Os dias da justiça: investigações e acusações
Sendo um dos casos que está mais fresco na memória, o caso Sócrates é também um dos mais mediáticos.
Fez este domingo um mês que José Sócrates foi detido e que todo o processo se começou a desenrolar, culminando na detenção e prisão preventiva do ex-primeiro-ministro e também do empresário e amigo Carlos Santos Silva e do motorista João Perna (agora em prisão domiciliária). Mesmo no fim do ano, o processo do Marquês foi o mais marcante do ano – nunca até aqui um primeiro-ministro tinha sido acusado, muito menos preso.
Poucos dias antes da detenção de Sócrates, outro caso ganhava destaque pelo número de dirigentes e altos quadros da Administração Pública detidos no âmbito da operação “Labirinto”, que investigava ilegalidades em relação aos vistos “gold” – uma autorização de residência especial para investidores estrangeiros. Foram detidas 11 pessoas, mas a investigação está longe de terminada.
Entre os 11 detidos estavam dois cidadãos chineses, mas também o diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Jarmela Palos, o presidente do Instituto de Registos e Notariado, António Figueiredo, e a secretária-geral do Ministério da Justiça, Maria Antónia Anes. Uma situação que levou à demissão do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, não porque tivesse implicado no caso, mas porque – como alegou – tinha perdido a autoridade para continuar as funções que mantinha. Foi substituído por Anabela Rodrigues, a primeira mulher a ocupar o cargo.
Entre os casos de justiça que implicam antigos membros do Governo refere-se ainda o processo “Face Oculta” relacionado com uma rede de corrupção que teria como objetivo o favorecimento do grupo empresarial de Manuel Godinho, nos negócios com empresas do setor empresarial do Estado e privadas. Os 36 arguidos – 34 pessoas e duas empresas – foram todos condenados, incluindo Armando Vara, ex-secretário de Estado e ex-ministro PS, José Penedos, presidente da REN, ex-secretário de Estado da Defesa e da Energia, e Paulo Penedos, advogado, ex-dirigente do PS e filho de José Penedos.
Ainda este ano, o advogado Duarte Lima foi condenado a 10 anos de prisão efetiva por burla qualificada e branqueamento de capitais, Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação, foi condenada a a três anos e seis meses de prisão por prevaricação de titular de cargo político, os 10 arguidos do processo das contrapartidas dos submarinos foram absolvidos por falta de provas nos crimes de burla e falsificação de documentos, e Isaltino Morais, depois de um ano detido, saiu em liberdade condicional.
O caso BES também tem dado que falar e escrever, mas a investigação ainda está em curso. Em julho deste ano o Ministério Público acusou três funcionários do BES, por usarem informação privilegiada sobre a EDP para darem lucro ao banco. Foi criado uma comissão de inquérito à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo (GES) onde já foram envolvidos alguns dos envolvidos no processo como Ricardo Salgado, presidente executivo do banco, José Maria Ricciardi, membro do conselho superior do GES, ou Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BES Angola.
Num ano em que grandes casos, originados em investigações profundas, chegaram a tribunal, o sistema informático Citius, que prometia um revolução no sistema judicial, mostrou falhas significativas que condicionaram o arranque do novo mapa judiciário.
Primeiro as semanas sem aulas, agora as aulas de compensação
No mesmo mês em que o programa Citius devia arrancar e não arrancou, pelo menos não totalmente, também o sistema de atribuição de colocações a professores falhou, causando um dos inícios de ano letivo mais conturbados de sempre. Os pais não entendem como ao fim de tantos anos ainda não foi possível encontrar uma forma estável de colocar os professores para que todos os alunos tenham os respetivos docentes quando começam as aulas, em setembro. O sistema que pretendia ser mais célere, acabou por ser ensombrado por problemas na plataforma e à anulação do primeiro concurso. A atividade letiva completa só chegou a todos os alunos dois meses após o início das aulas.
No mesmo dia em que o ministro da Educação e da Ciência, Nuno Crato, apresentou um pedido de desculpas no Parlamento, o diretor-geral da Administração Escolar, Mário Agostinho Pereira, apresentou a demissão. Mais tarde também o secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, João Grancho, se demitia depois de ser acusado de alegadamente ter plagiado trabalhos académicos num seminário.
