A múltipla resistência da bactéria Neisseria gonorrhoeae, responsável pela doença sexualmente transmissível gonorreia, preocupa as autoridades de saúde. Em julho foi detetado mais um caso da estirpe super-resistente na Europa, um caso importado da Austrália. A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta para o facto de a doença se poder tornar virtualmente intratável.
A estirpe super-resistente (H041) foi detetada pela primeira vez em 2009 no Japão. Desde aí já foram identificados casos no Havai, Califórnia, Noruega e, agora, na Austrália, segundo o Guardian. Mas a OMS refere que “mais de um milhão de pessoas estão infetadas com gonorreia em todo o mundo e falência de tratamento de último recurso com [antibiótico] cefalosporinas de terceira geração foi confirmada na Áustria, Austrália, Canadá, França, Japão, Noruega, Eslovénia, África do Sul, Suécia e Reino Unido.”
Os sintomas desta doença, que afeta os órgãos genitais, podem passar por ardor ao urinar ou corrimento, mas uma infeção não tratada pode causar doença gonocócica disseminada – uma infeção generaliza da bactéria pelo organismo (septicemia). “Esta é uma das bactérias que tem mais facilidade em se tornar resistente aos antibióticos”, diz ao Observador Filomena Pereira, médica microbiologista da Unidade de Clínica das Doenças Tropicais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical. Por este motivo, o tratamento usado para combater a doença mudou. “A recomendação é que se usem dois antibióticos em simultâneo.” A médica recomenda que todas as pessoas que tiveram um comportamento de risco façam rastreio à doença.
Problema de saúde pública
“Muitas das infeções não apresentam sintomas”, refere a médica. Uma pessoa infetada, que desconheça que tem a doença e não use preservativo, pode facilmente passar a doença a outras pessoas, tornando-se um problema de saúde pública. As mulheres que sofram ou tenham sofrido da doença têm maior probabilidade de se tornarem estéreis – quanto mais cedo ocorrer a infeção ou quanto mais vezes acontecer, maior a probabilidade de se ficar estéril. Há também a possibilidade de contágio do bebé durante o parto ou de contaminação dos olhos (conjuntivite).
Filomena Pereira diz que não há dados atualizados em Portugal sobre o número de doentes ou a frequência dos contágios. Embora esta seja uma doença de notificação obrigatória, nem todos os médicos o fazem. Além disso, existem muitas pessoas que não chegam a ir ao médico por causa da gonorreia, que também pode ser chamada blenorragia ou, numa linguagem mais popular, esquentamento.
Apesar de admitir que os valores absolutos podem não ser reais, Cátia Sousa Pinto, chefe da Divisão de Epidemiologia e Estatística da Direção-Geral de Saúde (DGS), considera que os dados recolhidos permitem verificar tendências, porque a “subnotificação é mais ou menos constante”. O último relatório da DGS apresenta o número de casos notificados de 1950 a 2012: com o máximo de 1463 casos em 1972, que caiu até 2004, com um mínimo de 28 casos. Desde então o número de casos voltou a aumentar e em 2009, 2011 e 2012 ultrapassou os 110 casos – os valores mais altos desde 1993. Os dados de 2009 a 2012 mostram que a Grande Lisboa é a região com maior número de casos declarados (346 em 442).
Segundo o relatório da DGS, os casos registados são sobretudo de homens entre os 15 e os 44 anos (347 casos em 442). A única forma de evitar o contágio é usando preservativos durante as relações sexuais, incluindo sexo oral e anal. A melhor maneira de tornar os tratamentos efetivos é usar corretamente os antibióticos: evitar o uso indiscriminado, a seleção inadequada e uso excessivo, tomá-los apenas quando são receitados pelo médico e seguir a medicação até ao fim.
Atualizado com dados da DGS.