O presidente do Supremo Tribunal de Justiça considerou esta sexta-feira que, apesar das dificuldades iniciais da nova organização judiciária, designadamente do sistema informático, os tribunais trabalham e praticam “todos os atos processuais” através dos meios disponíveis.
“Os desafios têm sempre associadas imensas dificuldades. No início da execução, estamos confrontados com dificuldades do sistema informático de tratamento processual. Vão ser certamente superadas no tempo possível”, disse Henriques Gaspar, no IX Encontro Anual do Conselho Superior da Magistratura (CSM), subordinado ao tema “Nova organização judiciária/ desafios e dificuldades”.
O presidente do Supremo e, por inerência, do CSM, sublinhou que este encontro, na Figueira da Foz, ocorre “num momento crucial da história da justiça em Portugal” e que “apesar das dificuldades iniciais, os tribunais estão no exercício das suas competências, trabalhando e praticando todos os dias os atos processuais de acordo com os instrumentos e os meios disponíveis”.
Na sua opinião, o encontro “não vai ser condicionado” pelas questões informáticas do Citius, pedindo a todos “a uma reflexão multidimensional” sobre os desafios e as dificuldades na construção da nova organização do sistema de justiça.
Quanto ao novo modelo de organização, alertou que há, por vezes, “sedução por ideologias, ou talvez modas, que manifestam atração por teorizações neoliberais, tentando aplicar à justiça perspetivas de ´management´ próprias dos sectores privados da economia, colocando a ênfase nos resultados e não nos procedimentos.
“A inadequação dos métodos gestionários do sector privado é, porém, patente, porque a justiça não fabrica produtos para satisfação dos consumidores, nem tem como missão produzir a baixo custo para ter mercado e lucro, a justiça não pode atuar segundo critérios próprios do regime de mercado”, enfatizou.
Relativamente ao desenho estabelecido para a administração da justiça, Henriques Gaspar regista que há, na lei, “uma dimensão orgânica diferente, e em muitos aspetos radicalmente nova na aparência, na definição do conjunto de instituições e órgãos com competência para dizer a justiça e na gestão da justiça.
No cruzamento entre organização e funcionamento, o presidente do STJ diz existir “sempre algum risco de um ´conflito de territórios´ entre o que releva da gestão e da administração e o que não pode deixar de ser da jurisdição (do juiz)”.
“A interpretação e a clarificação prática do modelo da lei são essenciais para que as funções de administração e jurisdicional se não sobreponham ou, pior, conflituem, com o risco de paralisar o funcionamento geral da jurisdição”, disse.
Quanto aos objetivos de eficiência e eficácia, advertiu que na justiça estes conceitos “não são categorias impostas pela razão da economia, por critérios quantitativos de produtividade medidos por instrumentos de análise económica”.
Segundo alertou, a vontade de acelerar o ritmo da justiça pode ter por efeito “a redução da singularidade do tratamento processual e do debate judiciário, e a busca da eficiência e da rapidez pode afetar a consideração pela qualidade e pelo conteúdo das decisões”.
“É nossa obrigação pensar em conjunto sobre o que deve ser a qualidade exigida à justiça, e quais os meios e os instrumentos que permitam alcançar a qualidade”, vincou, notando que a qualidade deve ser avaliada num espectro amplo e por fatores facilmente identificáveis, como sejam o acesso à justiça, a atitude dos agentes em relação aos cidadãos que recorrem ao tribunal, a imparcialidade, a duração do processo, a qualidade de relação entre o juiz e as partes e a inteligibilidade das decisões.
“A gestão e a administração dos tribunais devem adotar os métodos mais adequados para alcançar os melhores resultados — meios humanos e materiais, acompanhamento da atividade e medição da qualidade da organização, decisões atempadas, atenção especial às estruturas de apoio ao juiz e à função de julgamento”, concluiu.