Monumental. O palco da final de 1978 e Mario Kempes, El Matador. Mas comecemos pelo princípio. O canhoto jogava no Valência e até foi discreto na primeira fase de grupos — não marcou contra Itália, França e Hungria –, que acabou por ser bem encaminhada por Luque, Bertoni e Passarella. O avançado da farta cabeleira surgiu na segunda fase de grupos, como os campeões fazem na hora de levar as coisas para outro nível. Um bis contra a Polónia (2-0) e mais outro contra o Perú (6-0) chegariam para compensar o empate cinzento contra o Brasil (0-0). No outro grupo, a Holanda do austríaco Ernst Happel deixava para trás Itália (2-1), Alemanha Ocidental (2-2) e Áustria (5-1) e, assim, marcaria presença na final de Buenos Aires.
“Quando a equipa entrou [no relvado] começaram a cair os ‘papelitos’. Para fazer uma comparação: parecia o Coliseu de Roma”, lembrou Kempes à ESPN, que já havia comentado a loucura que foi chegar ao estádio. As ruas estavam pintadas de azul-celeste, com bandeiras, gritos e buzinas. É arrepiante ver as imagens. Os argentinos não chegavam a uma final desde 1930, quando perderam com o Uruguai (2-4) no primeiro Mundial. Era histórico. Kempes até já tinha jogado quatro anos antes, com 19 anos, mas não festejou qualquer golo. A Holanda de Rinus Michels perdera a final de 1974 contra Franz Beckenbauer e companhia (1-2). Era tempo de ajustar contas com o passado.
Ou então não. Depois de uma combinação entre Ardiles e Luque, a bola chegou a Kempes, que passou no meio de dois defesas vestidos de laranja-vivo e, em carrinho, encostou para o um-zero. O esquerdino correu de braços abertos para abraçar um estádio inteiro. Monumental. O golo chegava antes do intervalo para afastar 15 minutos de angustia e apreensão. Nanninga, qual mensageiro da desgraça, assinaria o empate apenas a oito minutos da glória. Foi de cabeça, à Jardel, se quiserem. Um belo golo.
“Não havia razão para virar louco. Havia um prolongamento pela frente”, disse Kempes, serenamente, na mesma entrevista. E percebe-se porquê. O seu segundo golo acabaria por ser o princípio do fim da estreiteza, do aperto. Bertoni tocou para o centro para Kempes, que, com uma leveza digna dos mais talentosos, deixou dois defesas no chão enquanto invadia a área inimiga. O canhoto tentou então enganar Jan Jongbloed, sem sucesso.
https://www.youtube.com/watch?v=E0ckp3hoodE
O guarda-redes não contava é com a vontade dos deuses, que, certamente, fizeram aquela bola ressaltar na sua cabeça depois de um toque na perna do avançado e pingar a menos de dois metros da fama. Mais rápido do que dois defesas, Kempes encostou com os dentes da bota: 2-1. “As pessoas ficaram loucas. Acho que estávamos predestinados a vencer aquele Mundial”, assegurou. Bertoni ainda marcaria o terceiro golo a cinco minutos da festa.
Kempes foi o primeiro camisola 10 da Argentina a ficar na história. A encantar e resolver. Maradona seguiu-lhe as pisadas em 1986 e Messi quer fazer o mesmo em 2014… Mas esta cantiga dos duelos com a Holanda não fica por aqui. Parece eterna. Em nove participações holandesas em Mundiais, os argentinos tropeçaram no seu caminho quatro vezes. Quatro.
Em 1974, a arte de Crujff atropelou os sul-americanos (4-0) — Kempes entrou ao intervalo. Em 2006 voltou a haver novo confronto, que acabou num penoso zero-zero. Pelo meio, aconteceu uma das narrações mais épicas dos Campeonatos do Mundo. Em 1998, Argentina e Holanda apertavam a mão para discutir um lugar nas “meias”. Kluivert, hoje adjunto de Van Gaal, adiantou cedo a Laranja (12′). Claudio López empataria pouco depois (17′). O drama prolongou-se até aos 89′, num momento que ficaria para sempre na memória de quem viu.
Frank de Boer conduziu a bola uns metros no seu meio-campo. A cabeça estava bem erguida, como sempre. A classe caminhava de mão dada com o canhoto. O seu pé esquerdo bateu então na bola, o destino era Dennis Bergkamp. O génio que tinha medo de andar de avião recebeu (uma barbaridade de receção!), tirou do filme Ayala e chutou com a parte de fora do pé. Que golo. O locutor holandês foi à loucura. Inesquecível.
Uma curiosidade: tanto em 1978 como em 1998, a Holanda contava com dois irmãos gémeos. Na final jogaram Willy e René van de Kerkhof; vinte anos depois, era a vez de Ronald e Frank de Boer. Conclusão desta lengalenga toda? A Holanda só perdeu na tal final de 1978. Depois venceu duas vezes e empatou uma. Kempes e Maradona já penduraram as botas. Cruyff e Bergkamp idem. Robben e Messi, o destino está nos vossos pés…