Cerca de 70 pessoas dirigiram-se, esta segunda-feira à tarde, à Secretaria de Estado da Cultura, em Lisboa, munidas de 230 bilhetes de espetáculo e de uma petição. O protesto simbólico pretende alertar para a manutenção do Alkantara Festival, cuja 13.ª edição terminou este domingo e pode muito bem ter sido a última.
Francisco Frazão, programador de teatro da Culturgest e uma das pessoas envolvidas na criação da petição, explicou ao Observador que o Alkantara “sofreu uma dupla injustiça”, facto que motivou a entrega presencial do documento, juntamente com 230 bilhetes usados nos espetáculos desta edição, na portaria da Secretaria de Estado da Cultura, no Palácio Nacional da Ajuda.
“A primeira injustiça é transversal, que é a dos cortes nos apoios do Estado, e que têm sido generalizados. Mas o Alkantara foi duplamente prejudicado porque o novo desenho dos apoios da Direção-Geral das Artes (DGArtes) fez com que ficasse condenado a ser sub-financiado”, explicou. Ao todo, a DGAartes atribuiu 90 mil euros ao Alkantara.
O evento de artes performativas realiza-se de dois em dois anos, mas, em 2014, a direção já tinha alertado para a possibilidade de esta 13.ª edição nem sequer se realizar. De acordo com a organização, “o Alkantara teve um corte de mais de 70% relativamente ao quadriénio anterior”, e só se realizou graças a “uma intervenção extraordinária e única da parte da Secretaria de Estado da Cultura”, que ajudou com 90 mil euros (divididos por dois anos) o orçamento de 200 mil euros de que o festival necessita para acontecer. Com os cortes, a programação viu-se reduzida a metade.
“Não é com soluções de último recurso que um festival tão importante quanto o Alkantara pode funcionar, disse Francisco Frazão, que se dirigiu hoje ao Palácio da Ajuda na qualidade de espetador. “Gostávamos que o festival tivesse um apoio sustentado e o financiamento fosse feito de forma justa. Não queremos favores”.
Em termos artísticos, a organização do festival fez um balanço positivo. Ao longo de 27 dias, o Alkantara acolheu 170 artistas, 50 programadores e apresentou um programa com 16 propostas artísticas em 46 sessões. “A taxa de ocupação média dos espetáculos foi de 94%”, pode ler-se no comunicado enviado às redações. A receita de bilheteira este ano fica com o parceiro. Um acordo feito entre a direção e os parceiros, que adiantaram verbas para a realização do festival.
O que está em causa
O Alkantara Festival viu, nos últimos anos, o apoio da Direcção-Geral das Artes ser drasticamente reduzido: em 71% em relação a 2010, e em 55% quando comparado com 2012.
No discurso de abertura do evento, o diretor Thomas Walgrave explicou que “o corte radical não é resultado de uma avaliação negativa, mas sim consequência da própria arquitectura do concurso da DGArtes, que desvaloriza três eixos essenciais do funcionamento do Alkantara: o interdisciplinar, o internacional e o foco urbano”.
O mesmo explicou Francisco Frazão. Dada a programação interdisciplinar, o Alkantara, apesar de ter dança, música e teatro, só pode concorrer à área de cruzamentos disciplinares. Foi precisamente nesta área que a DGArtes reduziu o orçamento dos apoios para 400 mil euros para o país inteiro, face aos anteriores cerca de dois milhões de euros.
O fator internacional também não ajuda, uma vez que o festival faz parte de duas redes internacionais – NXTSTP e Départs – que normalmente têm acesso a fundos comunitários. Mas é difícil fazer a candidatura a fundos como o do QREN, sem um fundo inicial que honre o compromisso inerente a este investimento. É aqui que o dinheiro da DGArtes se torna fundamental.
Por fim, a localização do Alkantara Festival em Lisboa também ficou prejudicada pelos novos tipos de apoios tripartidos, que implicam um contrato entre a organização, a autarquia e a DGArtes. Cada município só pode ter um acordo tripartido. Nos mais pequenos, com poucos projetos, os que se candidatarem têm mais hipóteses de financiamento. Mas na capital portuguesa, município onde há mais instituições culturais, também só existe uma hipótese de candidatura tripartida, com o mesmo patamar de 400 mil euros. Se operasse fora de Lisboa, o Alkantara poderia conseguir o apoio necessário.