Na ressaca da noite eleitoral, as primeiras análises. Dilma Rousseff (PT) está mais perto da reeleição, mas a segunda volta contra o surpreendente Aécio Neves (PSDB) não se avizinha fácil para a atual Presidente brasileira. O destaque da imprensa brasileira desta segunda-feira vai para a fraca expressão dos votos no partido de Dilma – que teve a pior votação dos últimos 12 anos, e que deixa agora tudo em suspense. Sobre o próximo round, parece haver pelo menos uma certeza: São Paulo, que é o maior colégio eleitoral do país e que foi decisivo para o impulso de Aécio, vai ser o Estado-chave no confronto do dia 26 de outubro. E Dilma terá de apostar tudo em demarcar-se do ‘Mensalão’ e da Petrobras, ou seja, dos símbolos da corrupção.
Foi uma noite de emoções e de surpresas – pelo menos se comparada com outras noites eleitorais anteriores. Que Dilma Rousseff iria vencer, não surpreendeu. Que iria haver uma segunda volta, também não. Que Aécio Neves seria o segundo mais votado em vez de Marina Silva (PSB), surpreendeu profundamente nas vésperas do sufrágio, mas ontem não demorou muito a perceber-se que era um dado adquirido. A corrida ao Palácio do Planalto terminou ontem a sua primeira etapa, com Dilma a cortar a meta em primeiro lugar, com 41,5% dos votos, com Aécio Neves em segundo, com 33,5%, e com Marina a abandonar a corrida, não indo para lá dos 21,3%. Números tangentes para Dilma e surpreendentes para Aécio, que deixam agora todas as variáveis a fervilhar para a segunda volta.
“Tudo como dantes no quartel de Abrantes?” Pouco provável
Foi uma “guinada espetacular, que aconteceu literalmente na véspera da votação e da abertura das urnas”, destaca a colunista da Folha de São Paulo Eliane Cantanhede, que sublinha o facto de Aécio ter “ressurgido das cinzas”, e mudado todo o cenário eleitoral à última hora, como um indicador de que tudo pode acontecer na próxima votação.
Se Marina Silva, que registou picos de popularidade a meio da campanha, tivesse conseguido o segundo lugar, seria a primeira vez em dez anos que as presidenciais não seriam disputadas por um candidato do PT e um do PSDB. A dicotomia trabalhistas/sociais-democratas há muito que está presente na política brasileira, e se olharmos para a história, o favoritismo é claro para Dilma Rousseff: desde 2002, o PT ganhou sempre ao PSDB, e todos os que chegaram à segunda volta em primeiro lugar foram eleitos. Ou seja, o povo brasileiro não é muito dado a surpresas de última hora. Pelo menos não tem sido. Mas já se percebeu que estas presidenciais de 2014 foram tudo menos lineares, e surpresa foi a palavra mais repetida.
“Não dá para dizer que tudo será como dantes no quartel de Abrantes”, diz a colunista da Folha. Para os analistas que percorrem os jornais brasileiros desta segunda-feira, é preciso ter em conta que Dilma chega bastante mais fraca ao duelo final, tendo registado uma percentagem de votos inferir à que conseguiu em 2010, e inferior às vitórias de Lula da Silva (também PT) em 2002 e em 2006. E o que é que a prejudicou? Para Eliane Cantanhede, os erros do partido trabalhista na economia e o grande sentimento de rejeição face aos políticos, associados à corrupção, foram os principais motivos para a queda de Dilma.
Desafios e incógnitas: São Paulo e Marina Silva
E isso viu-se principalmente em São Paulo, o maior Estado do país – berço tanto do PT como do PSDB e centro empresarial e financeiro do país – que deu 44% de vantagem a Aécio e apenas 26% a Dilma. Num artigo intitulado “Desempenho em São Paulo é o maior desafio para o PT”, a Folha de São Paulo escreve que a campanha de Dilma ficou de facto “preocupada” com o desempenho do adversário naquele Estado, onde se pensava que teria dificuldades – e o desafio agora é tremendo. Para o colunista do Estadão João Bosco Rabello, o cenário de São Paulo é mesmo o “mais preocupante” para a atual Presidente. E as contas não são difíceis de fazer: “A eleição pode ser decidida pelos paulistas, cuja massa de eleitores neutraliza a vantagem de Dilma em toda a região nordeste, embora esta seja bastante ampla”.
O núcleo duro de Dilma, que no domingo tinha ordens para passar uma mensagem de tranquilidade e de que “tudo tinha corrido como o esperado”, já se reuniu no Palácio da Alvorada para definir uma estratégia específica para São Paulo, que deve passar principalmente pelo tema da “corrupção”, que tem desgastado não só a imagem do PT como também do Governo federal, devido sobretudo ao caso da Petrobras.
O plano de ação tem de ser redefinido em tempo recorde, já que o partido de Dilma não teve muito tempo para se preparar para o adversário do PSDB. No Estadão, a jornalista Dora Kramer lembra como, quando ontem começaram a surgir os primeiros resultados a dar vantagem a Aécio, vários foram os deputados do PT que não conseguiram esconder a desilusão. “O caldo vai engrossar”, disseram, segundo a colunista, deixando claro que a preferência do Partido Trabalhista era de que a adversária fosse Marina Silva. Esse seria um cenário demasiado novo (PT vs. PSB), o que poderia afastar os eleitores da mudança e levá-los a optar mais facilmente pela continuidade. Com Aécio, no entanto, o duelo de gigantes partidários repete-se e, sendo a vantagem de Dilma tão curta, deixa tudo muito mais em aberto.
Também decisivo vai ser para que lado vai pender a balança de Marina Silva. A candidata do PSB ficou para trás mas os 21% de eleitores que votaram na ecologista vão ser importantes na votação final. Para que Aécio tenha hipóteses de destronar Dilma, terá de contar com pelo menos dois terços dos anteriores votos de Marina, escreve a Folha.
Mal se soube o resultado, as atenções voltaram-se para a decisão de Marina sobre se vai ou não declarar o apoio a Aécio. Segundo o Estadão, a decisão deverá ser conhecida daqui a um máximo de cinco dias e terá um critério estritamente político. “Temos de pensar no que é melhor para o Brasil”, disse Walter Feldman no domingo à noite, antes de se reunir com Marina e outros companheiros do PSB.
É que, apesar do discurso anti-PT e anti-Dilma de toda a campanha de Marina Silva, dentro do PSB há quem pareça preferir uma aproximação ao PT, como é o caso do próprio presidente do partido, Roberto Amaral. E, claro, os trabalhistas vão concentrar todos os seus esforços a procurar apoio junto do PSB nesta reta final.
Outra hipótese é Marina manter-se neutral e não declarar apoio nem a um nem a outro. A verdade é que, mais do que um apoio do partido, é o posicionamento público de Marina que pode fazer a diferença, já que os eleitores desta candidata mostraram-se nas últimas sondagens profundamente contra os dois partidos do chamado ‘arco da governação’: PT e PSDB. Em todo o caso, o PT de Dilma Rousseff tem motivos para começar a semana preocupado e para apostar todos os trunfos no tempo que resta até ao dia 26.