Sem conseguir dar solução aos problemas que se acumulavam, o Ministério da Educação acabou por passar a responsabilidade do processo de contratação para as escolas, que também se viram a braços com problemas de atualização das listas dos docentes candidatos, com os próprios contactos e confirmações de dados, já que em teoria o sistema permitia que todos os professores concorressem a todas as escolas abrangidas pela Bolsa de Contratação Escola (cerca de 300).
Mesmo agora, a situação está longe de estar normalizada. Jorge Ascensão, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, diz mesmo que o atraso pode levar dois a três anos a recuperar, já que as escolas se veem “na contingência de escolher os alunos” que têm aulas de compensação, optando por apostar nos anos em que há exames (4.º, 6.º, 9º e secundário).
Ao problema das colocações junta-se a avaliação dos professores que têm sido marcadas por protestos, greves e boicotes.
O maior surto de ébola e o terceiro maior surto de Legionella
Não foram só os casos de justiça e educação a dominar a atenção dos meios de comunicação social, a saúde esteve em destaque sobretudo com os surtos de ébola e Legionella, tendo o segundo provocado praticamente eliminado o ébola dos media nacionais devido à proximidade.
Desde o início de novembro, quando foi detetada a bactéria Legionella até dia 15 de dezembro havia registo de 375 pessoas infetadas, muitas com sintomas semelhantes ao de uma pneumonia, das quais 12 acabaram por morrer. A fonte da contaminação aérea foi uma torre de arrefecimento da empresa Adubos de Portugal, no concelho de Vila Franca de Xira. A empresa continua fechada sem data prevista para a reabertura e poderá vir a ser acusada de um crime ambiental ou de negligência consoante o resultado da investigação criminal em curso.
Apesar do elevado número de doentes internados, os serviços de saúde conseguiram dar uma resposta positiva e concertada a este problema. Situações inesperadas ou de elevada exigência clínica, como a infeção por Legionella ou como a possibilidade de migração de casos de ébola para fora de África, obrigam à preparação dos profissionais de saúde. Em Portugal, foi criada a Plataforma de Resposta à Doença por Vírus Ébola, com o objetivo de “detetar precocemente casos importados, impedir ou minimizar a ocorrência de casos secundários e de cadeias de transmissão da doença, bem como definir, divulgar e operacionalizar um plano de resposta, com orientações e protocolos de atuação”.
O atual surto de ébola começou no final do ano de 2013, com a primeira morte de uma criança de dois anos numa aldeia da Guiné-Conacri. A criança contaminou os familiares, que acabaram por contaminar outras pessoas noutras localidades. Entre fevereiro e março o número de mortes começou a aumentar e a Organização Mundial de Saúde foi alertada. Neste momento já morreram mais de cinco mil pessoas Serra Leoa, Guiné-Conacri e Libéria que levou a organização a decretar o estado de emergência de Saúde Pública de âmbito internacional para uma doença que está aparentemente fora de controlo nestes países.
Artistas e criativos portugueses distinguidos pelo mundo
Este ano, as áreas que somaram maior reconhecimento fora de portas, através de prémios, galardões, distinções e insígnias, foram a música, a arquitetura, o cinema, a ilustração e o património. O fadista Carlos do Carmo, o realizador Manoel de Oliveira e a ilustradora Catarina Sobral figuram entre os portugueses que viram o trabalho artístico ser reconhecido a nível internacional ao longo de 2014.
A música
O fadista Carlos do Carmo com um “contributo criativo de excecional importância artística” nos 51 anos de carreira recebeu em novembro o Grammy Latino de Excelência Musical. Enquanto a também fadista Mariza, considerada uma das mais internacionais vozes do fado, conquistou o prémio Womex 2014 por ter alcançado “novos patamares artísticos”.
O músico Rodrigo Leão foi distinguido pela associação norte-americana de autores, compositores e editores, pela banda sonora do filme “O mordomo”. O músico José Mário Branco recebeu o Prémio Tenco, de Itália, e o maestro António Victorino d’Almeida foi condecorado com as insígnias de Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras de França.
