Bernardo D’Orey Manoel vai dar, este sábado, às 15h00, uma palestra aberta ao público sobre a arquitetura de Raul Lino, na Casa Roque Gameiro, na Amadora. Falecido dois meses depois do 25 de Abril de 1974, Raul Lino foi sendo associado à portugalidade e ao passado da ditadura. Mas isso mudou.

A palestra chama-se “Fundamentos da Arquitetura em Raul Lino”, o mesmo nome do livro que Bernardo D’Orey Manoel lançou em 2012. Há alguns anos que o arquiteto e docente da Universidade Lusíada de Lisboa se interessa pela obra deixada por Raul Lino, arquiteto associado à invenção de uma idealizada tipologia de “Casa Portuguesa”.

“Descobri-o tarde e a más horas, já estava licenciado, já trabalhava, já dava aulas na universidade e nunca me tinha sido dado a conhecer, porque na escola de Belas Artes Raul Lino era tido como o inventor da arte do portuguesinho, do fascismo“, disse ao Observador Bernardo D’Orey Manoel, que tinha planeado estudar Álvaro Siza Vieira. Percebendo que já havia “uma infinidade de estudos” sobre o arquiteto portuense, Bernardo D’Orey Manoel procurou outro desafio. Um acaso colocou-o em São Pedro de Sintra, onde fica a Casa do Cipreste, uma das mais características obras de Raul Lino.

Fã de desafios, estava escolhido o tema para o doutoramento, feito em 2009 “contra ventos e marés”. “Em 1973 foi feita uma grande exposição na Gulbenkian sobre Raul Lino. A maior parte dos arquitetos fizeram um manifesto contra, dizendo que Raul Lino era censor do Estado Novo. Isso marcou muitíssimo”, disse Bernardo D’Orey Manoel. E como o Raul Lino morreu logo a seguir, nunca mais se falou no assunto. “Ficou conotado. O meu doutoramento trouxe de novo um arquiteto que estava queimado, esquecido”.

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Quando terminou, “Raul Lino já estava reabilitado. Depois, Souto Moura teve a coragem de dizer que a Casa das Histórias de Paula Rego [que projetou] era próxima da obra de Raul Lino e isso também ajudou”, contou. Hoje, a portugalidade está na moda.

RaulLino

Raul Lino. ©D.R.

A casa onde viveu o aguarelista Alfredo Roque Gameiro (1864-1935), e onde vai decorrer a palestra, é um exemplo típico do conceito de “Casa Portuguesa”, inspirada na arquitetura popular de diferentes regiões do país. O projeto inicial foi do próprio Roque Gameiro. Mais tarde, o amigo Raul Lino finalizou o trabalho. É ali que está parte do espólio do pintor, mas há outras atrações, como os azulejos de Rafael Bordalo Pinheiro. A palestra realiza-se a propósito da exposição “Alfredo Roque Gameiro: Retorno à Casa da Venteira”, patente na Casa Roque Gameiro até 25 de janeiro de 2015, no âmbito das comemorações do 150.º aniversário do nascimento do aguarelista.

Quem for à palestra vai poder ver “uma série de imagens inéditas e um texto preparado de propósito” para a ocasião, explicou Bernardo D’Orey Manoel, que teve acesso privilegiado ao acervo de Raul Lino, constituído por projetos, livros e muitos textos escritos para o Diário de Notícias. Parte do acervo foi doado à Gubenkian e está acessível ao público.

“Mas eu tive também acesso ao acervo da família, que neste momento está a negociar com a Gulbenkian para que o restante seja também depositado na Gulbenkian com o intuito de ser estudado”.

O docente vai falar sobre os fundamentos do processo arquitetónico de Raul Lino, numa linguagem preparada para quem não é da área. “Quando fiz o doutoramento em Barcelona não tinha como orientador um arquiteto, mas sim um filósofo. Por isso, estou habituado a falar para o público em geral”.

As três casas que Raul Lino projetou para si também vão ser faladas no encontro, por serem paradigmáticas da obra arquiteto, já que foram feitas ao seu gosto, sem condicionamentos de clientes. “A última, na Rua Feio Terenas, é de uma modernidade incrível e quem acha que o conhece dirá que nunca conheceu Raul Lino”, disse Bernardo D’Orey Manoel.

“Ele distinguiu-se na época porque foi revolucionário, trouxe para Portugal uma leitura não francesa dos assuntos porque não é de formação beaux-arts. Na Alemanha é formado por Albrecht Haupt. O que tem de original é o modo como vai buscar as raízes portuguesas e as redesenha. Gosto de o comparar com o Siza Vieira porque ele faz o mesmo na contemporaneidade“. Para o docente, Raul Lino adaptou à contemporaneidade a vida do dia-a dia, desde o início do século XX até ao início dos anos 70 os valores presentes no território português. Mais informações, só na palestra deste sábado, com entrada livre.