Aqui vai um verso: “Desafia o nosso peito a própria morte!” É um entre dezenas que enchem um hino, o brasileiro. Lido assim, sozinho, arrepia? Nem um pouco. Mas quem o ouviu a sair das gargantas de onze homens e de milhares de pessoas no Itaquerão não pensa o mesmo. É impossível. Antes de o estádio dar música ao hino já se via Thiago Silva, o capitão do escrete, a fechar as comportas às lágrimas que lhe enchiam os olhos. Neymar, idem. Quando o instrumental arrancou, ambos os jogadores os mantiveram cerrados. A emoção era muita. E via-se.
Eles e Marcelo, Daniel Alves, Paulinho e Felipão. Nenhum abriu os olhos. Tão pouco o fez Eduardo da Silva, o outrora brasileiro, hoje croata, que antes do encontro garantira que cantaria os dois hinos. Já David Luiz tinha os seus olhos bem abertos, tanto como a garganta que berrava cada palavra do hino nacional brasileiro. Até que a música acaba – já se sabia que a FIFA apenas autorizara que metade do hino fosse tocado. Ninguém quis saber. Gargantas ao alto e, assim que a melodia se calou, os gritos aumentaram. Uma equipa, um estádio, um país, em uníssono. Até ao último verso e em tons máximos.
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O hino acaba. Trocam-se os últimos abraços. As derradeiras palmas. As palavras de motivação finais. E pronto, começava a Copa do Mundo. À moda croata arranca-se rápido e, mesmo novo (20 anos), Mateo Kovacic sabia-o – nem um minuto havia no relógio e já o médio rematava à baliza.
Atrevidos, estes croatas
Não pelo remate matutino, mas pelos três homens que Niko Kovac, seleccionador croata (o mais jovem deste Mundial, com 43 anos), escolhera para o meio campo: Rakitic, Modric e o tal Kovacic. Nenhum deles é fã de defender, pois estão habituados a, nos clubes, terem outras pernas que o façam por eles. Era este trio que tinha de suster o pentacampeão e ajudar nas alas quando Neymar ou Hulk resolvessem fazer a vida negra a alguém. Mas nos primeiros dez minutos, nada. Nem sinal das suas vidas deram, ao contrário de Olic que, aos 7’, se empoleirava nas costas de Dani Alves para cabecear uma bola cruzada, desde a direita, por Ivan Perisic.
Do Brasil, nada de melhor se passou do que uma bola cabeceada por David Luiz e afrouaxada pela sua cabeleira até às mãos de Pletikosa, guardião croata. Os brasileiros não arriscavam. Pareciam receosos. Nervosos com tanto entusiasmo que explodira durante a cantoria do hino. Ao décimo minuto, acordaram. À força. Olic, na esquerda, decidiu cruzar uma bola rasteira para a área. “Maldito gringo”, terão dito os milhares de brasileiros na bancada, quando viram a bola raspar em Jelavic e tocar em Marcelo, que a desviou para a própria baliza. Tragédia: os canarinhos marcavam o primeiro auto-golo de sempre em Mundiais. E, de repente, o Itaquerão calou-se.
Era preciso fazer alguma coisa. Algo. O que fosse. Aos 14 minutos, Óscar atira um cruzamento para a área. Ninguém chega. Aos 16’, Neymar quer fazer tudo sozinho, finta dois croata mas nada consegue com isso. Só Paulinho, aos 21’, foi até à área para receber uma bola e rematar às mãos de Pletikosa. Já era alguma coisa. Um minuto depois, Óscar vê uma bola a ser aliviada da área croata, pela relva, e decide puxar a canhota atrás – o remate já tinha alcunha de ‘golo’ mas o guarda-redes croata sacava a melhor defesa do jogo. Aos 26 minutos, o primeiro de Neymar. Não o golo, mas um cartão amarelo, após tocar com o braço na cara de Luka Modric. Só depois, sim, se estreou a fazer o que interessava.
Um, dois e três ressaltos, a meio campo, e a bola arranjou maneira de chegar a Neymar. Havia meia hora de jogo. O moleque recebeu-a, levou-a, avançou, chegou à entrada da área e decidiu rematar. Usou o pé esquerdo e o remate saiu rasteiro, lento, mas maroto o suficiente para fugir à mão esquerda de Pletikosa. 1-1. Itaquerão, toca a acordar. Os berros multiplicaram-se. E as pernas de Neymar também, à medida que acelerou rumo ao banco de suplentes do Brasil para arrancar um abraço que uniu toda a equipa. Era o 32.º golo de Neymar na sua 50.ª internacionalização. E, 12 anos depois, o Brasil voltava a ver um número 10 marcar em Mundiais – Rivaldo fora o último, em 2002.
