Cerca de 70% dos 255 jovens internados nos centros de reinserção social em Portugal estavam anteriormente referenciados pelas comissões de proteção, mas “o sistema foi incapaz de os travar”, admite a Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP). Dos jovens que saíram das instituições em 2013, 46% dos jovens estavam integrados na comunidade, mas 47% estavam em risco de reincidência.
Segundo Licínio Lima, subdiretor da DGRSP, “70% dos jovens já estavam referenciados, já se sabia da sua propensão para o cometimento de atos ilícitos”, antes das circunstâncias que os levaram a ser colocados nos centros educativos de reinserção social. Para este responsável, era necessário que se investisse “mais na prevenção do que na repressão”.
Os últimos dados publicados sobre os centros de reinserção social, de maio de 2014, indicam que nos sete centros existentes no país estão inseridos 255 jovens problemáticos, 89% rapazes e 11% raparigas. Julgados pelo Tribunal de Família e Menores, estes jovens vão para os centros educativos na sequência de atos que cometeram entre os 12 e os 16 anos.
“O Estado investe em média 100 euros por dia em cada jovem que comete crime”, sendo que “um recluso, em média, custa 50 euros por dia”, disse Licínio Lima à agência Lusa, explicando que a diferença entre o custo de um jovem nos centros de reinserção social e um recluso num sistema prisional prende-se com o facto de “o recluso não ser obrigado a andar na escola, enquanto os jovens dos centros educativos estão na escola”.
Nos centros educativos, os jovens têm “educação, formação profissional, acompanhamento, segurança, vigilância, alimentação, têm tudo”, assegurou. Para alguns, no final do cumprimento da pena, falta , porém, a integração plena na comunidade, o que os leva, muitas vezes, a regressar a um quotidiano de delitos.
O último seguimento realizado pela Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais aos jovens que saíram em 2013 das instituições, feito telefonicamente seis meses após a saída, revelou que 7% voltou a cometer crimes. “O grande problema da reincidência não está no indivíduo que não se consegue adaptar, o grande problema da reincidência está em que a sociedade não permite que o indivíduo se readapte”, lamentou Licínio Lima.
Segundo aquele levantamento, “cerca de 46% dos jovens encontram-se completamente integrados na comunidade”, sem indícios da prática de novos crimes, integrados na família ou em instituição, a estudar, a frequentar um curso de formação profissional ou a trabalhar. Em risco de reincidência, encontravam-se cerca de 47% dos jovens, “sem estarem a estudar, a frequentar um curso de formação profissional ou a trabalhar”. A falta de ocupação “é o primeiro passo para a delinquência”, sublinhou o subdiretor da DGRSP.
Quanto às condições dos atuais centros educativos, Licínio Lima admitiu que estão “no limite da lotação”. Para colmatar o problema de sobrelotação, estão a ser feitas obras em algumas instituições. Licínio Lima deixou, no entanto, um alerta para a possibilidade dos problemas de lotação dos centros educativos de reinserção social se agravarem com a proposta de alteração da Lei Tutelar Educativa. “Se formos a punir todos os atos ilícitos dos miúdos, o sistema pode colapsar”, avisou.
Reabilitação no Centro Educativo Navarro de Paiva
Entre furtos, assaltos e violações, o passado dos jovens “presos” em centros de reinserção social esteve longe de ser risonho. Ali, condenados a internamento, aprendem a viver em comunidade, recebem formação e saem com trabalho, a acreditarem que o futuro vai trazer mais motivos para os fazer sorrir.
No Centro Educativo Navarro de Paiva (CENP), em São Domingos de Benfica, Lisboa, uma das sete instituições do país com este fim, estão internados 43 jovens, condenados pelo Tribunal de Família e Menores à medida mais gravosa da Lei Tutelar Educativa para jovens que cometeram atos ilícitos entre os 12 e os 16 anos.
A maioria dos jovens é oriunda de “bairros sociais, famílias desestruturadas ou com problemas económicos, em que a falta de estabilidade e de afeto” os conduziu à “má vida”, como caracteriza, em declarações à agência Lusa, Licínio Lima, subdiretor da Direção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais.
Segundo Licínio Lima, está a aumentar o número de jovens que têm mais problemas afetivos do que problemas económicos, “têm uma relação afetiva maior com o computador do que com o pai ou com a mãe, e essa frieza emocional pode ter consequências muito graves”. As razões que os fizeram chegar até ao centro educativo são várias, desde “drogas, companheiros, grupos, adrenalina”, explicou o diretor do CENP, Rogério Canhões.
Em declarações à Lusa, um dos jovens que esteve internado naquele centro – entre abril de 2011 e abril de 2013 -, atualmente com 20 anos e a trabalhar num hotel do centro da capital, disse que foi um assalto a uma residência, acrescido de outros pequenos furtos, que o levou ao cumprimento de pena. “O ambiente onde eu vivia era muito pesado e havia de tudo um pouco: tráfico, assaltos, de vez em quando tiros”, disse o jovem, acrescentando que “faltava à escola, andava na rua, via uns a roubar e também ia”.
Ajudada pelo centro educativo a encontrar ocupação, uma rapariga de 17 anos, que cumpriu um ano de internamento e que saiu em abril deste ano, trabalha num café em Loures. “Faltar à escola, alguns furtos e ter sido apanhada várias vezes sem bilhete nos transportes públicos”, foram os motivos que a levaram ao centro de reinserção. Com o internamento, conseguiu reatar a relação – até então degradada – com os pais. “Eles iam sempre visitar-me, ligavam-me todas as semanas, não faltava o telefonema”, frisou.
Três vezes por ano, o CENP organiza “o dia das famílias”. O objetivo é, “pela primeira vez na vida, dizer a estes pais as coisas boas que os miúdos fizeram”, disse Rogério Canhões. Depois de cumprirem a medida, alguns jovens optam por emigrar, pois “têm noção que ao voltarem ao bairro [de origem] existe o risco de reincidência”, disse o diretor do CENP.
Em França, a trabalhar nas limpezas de um hotel, um rapaz de 19 anos, que cumpriu um ano de internamento por “furtos e tráfico de droga quando tinha 14 anos”, retomou a sua vida afastado do bairro de origem. Com cinco irmãos e órfão de pai muito cedo, foi a mãe quem teve de cuidar da família. Foi muito difícil “ver os outros terem e querer também. Não gostava de pedir à minha mãe, ela já tinha muitas despesas”, reconheceu.
Segundo a psicóloga do CENP, Lúcia Soares, alguns jovens tem “uma dificuldade de lidar com a frustração do não ter. Este ter é uma tentativa de colmatar um vazio interior, afetivo muitas vezes, em que a adrenalina funciona como um antidepressivo”.
Apesar do futuro destes três jovens estar bem encaminhado, ainda falta ultrapassar o maior desafio, tudo porque, como disse Licínio Lima à agência Lusa, perdura na sociedade um estigma em relação aos jovens que passaram pelos centros de reinserção social, “que não os permite viver em liberdade, porque não há ninguém que os aceite”.