Foi no Porto, durante uma visita na Semana Santa, que me ocorreu que Lisboa está a ceder ao apodrecimento turístico. A maior parte do Porto ainda parece resistir, a sua beleza decadente recusa a plastificação em curso em Lisboa, embora haja ocorrências. Um exemplo disso é o restaurante em que jantámos no último dia da visita. Quando lá fomos pela primeira vez, há uns anos, era muito bom. Entretanto, parece ter caído na mediocridade. A comida era desesperada, pré-confeccionada, reaquecida por encomenda, e a sua clientela, para além de nós, estava resumida a turistas (espanhóis, sendo Páscoa). O apodrecimento turístico já começou.
Cá em baixo, em Lisboa, existiam antigamente uns poucos sítios dedicados exclusivamente aos turistas: os restaurantes da Baixa, com as suas ementas fotografadas, uns cafés à volta do Castelo, e umas poucas lojas de lembranças pirosas.
Desde então, o crescimento de novas empresas dirigidas ao turismo tem sido exponencial e imparável. Há lojas de lembranças a cada esquina, ameaçando afundar a cidade em imanes de azulejos e sardinhas cerâmicas. Os tuktuks e o eléctrico turístico tentam atropelar-nos a cada segundo, e há hotéis e hostels que chegariam para alojar a população inteira do Luxemburgo.
E depois há os restaurantes e café novos. Alguns deles são tipicamente portugueses, outros são invenções de cenas portuguesas (como aquela coisa do pastel de bacalhau com queijo da serra …). Há muitos restaurantes sushi, na maior parte sushi “fusão” horrendo (quem fará o favor de lhes dizer que sushi não vai com queijo em creme, nem com aquele nojo que é o molho doce de vinagre balsâmico?), italianos, mexicanos… Outros são simplesmente a expressão de alguém com uma ideia absurda e dinheiro a mais.
Os novos restaurantes vão aparecendo e desaparecendo, dependentes da sorte, do sítio, dos investidores e da moda, mas os piores entre eles já estão a marcar Lisboa. Já há mesmo sinais preocupantes de que restaurantes e cafés bem estabelecidos há muitos anos começam a tentar competir com os sítios novos e turísticos. Estão-se a remodelar e a pôr cartazes e quadros-negros decorados com giz, escritos em inglês, para aliciar os turistas. Inevitavelmente, aqueles que conseguem uma clientela turística irão começar a reestruturar as suas ementas ao gosto dos visitantes. E uma vez que o objectivo é satisfazer os desejos dos visitantes, não vão precisar de ser autênticos, uma vez que a maior parte dos turistas não percebem a diferença entre uma bela posta de bacalhau e uma má fatia de queijo. Os restaurantes dedicados ao turismo nem precisam de apostar no regresso do cliente (o modelo de negócio do costume), porque haverá sempre novos turistas a entrar. O que importa é dar ao turista o que quer ou foi levado a querer, de modo a que o restaurante receba uma boa crítica no Trip Advisor, que é a única coisa que significa qualquer coisa hoje em dia.
Embora o turista pense que sabe o que quer e o que é bom, a verdade é que o turista não sabe o que é bom nem autêntico, nem precisa de saber ou de dar importância a isso. Logo que um restaurante opta pelo mais fácil, que é apelar ao turista, esse restaurante está perdido. Cada vez que um restaurante ou um café opta pelas ementas com fotografias, traduzidas para inglês, francês, alemão ou italiano, ou quando opta por abrir mais uma esplanada espalhada por um passeio já cheio, ou quando começa a oferecer “full English breakfast!” ou “authentic cod experience” ou “experimente esta coisa típica que inventamos esta manhã” (ouvi esta semana que já existe algures um pastel de nata com bacalhau) – cada vez que isso acontece, Lisboa perde mais um bocadinho dela própria, e arrisca-se a acabar por ser uma mera extensão da Rua Augusta. É inteiramente compreensível que um dono de restaurante tente apanhar o euro do turista, mas a longo prazo, é uma opção desesperada que vai descaracterizar a Lisboa que amamos e que, ironicamente, é a razão que trouxe os turistas até cá.