Empate, bem-vindo de volta. Brasil e Croácia estavam de novo iguais e as coisas serenavam. Os canarinhos não mais voltaram a arriscar e preferiram passar os 15 minutos seguintes a tentar decorar como Ivan Rakitic e Luka Modric, a bicefalia a pensar o jogo croata, se mexiam no meio campo nos períodos em que a equipa tinha a bola . Pelo que se viu após o intervalo, tê-lo-ão conseguido.
Calma, a Copa ainda agora começou
Os dez minutos da segunda parte provaram-no. A bola voltara a rolar no Mundial mas nada se passava para fazer com que o Itaquerão voltasse a fervilhar. Os brasileiros estavam cautelosos. Guardavam mais a bola, passavam-na só pela certa, seguindo o exemplo de Luis Gustavo, que, na primeira parte, acertou todos os 35 passes que tentou. Até Neymar e Hulk passaram a ajudar mais a defender.
Do outro lado, os croatas não sem importavam. Rakitic e Modric esperavam, mandavam a equipa oara trás, a defender, e só aplicavam a matéria dada por Niko Kovac nas bolas que recuperavam e com as quais podiam sair em contra-ataque. Afinal, um 1-1 contra uns poderosos anfitriões não era nada mau. Terá sido isto a passar pela cabeça de Vedran Corluka quando, aos 65 minutos, imaginou Neymar a passar por si e ficar isolado à entrada da área. Quando acordou para a real, decidiu ceifar o moleque e prevenir que o craque brasileiro se aproximasse mais da baliza croata. Saía o segundo amarelo do jogo.
O japonês simpático
O livre, de Dani Alves, não acertou na baliza. Nem Yuichi Nishimura acertaria quando, aos 69 minutos, decidiu apitar quando Fred se encostou a Corluka na área e se deixou cair. Penálti para o Brasil e cerco croata ao árbitro japonês – o mesmo que, em 2010, apitaou a derrota (1-2) dos brasileiros frente à Holanda, no Mundial da África do Sul. Neymar assumiu, bateu e marcou a grande penalidade que lhe dava o 33.º golo pela seleção. Além de igualar Ronaldinho e Jairzinho na conversa goleadora, o ‘10’ igualava também Ademir, o único brasileiro que conseguira marcar dois golos num jogo inaugural de um Mundial (em 1950).
Era o 2-1. O Brasil suspirava, o Itaquerão festejava e Neymar punha-se ainda mais a jeito de ser o menino de ouro deste Mundial. Aos 71 minutos, logo a seguir ao golo, rematou para Pletikosa impedir o seu terceiro. Já havia três golos no jogo, todos brasileiros, e, David Luiz quase dava mais um. Bendita a hora, ou melhor, o 72.º minuto, em que o seu cabeceamento para cortar um cruzamento croata fez a bola passar por cima da baliza de Júlio César – ou o Brasil teria tido o segundo auto-golo do jogo.
A Croácia queria reagir. Tinha de ser. Talvez por ter o cabelo cortado após vencer a Liga dos Campeões, pelo Real Madrid, Luka Modric não dava tanto nas vistas. Até fazia tudo bem – passes, recuperações de bola e, depois, o que fazer com ela -, mas não se destacava. Só o fez aos 86 minutos, quando um remate seu obrigou Júlio César a esticar-se para chegar junto ao poste esquerdo da baliza e evitar o empate croata. Minutos antes, Olic tocara no guardião brasileiro dentro da pequena área e de nada valeu a bola que a Croácia rematou para dentro da baliza, na mesma jogada.
Restava pouco tempo. A Croácia sabia-o. Ivan Perisic também, e foi ele que rematou fora da área, aos 90’, obrigando Júlio César a mais uma defesa antes de tudo serenar. Quando? Logo a seguir, aos 91 minutos, assim que um contra-ataque brasileiro meteu a bola em Oscar que, ao entrar na área inimiga e com dois croatas a chateá-lo, rematou com o bico da chuteira para o canto da baliza de Pletikosa. Enfim, o alívio. O Brasil fazia o 3-1 e tudo acabava bem. Doze anos depois, o escrete até voltava a marcar num Mundial com um pontapé de bico, como Ronaldo o fizera contra a Turquia, em 2002.
Pouco depois, um apito de Yuichi Nishimura não criava dúvidas. O jogo acabava e o Brasil confirmava a vitória no jogo inaugural do Mundial. O 3-1 contra a Croácia foi merecido, mas exagerado. O moleque Neymar fez dois golos e provou ainda mais que, sem ele, os brasileiros não têm metade do engenho. O Itaquerão deu a primeira amostra de como, quando a bola rola, o país se une em torno do futebol e do que ele pode dar. Os croatas perderam. Começaram mal, sim, mas num grupo onde também estão México e Camarões, mostrou o suficiente para ser o reboque do Brasil rumo aos oitavos de final. E pronto, amanhã há mais. E continuará a haver até 13 de julho.