Está na moda bater nos reitores. Cada dia em que se abre um jornal, um blogue, ou se visita o Facebook, lá vem uma crítica aos reitores. Maus gestores, corporativos, instalados, pouco ambiciosos, reivindicativos, tiranetes, relapsos do Decreto 57, etc. Desta vez coube a vez ao Prof. António Coutinho no caderno principal do Expresso, página 35. O insigne cientista não o faz por menos, intitulando o breve artigo sobre as universidades portuguesas “De la misère…”
Concordo com o ilustre professor que a autonomia das universidades portuguesas, apesar de consagrada na Constituição, não lhe confere um grau muito acima de repartição do Estado. E também eu defendo que a intromissão do Estado é altamente nefasta para as universidades. Mas não havia necessidade de caracterizar a uniformidade daí decorrente como estática e estaliniana. O Marquês de Pombal, muito antes, fechou a universidade dos jesuítas em Évora, e reformou a universidade de Coimbra como lhe apeteceu. O estatismo universitário português é pombalino. E muito mais grave do que o controlo “estatal” da A3Es sobre o formato e qualidade dos cursos superiores era a bagunça que existia na variedade de cursos, respectivas denominações e até manigâncias de funcionamento, atribuição de créditos, e concessão de graus, antes da avaliação do ensino superior, primeiro pelo CNAVES e depois pela A3Es.
Partilhando ainda a opinião de que a constituição dos conselhos gerais não resultou nos desejados “boards of trustees”, mas em colégios de grandes eleitores, discordo inteiramente de que os reitores portugueses não façam exactamente o que os reitores nomeados pelo governo da Suécia, esse “país-farol da democracia”, fazem: “garantir que os dinheiros públicos são bem gastos na Universidade.”
Sr. Prof. António Coutinho, em Portugal os reitores fazem verdadeiros milagres, omeletes sem ovos. Um estudante português fica mais barato ao Estado do que um aluno do secundário. E qualquer casal paga mais pelo filho na creche do que na universidade. Vamos a números? O proposta de OE de 2018 atribui 1.129 milhões de euros ao ensino superior. Numa regra de três simples, dividindo pelos 300 mil alunos do ensino público, universitário e politécnico, são 3.763 euros por aluno. Em Espanha qualquer universidade recebe do erário público pelo menos o dobro. A Pompeu Fabra em Barcelona recebe 22.000 euros. Mas nos rankings internacionais (deixo ao seu critério escolher qual) as universidades portuguesas em geral estão significativamente mais bem situadas que as espanholas, ou do que as francesas ou italianas (que certamente não terão a miséria de financiamento que as portuguesas têm).
Há reitores em Portugal que administram orçamentos de centenas de milhões de euros, por um salário mensal de 3.100 euros líquidos. Muito diferente do que acontece em Inglaterra, em que o aumento das anuidades dos estudantes para uma média de 9 mil libras, deu azo a que haja ordenados dos chanceleres das universidades de mais de 300 mil libras anuais, em alguns casos com aumentos anuais de 20% em tempo de vacas magras. A imprensa britânica tem falado bastante desse escândalo.
Concordo com o Prof. António Coutinho de que “os rankings são o que são”, e que os há para todos os gostos, mas convenhamos que a Universidade da Beira Interior com 31 anos, 7.000 alunos, e apenas 22.3 milhões de euros de dotação pública, aparecer entre as 150 “world best young universities” no ranking do Times Higher Education é prova de que os dinheiros públicos estão bem acautelados. Aposto que nenhum reitor da Suécia, da Escandinávia, ou de qualquer país nórdico, nomeado pelo Estado, ou escolhido pelos grandes da finança ou da indústria, consegue apresentar uma melhor relação qualidade-preço.
A experiência internacional do Sr. Prof. António Coutinho levá-lo-á a olhar para a universidade portuguesa como uma miséria. Está no seu direito. A minha experiência internacional, que mesmo assim passa por 7 anos na Alemanha, como mestrando, doutorando e pós-doc, com bolsas de estudo alemãs, por universidades com prémios Nobel no historial, por um ano como visiting scholar numa universidade americana da Ivy League, e por um conhecimento próximo de universidades espanholas e brasileiras, diz-me que as universidades portuguesas oferecem um ensino de qualidade; e que, no que toca a custos, é ímpar.
O problema, que existe, de não termos “research universities”, como acusa, não está nos reitores, não. Está no facto de o financiamento da ciência, o montante de 567 milhões de euros no OE de 2018, estar directamente debaixo do poder político, à margem completa dos reitores e dissociado do que deve ser um ensino universitário, feito no seio da investigação científica. Mas este é um ponto que já não cabe nesta defesa de honra do reitor de uma jovem universidade portuguesa.
Para terminar. A crítica do Prof. António Coutinho é feita à guisa de uma brevíssima recensão do pequeno livro dos Profs António Feijó e Miguel Tamen A Universidade como deve ser. Também eu me identifico com a ideia de universidade ali defendida e que, à minha medida, também tenho defendido ao longo de mais de três décadas. Há pontos de que discordo, mas isso terei de deixar para a minha própria recensão do livro, que devo aos autores.
Reitor da Universidade da Beira Interior – UBI