A bela teimosia portuguesa está a ceder ao medo, e Lisboa, como estava destinado a acontecer desde que o boom turístico começou, está-se tornar uma paródia dela própria, uma caricatura de sardinhas, corvos, azulejos e pastéis de nata e/ou bacalhau, tal como previ há um par de anos. Estamos a testemunhar a terrível e rápida queda de uma cidade, e enquanto muitos de nós podemos até estar a ganhar com isso, no fim, acabaremos por perder Lisboa.
Tem cuidado, Lisboa.
(traduzido do original inglês pela autora)
Tourist rot
It was in Porto, on a fleeting visit during Easter week, that it struck me harder than ever how much Lisbon is succumbing to tourism rot. Most of Porto seems to be resisting, her decadent beauty still holding out against the plastification that is happening to Lisbon, but there are pockets of it. A perfect example was a restaurant we ate in. It used to be very good but has plummeted into mediocrity. The food was hopeless, pre-made and reheated to order, and its only other clientele were tourists (all Spanish, this being Porto at Easter). Tourist rot setting in.
Back here in Lisbon, there used only to be a few places that pandered solely to the tourist. There was that strip of restaurants in the Baixa with their photographic menus, a few cafés around the castle and a handful of shops selling crummy tourist souvenirs.
Now, the growth in new ventures aimed at tourists has, as we have all witnessed, been exponential and unstoppable. Souvenir shops are now everywhere, threatening to drown the city in azulejo magnets and ceramic sardines. Tuk tuks and the tourist trams are waiting to mow us down and there enough hostels and hotels to put up the population of a small principality a few times over.
Then there are the new restaurants and cafés. Some are Portuguese, some are very specific inventions on a Portuguese theme (like the pastel de bacalhau with queijo da serra in the middle), some are sushi, and mostly horrid fusion sushi (please someone tell them to stop putting cream cheese and balsamic glaze on sushi… it is vile and it is not sushi) some are Italian, some are Mexican, and some are just expressions of someone with a terrible idea and too much money.
These will come and go, depending on luck and placement and investors and fashion, and the worst amongst them are already diluting Lisbon. Worse, there are worrying signs, now, that long established restaurants and cafés are starting to try to compete with the tourist places, and they are remodelling, and putting new signage and blackboards in the windows written in the most worrying language, i.e. English, trying to coax the tourists in. Inevitably, those that are successful in getting tourists inside their doors will start to mould their menus to what the tourists wants. Once you are catering to a tourist clientele you don’t need authenticity, for most tourists wouldn’t know a good piece of bacalhau from a bad piece of cheese. You also don’t need that particular client’s repeat business, for there are plenty of other tourists where that one came from. As long as you give them what they want, they’ll give you a good Trip Advisor score.
While the tourist might know what they want and might think they know what is good, they don’t know what is good or authentic, nor do they need to know or need to care. Once a restaurant has taken the path of least resistance and tries to appeal to the tourist, it is lost. With every place that goes with photographed menus, translated into English, French, German and Italian, with every remodelling that makes another esplanada that pours onto a busy street, with every place that offers “full English breakfast!” or “authentic cod experience!” or “try our ‘traditional Portuguese’ thing that we invented this morning!” (I heard this week that there is a pastel de nata out there somewhere that contains bacalhau), Lisbon loses a piece of herself, and she risks ending up as an extended version of Rua da Augusta. It is entirely understandable for a restaurant owner to go for the tourist buck, but, in the long run, a hopeless endeavour that will destroy much of the character of Lisbon that we love and, ironically, that the tourists originally came here for.
Beautiful Portuguese bloody mindedness is giving into fear, and Lisbon, as she was always going to once this tourism thing began, is turning into a parody of herself, a caricature of sardines, crows, azulejos and pasteis of nata and/or bacalhau, just as I predicted a year or two ago. We are witnessing a terrible and rapid demise, and while many of us feel like we are profiting from it, we will, in the end, lose Lisbon.
Go canny, Lisbon.