“Não quero que retirem [o número 10], quero que os miúdos continuem a sonhar em vestir essa camisola um dia. Espero que os que a usem tenham uma carreira tão fantástica como a minha”, assim se despedia Del Piero da Juventus. A lenda bianconeri sabia bem o que era suceder a um monstro sagrado. O homem que festejava os golos com a língua de fora sabia bem quantos quilos pesava aquele 10. É que ele foi o sucessor de Roberto Baggio, um dos melhores jogadores da história do calcio, tal como seria Alessandro Del Piero.

Dez, sete e nove. Sempre foram aqueles números com que sonhávamos exibir em miúdos. Porquê? Superstição, vaidade ou crença de que seríamos ajudados por um qualquer ato divino. Ora por causa de Zico, Maradona, Best, Beckham, Batistuta, Ronaldo “Fenómeno”, e por aí fora… A guerra é sempre a mesma numa equipa de meninos ou de graúdos, que até só vão brilhar num torneio de solteiros e casados: o número. Esses são os clássicos. Depois há sempre aqueles que se desviam do que é culturalmente aceite pelos deuses do Olimpo. O 13 é um exemplo: Eusébio em 1966 — que até ficou na moda quando Alessandro Nesta começou a usá-lo na Lazio. O 14 é outro: Johan Cruijff, o génio holandês que, de mão dada com o mestre Rinus Michels, ajudou a construir o “futebol total”. Mas há mais…

O número 4 é outro fenómeno especial. Exemplos? Pep Guardiola, Patrick Vieira, Makelele e Albertini. Todos eles eram médios defensivos de elite. Todos eles eram diferentes: dotados de uma cultura tática, liderança e técnica que era pouco frequente misturar. Mas há agora um 4 que saiu do mercado, acompanhando o homem que o usou durante grande parte dos últimos 19 anos. Falamos de Javier Zanetti, o ex-capitão do Inter de Milão que, aos 40 anos, pendurou as botas no final da época.

Nenhum comum dos mortais estará à altura do que fez Javier Zanetti, qual semi-deus interista. Não houve muitos jogadores como ele, que souberam levar o futebol para um lugar muito mais alto.

O argentino chegou ao Giuseppe Meazza com 21 anos, em 1995. Estava longe de imaginar que seria uma lenda do clube que Helenio Herrera havia colocado no mapa europeu na década de 60 com duas Taças dos Campeões Europeus. Bastaram-lhe quatro anos para merecer a braçadeira de capitão, aquela que outrora Giacinto Facchetti havia usado — a sua camisola 3 também foi retirada –, e misturar-se com a história recente deste clube de Milão. Com a camisola que mistura listas em azul e preto, o lateral-médio-faz-tudo venceu cinco scudetti, quatro Taças de Itália, quatro Supertaças Italianas, uma Taça UEFA, uma Liga dos Campeões (com José Mourinho em 2010) e um Campeonato do Mundo de Clubes. Foram “apenas” 851 jogos ao serviço do Inter. Coisa pouca…

O presidente do clube, Erick Thohir, anunciou esta segunda-feira que a camisola 4 dos nerazzurri não será mais usada. Nenhum comum dos mortais estará à altura do que fez Javier Zanetti, qual semi-deus interista. Não houve muitos jogadores como ele, que souberam levar o futebol para um lugar muito mais alto. A sua elegância, respeito pela profissão, atitude e qualidade eram ímpares. O profissionalismo idem, já que é um autêntico case study chegar-se aos 40 anos e correr o que ele corria. Thorir avançou ainda que o argentino será vice-presidente do Inter nos próximos dois anos.

O vizinho AC Milan também tem uma história curiosa, que espera por novos desenvolvimentos. Quando Paolo Maldini decidiu colocar um ponto final na sua carreira em 2009, o clube rossoneri guardou o número 3, mas sem efeito eterno. Porquê? É que os filhos do ex-defesa, Daniel (12 anos) e Christian (18), têm autorização para usarem a camisola do pai se chegarem à equipa principal. Daniel tem apetite pelos golos mas o segundo é defesa e até esteve emprestado ao Brescia em 2013/14. Numa altura em que os clubes de Milão passam por uma fase complicada, agarremo-nos à sua gloriosa história. Abençoado calcio.

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