“Vive”, o emocionante filme que estreia hoje em Portugal, relata a vida do extraordinário Robin Cavendish (1930 – 1994), um sobrevivente da poliomielite, e uma figura histórica importante, que ajudou a moldar a forma como pensamos nas capacidades e potencial inovador das pessoas com deficiência. Quando aos 28 anos, no Quénia, Robin foi diagnosticado com poliomielite (uma doença que entre outras complicações lesa os nervos e paralisa os músculos, impossibilitando a respiração natural) a sua sentença parecia ditada: paralisado do pescoço para baixo, incapaz de respirar sem a ajuda de um ventilador mecânico e poucos meses de esperança de vida. Na época, as pessoas com esta doença eram tratadas como cadáveres vivos, para serem clinicamente armazenadas e estudadas. Uma das cenas mais arrepiantes do filme relata a visita de Robin a uma instalação na Alemanha que está cheia de brilhantes câmaras hiperbáricas com doentes embutidos nas máquinas que os ajudam a respirar. À primeira vista parece uma moderna lavandaria, mas o que está dentro dos tambores das máquinas são pessoas, apenas com a cabeça de fora. Parece uma espécie de sarcófagos de última geração para pessoas vivas.

Mas Robin, e a sua mulher Diana com a ajuda de amigos, não se deixaram resignar e foram capazes de desenvolver inúmeros dispositivos que lhe proporcionaram alguma independência, a ele e posteriormente a outras pessoas na mesma condição. Ele acabaria por viver mais 40 anos com um nível de independência inimaginável e ser instrumental na organização dos primeiros registos destes doentes na Grã-Bretanha. Vale mesmo a pena ver este filme e conhecer Robin, que é aquilo a que hoje chamamos um “doente inovador”.

Sabe-se hoje que a inovação desenvolvida por doentes ou pelos seus cuidadores informais é uma realidade cada vez mais prevalente. A 28 de Novembro, na Fundação Calouste Gulbenkian, a associação Patient Innovation vai realizar a 3ª entrega dos Patient Innovation Awards no âmbito da conferência Opening up to an era of social innovation. Estes prémios têm como objetivo distinguir doentes ou cuidadores que, tal como Robin, desenvolveram soluções que fizeram a diferença nas suas próprias vidas e na de muitas outras pessoas. São quatro os premiados que poderemos conhecer em Lisboa e que foram selecionados entre mais de 500 inovações a concurso, oriundas de todo o mundo, pelo Advisory Board da Patient Innovation (que inclui vários Prémios Nobel).

Entre eles, Gérard Niyondiko (Burkina Faso), quase morreu de malária e viu 6 dos seus 12 irmãos morrer desta horrível doença que mata mais de 400 mil pessoas por ano. A única forma de evitar a picada do mosquito e consequente infeção do parasita da malária é através de inseticidas ou redes mosquiteiras, soluções não viáveis para pessoas que vivem em extrema pobreza. Com o objetivo de proteger do mosquito da malária uma comunidade que vivia em pobreza extrema, Gérard criou um sabão (o Faso Soap) feito com ingredientes extraídos de plantas locais (manteiga de carité, erva-limão, tagetes, etc.). O sabão tem um odor que afasta os mosquitos durante 6 horas, sendo uma solução acessível a famílias em países em desenvolvimento. Estima-se que o sabão Faso possa salvar 100.000 vidas até 2020.

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Já a dinamarquesa Lise Pape, inspirada pela luta do pai com a evolução da doença de Parkinson, desenvolveu o Path Finder. Esta doença está associada a episódios de rigidez da marcha, levando à queda desamparada dos indivíduos nesta condição. O pai de Lise tentava sistematicamente ultrapassar este problema pedindo auxílio à sua esposa, que lhe indicava qual seria o passo seguinte quando via o seu andar congelado. Lise, com medo que o pai caísse, quando a mãe não estivesse por perto, criou um dispositivo que projeta uma luz no chão ajudando-o a perceber qual o próximo passo a dar. Esta solução tem tido um surpreendente impacto na qualidade de vida de doentes de Parkinson.

Outro premiado é o Norte Americano Bodo Hoenen, que desenvolveu uma ortótese robótica para o braço da sua filha, Lorelei, de cinco anos que sofre de mielite flácida aguda, uma doença neurológica que lhe causou debilidade no braço. A ortótese integra funcionalidades de aprendizagem automática que permitiu identificar quando a criança quer levantar o braço e acompanhando-a no movimento. Lorelei usou a ortótese robótica para fazer fisioterapia de forma a voltar a ganhar mobilidade, ao fim de um curto período de tempo já conseguia agarrar objetos leves.

Finalmente Rita Basille (França) criou o Handiplat, depois de ter perdido o movimento do braço num acidente de trabalho. Para além de ter que lidar com a sua nova condição física, Rita não suportava a ideia de estar dependente de alguém para comer e cozinhar. Como conseguia usar o segundo braço decidiu criar um tabuleiro que lhe permite imobilizar os alimentos de forma a poder cortá-los sem recorrer à ajuda de ninguém. Esta solução, apesar de muito simples, tem tido uma utilidade elevada para amputados, bem como doentes com Parkinson e Alzheimer.

Felizmente, do Burkina Faso à Dinamarca, encontramos “Cavendishes” que nos dão lições magistrais de vida e provam que Viver é muito mais do que um filme emocionante sobre um homem que tinha tudo para não o conseguir.

Pedro Oliveira é Senior Associate Dean for Faculty and Research, poliveira@ucp.pt;
Helena Canhão é doutorada em Medicina (Reumatologia) pela FMUL e Mestre in Medical Sciences (MMSc) pela Harvard Medical School da Universidade de Harvard, coordenadora do Health Innovation and Entrepreneurship Program na Formação de Executivos da CATÓLICA-LISBON.