Os acidentes acontecem. Este calhou ser no meio da auto-estrada, no regresso de Peniche, já depois de se despedir das ondas, arrumar a prancha e o carro pregar-lhe uma partida e dizer que não andava mais. Foi a namorada de Nicolau Von Rupp que o acudiu e o levou de encontro aos jornalistas que esperavam por ele. Por acaso aconteceu por cá, mas podia ter sido algures bem longe. “O surfista é um nómada”, resume, já a meio da conversa com o Observador, quando diz que ele, e todos os outros, só param “durante um mês no ano inteiro”. No resto do tempo estão “a viajar de um campeonato para o outro ou para uma sessão de ondas grandes algures no mundo”.

É raro os surfistas pararem e mais raro anda ficarem quietos. Os 24 anos de Nicolau mostram-no. E o filho de pai alemão e mãe portuguesa também o quis mostrar, quando durante meio ano andou às voltas pelo mundo, com um cameraman atrás e, “geralmente, sempre com amigos”, à procura de ondas. O resultado está aí, ou vai estar na próxima terça-feira, 16 de dezembro, em Lisboa, no Teatro São Jorge — onde estreará o primeiro de quatro documentários da série “My Road Series”. Este chama-se “One City — From Lisbon to Los Angeles” e, neste caso, fala da onda que liga a cultura do surf entre as duas cidades e, pelo meio, de como é a vida de um surfista profissional. Neste caso, a de Nicolau Von Rupp.

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A vida que, por agora, até o tem mais sedentário. Durante um mês, este de dezembro, mais coisa menos coisa, andará entre Lisboa e a Praia Grande. Sítios de “muitas e boas ondas”, onde se sente “confortável” e nos quais vê a casa na qual a vida pouco o deixa estar. “Ter oportunidade de viajar e fazer aquilo que nós gostamos é uma bênção, mas chega uma altura em que também se torna cansativo. O mais difícil não são as viagens em si, mas o facto de estar longe da família, da namorada e dos amigos”, confessa. São palavras de quem faz o que gosta, mas não deixa de desgostar do “sacrifícios” que, por vezes, lhe aparecem pelo caminho.

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Os tais que, em miúdo, na escola, já imaginava quando via que ainda “nem era aceitável” ver alguém a fazer surf. E a, muito menos, querer ser profissional a fazê-lo. “As pessoas olhavam para mim e perguntavam: ‘A sério, tu queres fazer da vida isto?’ Não me levavam a sério”, recorda. E cá está ele a provar que, afinal, era mesmo coisa séria. “Hoje em dia a história é completamente diferente, com [Garrett] McNamaras, pessoas como o Tiago [Pires], campeonatos do mundo por cá. As pessoas começaram a levar o surf a sério, como o futebol, o ténis ou o golfe”, defende, apesar de reconhecer que, tudo junto, é só o início.

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Um começo pelo qual o Brasil, a Austrália ou o Havai já passaram há muito. Exemplos de terras onde “a cultura do surf já existe há muitos mais anos” do que na Europa. E Portugal, onde há “talento e excelentes ondas, talvez até melhores do que em todos esses sítios”, realça Nicolau, antes de chegar à espuma que ainda arrasta o país para trás e o obriga a remar com mais afinco: “O surf é um desporto novo por cá. Só agora estamos a começar a ter a primeira geração de pai surfista, filho surfista. Algo que existe há vários anos na Austrália, onde já devem ir na terceira geração e talvez o avô já era surfista.”

Até nem é o caso de Nicolau Von Rupp. Os pais e o surf até estavam de costas voltadas e veio “de um background que não tem nada que ver” com a modalidade. “Simplesmente apaixonei-me pelo mar e fui andando”, sublinha. Talvez como Frederico Morais, Vasco Ribeiro (que recentemente se tornou campeão europeu de juniores), José Ferreira ou Filipe Jervis, todos surfistas da mesma geração, amigos, companheiros de viagem e de competição que, aliás, aparecem no primeiro documentário do “My Road Series” de Nicolau.

Sem esquecer Tiago Pires, o “Saca” que ainda é o único português a conseguir qualificar-se para o World Championship Tour (WCT), uma espécie de primeira divisão do circuito mundial de surf. “Viajamos por todos o mundo, temos todos a mesma idade e estamos juntos anos e anos. Damo-nos quase todos muito bem”, assegura, ao falar de “uma grande família”. Mas que não deixa de os ter como “competidores” que por “várias vezes” já se defrontaram “uns aos outros”.

Dentro de água, com uma prancha para fazer manobras a deslizar sobre uma onda e com um júri a avaliar e dar notas, Nicolau diz que acaba por ser “uma competitividade positiva”. Culpa de “tantos momentos em conjunto” já passados, e por passar. E o que Von Rupp espera ter à frente, em 2015, é um salto para o WCT que o veja aterrar entre os melhores surfistas do mundo. Este ano já andou no circuito de qualificação (QS) para lá chegar. “Faço parte do top-100 que neste momento me dá entrada nos eventos Prime [que dão pontos para o ranking]. Subi 40 lugares do ano passado para este. E se o voltar a fazer fico ali tão perto de me qualificar”, explicou Nicolau.

São muitas horas passadas dentro de água. E outras tantas “em casa” ou “no ginásio”, onde Nicolau se prepara “fisicamente para os campeonatos” — para, depois, juntar isso ao lado psicológico, porque “o confronto mental com outros atletas, dentro de água, também é difícil de controlar”. Nos tais heats, os confrontos entre surfistas, onde há “20 minutos de competição em que é cada um por si” e “tudo a zelar para passar à próxima ronda”.

Na terça-feira, 16 de dezembro, na estreia do primeiro documentário, não haverá competição para ninguém. Mas será um dos passos — em conjunto com os resultados e surfistas portugueses a “darem nas vistas a nível internacional” –, para “futuros campeões e atletas que estão para vir” serem aceites e terem espaço para brilhar. Porque, diz Nicolau Von Rupp, há “muita vida para ser feita” no surf em Portugal.