Imagine que é gestor de um negócio, por exemplo uma loja ou uma oficina, e de repente, sem razão aparente, os seus clientes deixam de aparecer. A qualidade do seu serviço não mudou, nunca recebeu reclamações nem tão pouco se apercebeu de desagrado ou desmotivação. Foi o que aconteceu a Rene Bertagna, um emigrante italiano de 74 anos proprietário de um restaurante no Estado da Virginia (EUA). O “Serbian Crown” tinha uma carta de pratos peculiar: carne de leão, de canguru, antílope e até de urso, carne adquirida legalmente. Os clientes apreciavam o exotismo dos pratos e a diversidade das 40 marcas de vodka, mas de um momento para o outro, as pessoas deixaram de aparecer. Bergata demorou algum tempo a perceber o que se passava, até ao dia em que recebeu um telefonema de um cliente que lhe perguntou “Mas vocês agora estão fechados ao sábado, domingo e segunda-feira? Mas o que é que se passa?”.

A história foi contada pela Wired e revela um aspeto que a maioria dos utilizadores do Google Maps desconhece: o método de referenciação utilizado para sinalizar locais de pesquisa (um restaurante, por exemplo) é manipulável. Mais do que isso, mostra que existe uma competição cerrada e por vezes organizada entre pequenos negociantes, que usam os sistemas de recomendação para viciar as avaliações da concorrência. Os processos de referência no Google Business e no Google Maps funcionam de forma semelhante ao Tripadvisor e ao Booking, aplicações que permitem procurar serviços e classifica-los com “estrelas” e escrever comentários. Essas apreciações ficam então disponíveis para quem procura por um hotel ou restaurante, e muitas vezes a decisão será condicionada pelas opiniões ali partilhadas.

O declínio do “Serbian Crown” foi, alegadamente, resultado da manipulação do horário de abertura. Porque se tratava de um restaurante localizado fora de uma via central de circulação, um lugar remoto onde se ia de propósito para comer, os clientes guiavam-se pela informação disponível online. Não era um local que ficasse “a caminho”, que os clientes se apercebessem facilmente da existência de um erro. O proprietário culpa agora a Google pelo encerramento do restaurante, o processo corre em tribunal, mas duvida-se de um desfecho com sucesso.

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Rene Bertagna via Wired

A Wired relata histórias semelhantes que ocorreram com outras pequenas empresas, que ainda se debatem por manter limpa uma imagem escurecida pela concorrência, que comentou negativamente (e com identidade falsa) os seus serviços. A diferença entre estes exemplos e o relato do italiano Rene Bertagna é o recurso cada vez mais comum aos serviços de um consultor de internet, um profissional que monitoriza a presença e o impacto dos negócios na rede.

Os sistemas de agregação de opiniões dos utilizadores são a base estrutural que permite acrescentar e manter a informação atualizada sobre locais e serviços. A Google e a Apple (e muitas outras empresas) aproveitam as referências dos seus utilizadores para enriquecer as suas bases de dados e gerar recomendações, mas já há algum tempo que tomaram consciência que o spam é cada vez mais abundante, persistente e influencia opiniões. Recentemente a Apple limpou da loja online as críticas e análises falsas; os gestores das aplicações sentem-se lesados e exigem que os gestores automáticos sejam otimizados.

A história do “Serbian Crown” terminou com o encerramento do restaurante em 2013, mas a Google garante que já apertou o cerco aos spammers. Atualmente exige aos proprietários um registo com contra-senha, que apesar de falível, torna mais difícil falsear as referências e localizações. Já em relação às recomendações, continuaremos reféns também da boa fé dos utilizadores.

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