O cinema
O cineasta português de 106 anos, Manoel de Oliveira recebeu em dezembro as insígnias de Grande Oficial da Legião de Honra de França – uma das maiores distinções da república francesa -, país que sempre estimou a cinematografia do cineasta português, para “recompensar uma personalidade e uma carreira fora do comum”.
Um “Leopardo” de melhor realização no Festival de Cinema de Locarno e o Prémio da Federação Internacional de Cineclubes para o novo filme de Pedro Costa – “Cavalo Dinheiro”. Destaque ainda para “Alentejo, Alentejo”, de Sérgio Tréfaut, premiado na Colômbia, “A campanha do Creoula”, de André Valentim de Almeida, que venceu o prémio Doc Alliance 2014, para “The trail of a tale”, de Gonçalo Tocha, distinguido pelo Banco Mundial, “Luminita”, de André Marques, foi premiado na Grécia, “Metáfora ou a tristeza virada ao avesso”, de Catarina Vasconcelos, em França e “Pecado Fatal”, de Luís Diogo, no Canadá e na Croácia.
A nível nacional foram entregues um total de 51 prémios, entre eles Joaquim Leitão recebeu o Sophia para Melhor Realizador pelo filme “Até amanhã, camaradas”, enquanto “A última vez que vi Macau”, de João P. Rodrigues e João Guerra da Mata, foi distinguido na categoria de Melhor Filme.
A ilustração e a fotografia
Na ilustração, os holofotes centraram-se em Catarina Sobral, Marta Monteiro, João Fazenda e André Letria. Catarina Sobral venceu em março o prémio internacional de ilustração, de 20 mil euros, atribuído pela Feira do Livro Infantil de Bolonha, em Itália, com o livro “O meu avô”. Marta Monteiro e João Fazenda foram premiados pela publicação norte-americana Communication Arts, enquanto André Letria foi distinguido pela revista norte-americana 3×3 com duas medalhas de prata.
Este ano o Grande Prémio Press Cartoon Europe também foi atribuído a Portugal, para o cartoonista Rodrigo de Matos, que venceu com um trabalho que faz referência à crise económica e ao apuramento de Portugal para o campeonato do mundo que decorreu no Brasil.
Uma fotografia de um incêndio que atingiu em 2013 a Serra do Caramulo, valeu ao fotojornalista Nuno André Ferreira o primeiro prémio da Aliança das Agências de Notícias do Mediterrâneo.
E muitos outros
Mais de cem criadores, em diferentes áreas da Cultura e das Artes, viram o seu talento distinguido em 2014, ano em que se entregaram mais de 150 galardões de âmbito nacional. A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) distinguiu 23 personalidades das mais diversas áreas, do Bailado à Literatura, passando pela Música, a Rádio e o Teatro, entre outras.
A escritora Lídia Jorge recebeu o Prémio Luso-Espanhol de Arte e Cultura, atribuído pelos governos de Portugal e Espanha, e o poeta brasileiro Alberto da Costa e Silva foi distinguido com o Prémio Camões, no valor de 100 mil euros, promovido pelos governos de Lisboa e Brasília.
A jornalista e escritora Maria Teresa Horta, de 76 anos, recebeu o Prémio de Consagração de Carreira, Ana Margarida de Carvalho recebeu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE), pelas obra obra “Que importa a fúria do mar”, e o prémio Leya foi para o romance de estreia do jovem de 24 anos Afonso Reis Cabral, “O meu irmão”.
Na área de Ensaio foram atribuídos 15 galardões, nove pela Academia Portuguesa da História, entre eles, o Prémio Lusitânia, no valor de dois mil euros, que galardoou a obra de Giuseppe Marcocci e José Pedro Paiva, “História da Inquisição Portuguesa (1536-1821)”.
Ao longo do ano foram distinguidas personalidades noutras áreas como o Teatro, com Raul Malaquias Marques a vencer o Grande Prémio SPA/Teatro Aberto pela peça “Ao vivo e em direto”, que vai estrear em 2015, na arquitetura, fotografia e artes plásticas.
O Museu do Caramulo, no concelho de Tondela, na Beira Alta, recebeu o Prémio Vilalva, no valor de 50 mil euros, atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian, pela “relevância, oportunidade e qualidade” do projeto de requalificação, da responsabilidade do ‘atelier’ da arquiteta Teresa Nunes da Ponte.