Saiu combalido do Tribunal de Aveiro e disse estar em estado de choque. Armando Vara atirou, depois, uma justificação para a pena de cinco anos de prisão que acabava de lhe ser aplicada: “Acho que tem muito a ver com a minha circunstância”. Que circunstâncias são essas? Perguntaram-lhe. O ex-governante não respondeu mais e abandonou o tribunal.
Nascido em Vinhais, Bragança, em 1954, o contacto de Armando António Martins Vara com os números começou aos 17 anos com meia dúzia de oficinas de automóveis a quem fazia a contabilidade. Ambicioso, Vara conseguiu chegar ao serviço de atendimento da Caixa Geral de Depósitos de Mogadouro. O início de um percurso que o iria fazer ascender. E não demorou muito.
25 de abril de 1974. Liberdade. Mário Soares vai a Bragança e faz um discurso que incendeia a cabeça de Vara. De tal forma que Armando Vara corre para filiar-se no Partido Socialista. Chegou a secretário coordenador da Federação Distrital de Bragança e, até, fundou um jornal local com o apoio partidário. Começa a subir os degraus da carreira política. E a prova é que em 1985, com 31 anos, já estava a sentar-se na bancada socialista da Assembleia da República, em Lisboa, como deputado. Tinha apenas o 12º ano, mas era um homem organizado e com grande capacidade de trabalho – diz quem o conhece. E depressa chegou a líder da bancada socialista.
Em 1989, Vara abre uma empresa com o amigo José Sócrates. A Sovenco (Sociedade de Venda de Combustíveis) foi criada na sede de uma das empresas de José Guilherme, o empresário que já deu milhões de euros como prenda ao banqueiro Ricardo Salgado. Dois anos depois, a sua ligação à Amadora leva-o a candidatar-se a presidente da câmara. Perdeu e ficou como vereador.
Chega o ano de 1995 e quando António Guterres é eleito primeiro-ministro convida-o para secretário de estado da Administração Interna. Para o seu amigo José Sócrates – com quem foi apanhado a falar nas escutas do processo “Face Oculta”- Guterres escolhe a secretaria de estado do Ambiente.
E foi na secretaria de estado da Administração Interna, segundo o Público, que Armando Vara, recorreu ao diretor-geral do GEPI (Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações do MAI) e a engenheiros que dele dependiam para projetar a moradia que construiu perto de Montemor-o-Novo. O engenheiro António José Morais tinha já sido seu assessor e foi Vara quem escolheu promovê-lo. Ali ficou até 2002.
Na equipa que planeou casa do então governante também trabalhou a companheira do engenheiro, a arquiteta Ana Simões, na altura companheira de António José Morais. Os dois acabariam por sentar-se no banco dos réus, depois de acusados de corrupção e branqueamento de capitais na construção de uma estação de tratamento de lixo na Cova da Beira. Acabaram absolvidos.
Antes desta acusação, António José Morais chegou a dar aulas na Universidade Independente. Foi professor de José Sócrates em quatro disciplinas. Em 2005, quando Sócrates chegou ao poder como primeiro-ministro, o engenheiro António José Morais foi nomeado para o Instituto de Gestão Financeira e Infraestruturas do Ministério da Justiça. Saiu ao fim de nove meses.
Corria o ano 2000 quando Vara é nomeado ministro da Juventude e Desporto. Não por muito tempo. Uma polémica em torno da Fundação para a Prevenção Rodoviária, que criara sob dependência do Ministério da Administração Interna (MAI), conduziu à sua demissão.
A Fundação tinha sido criada para fazer cumprir os objetivos do MAI. E, ao contrário do que a lei obriga, não dispunha de qualquer património. Vivia da receita transferida pelo MAI, para campanhas de prevenção rodoviária, por exemplo. O Tribunal de Contas ainda fez uma auditoria à Fundação. Comissões parlamentares sobre o tema tentaram perceber se havia irregularidades. Acabou tudo arquivado em 2005. A Procuradoria-Geral da República justificou que Vara não tinha cometido qualquer irregularidade.
Vara demitiu-se de funções, mas o seu caminho profissional continuava no sentido ascendente. Chegou a presidir à comissão para as eleições autárquicas. E aproveitou a altura para frequentar uma pós-graduação em Gestão Empresarial. Também aqui as suas habilitações já levantavam questões. Sempre disse no seu currículo que tinha frequentado a licenciatura de Filosofia na Universidade Nova de Lisboa, mas que não tinha terminado. No currículo que tornou público colocava sempre a informação:
– 2004: Pós-Gradução em Gestão Empresarial
– 2005: Licenciatura em Relações Internacionais na Universidade Independente.
Nada que afetasse a sua ascensão profissional. Em 2005, o então ministro Teixeira dos Santos convida-o para voltar à casa onde começou, a Caixa Geral de Depósitos. Mas desta vez não era para o atendimento ao balcão. Vara progrediu de tal forma que se tornou num banqueiro. Integra como vogal o conselho de administração. Três anos depois transita para o Millenium BCP.
É em 2009 que o então vice-presidente do Millennium BCP, Armando Vara, é constituído arguido no âmbito do processo Face Oculta. Suspeito de ter sido contactado pelo empresário Manuel Godinho a troco de vantagens patrimoniais ou não patrimoniais para angariar negócios junto de empresas do setor empresarial do Estado, na área dos resíduos industriais.
Vara suspende funções (embora continue a receber ordenado) e acaba por demitir-se quando é formalmente acusado, já em 2010. Três meses depois, é nomeado presidente do conselho de administração da cimenteira Camargo Correa para África, cargo que entretanto já abandonou. Segundo aquela empresa, “o dr. Armando Vara não exerce funções em nenhuma empresa do Grupo Camargo Correa”. A data exata da saída de Vara, contudo, não foi revelada. Ainda recebe 2 mil euros de pensão vitalícia pelos cargos políticos que desempenhou.
* Artigo atualizado com nova informação sobre funções de Armando Vara na Camargo Correia, que já cessaram.