“Denuncio abertamente que está a ser cometido um genocídio contra a população civil no Iraque”. Foi assim que Juan Luis Ney Sotomayor, médico espanhol especializado em cirurgia de guerra, começou o texto publicado no sábado pelo jornal El Mundo. O catalão de 46 anos já participou em missões humanitárias em mais de dez locais de conflito e pensava ter visto tudo. Mas diz que esta guerra o está a afetar como nenhuma outra.

Juan Luis Ney Sotomayor escreve a partir de Erbil. A 50 quilómetros do lugar onde se encontra, estão os jihadistas do IS (Estado Islâmico) que há cerca de dois meses lançaram o terror no Iraque depois de conquistarem Mossul, a segunda cidade mais importante do país. Sotomayor, que já se encontrava no país antes disso para dar formação aos cirurgiões locais, passou a trabalhar 24 horas por dia para tentar responder a todos os pedidos de ajuda que lhe chegam. Em Erbil já há cerca de 100 mil refugiados.

Depois de Mossul seguiu-se Kirkuk e Sinjar e muitas outras. Em todas elas, escreve Sotomayor, está a acontecer “um genocídio medieval”. O médico descreve um cenário de “matanças horríveis” e fala em decapitações públicas, fuzilamentos em massa, crucificação de “infiéis” e em mulheres e crianças que são enterradas vivas. Algumas testemunhas contaram a Sotomayor que em Mossul, os postes elétricos estão cheios de cabeças cortadas. “É o terror pelo terror”, diz, acrescentando que o pior que podíamos imaginar “foi ultrapassado pela realidade”.

O médico diz que para além destes crimes, o Iraque está a enfrentar também uma catástrofe humanitária. “Há centenas de milhares de pessoas perdidas no deserto sem comida, sem água, descalças, com temperaturas de 55ºC”. Muitos destes refugiados foram alvos de ataques pelos jihadistas, o que leva Sotomayor a afirmar que a dinâmica do IS consiste num “ataque sistemático e indiferenciado contra a população civil”. Todos podem tornar-se alvos. Primeiro foram os cristãos, depois os turcomanos, os yazidies… “Mesmo aqueles que não esperavam ser perseguidos, como os xiitas e os sunitas moderados, também já foram assinalados pelos extremistas”, escreve. E será isso que leva Sotomayor a dizer que esta “não é uma guerra contra cristãos ou contra sunitas e xiitas. É uma guerra do terrorismo internacional contra todos”.

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No seu relato, Juan Luis Ney Sotomayor refere várias vezes as crianças e diz como são as lágrimas destas o que “mais o afeta”. O médico diz que vê muitas crianças sozinhas e que gostaria de salvá-las e levá-las para Espanha. São de todas as idades, diz, desde recém-nascidos a adolescentes.

Sotomayor termina agradecendo a ajuda da União Europeia em Erbil e diz que a Espanha também deveria intervir com ajuda humanitária. Até porque a situação só pode piorar. Mesmo para o médico e aqueles que trabalham com ele:

Não temos muito tempo. É uma questão de semanas. Já temos vários planos de evacuação preparados. Todos no Ocidente sabem qual é o objetivo das milícias do IS. Podem capturar-nos para obter um resgate ou como propaganda para mostrar como se exterminam infiéis. Sabemos que têm informadores dentro de Erbil. O corpo diplomático aqui presente e o pessoal das grandes empresas deixou a cidade depois dos alertas sobre possíveis atentados à bomba. Com estes atentados querem bloquear a capacidade de resposta. Tenciono ficar em Erbil até ao último momento. Mas quando eu for, ficarão as crianças.