «sim» de Cristo, com o «sim» que é Cristo. O que se vai canonizar, dando como modelo à Igreja e ao mundo, é a liberdade comprometida, o compromisso fiel e fidelidade feliz que, com essa resposta, se fez vida vivida nos pastorinhos. O que se vai canonizar, relendo com gratidão esta história centenária de Fátima, é o amor à vontade de Deus, tão cultivado por Francisco, e o dom de si pelo próximo, tão aprofundado por Jacinta. Eis porque o seu «sim» continua vivo. A sua biografia vive agora um momento simbólico de particular intensidade: 100 anos volvidos, no mesmo local, toda a Igreja se reúne, em torno do «bispo vestido de branco», para canonizar o «sim» de Francisco e Jacinta. E assim, essa singela resposta, deixa de ser apenas memória de um passado. Ela é também convite para um presente, profecia de um novo futuro. Porque agora, sabemo-lo, tem-nos a Virgem a seu lado, quando com voz maternal se nos dirige a nós e, a partir de Fátima, pergunta sempre de novo: quereis oferecer-vos a Deus?
A Irmã Ângela Coelho é postuladora da causa de canonização dos pastorinhos beatos Jacinta e Francisco Marto e o Padre Alexandre Palma é professor de Teologia na Universidade Católica Portuguesa