Dar à luz por cesariana. Há muitos séculos que há registo desta forma de nascer. Talvez milénios. No passado longínquo, quase sempre para tentar retirar uma criança viva do útero de uma mulher que morrera. Hoje para salvar o feto, ou a mãe, ou ambos. No caso da mulher do fotógrafo Christian Berthelot foi para salvar ambos e essa experiência marcou-o tão profundamente que quis saber mais, e depois quis fotografar tudo. É assim que, no seu site, ele recorda a experiência de ver pela primeira vez o seu filho, ainda ensanguentado, ainda recoberto de uma substância esbranquiçada a que chamam verniz caseoso: “Era como se fosse um guerreiro que acabara de ganhar a sua primeira batalha, como um anjo saído das trevas. Que felicidade ouvi-lo chorar”, escreveu o fotógrafo.

40 cesarianas depois, Berthelot tem uma obra para mostrar. Obra que vai poder ser apreciada no Festival Circulation(s), um festival dedicado à jovem fotografia europeia que decorrerá no Centquatre, em Paris (rua Curial, nº5), de 24 de janeiro a 5 de março.

Mas chegar aqui não foi fácil. O projeto de fotografar crianças nascidas de cesariana levou tempo a amadurecer e acabou por ser desenvolvido em conjunto com um médico obstetra, Jean-Francois Morievnal, também ele apaixonado por fotografia e levou muito tempo a preparar. Berthelot teve de estudar tudo sobre este tipo de partos, teve de aprender a movimentar-se na sala de operações, teve de convencer o pessoal médico e, sobretudo, teve de cativar as mães que iriam dar à luz.

Quando todas estas barreiras foram vencidas, ficou a faltar a prova de fogo: testemunhar e fotografar. No dia em que isso aconteceu, quando o chamaram para uma cesariana que estava marcada, Berthelot, tal como contou à Slate, pensou que estava a viver de novo a experiência do nascimento do seu filho, quando a sua mulher for a levada de urgência para a mesa de operações.

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“Estava lá toda a equipa”, contou o fotógrafo. “O médico olhava-me pelo canto do olho para ver como eu ia reagir, como se eu pudesse fraquejar ou fugir dali. Escondi-me por trás da câmara e fiz o meu trabalho”.

A pouco e pouco Berthelot foi apurando a sua forma de fotografar, acabando por concentrar-se nas crianças e procurando captar os seus primeiros segundos de vida. O resultado são imagens muito cruas, muito autênticas, imagens que o autor sabe que podem chocar algumas das pessoas que as veem.

“Eu sei que há pessoas que reagem muito mal, que acham nojento, pessoas que me dizem que não tenho o direito de mostrar as crianças com todo aquele sangue”, disse ele também à Slate. “Algumas até me disseram que as fotografias não eram reais, que não eram verdadeiras, o que é absurdo. Os bebés não vêm ao mundo num cesto, pousados numa cama de rosas. Por outro lado, há os que ficaram fascinados. A esses eu dou a oportunidade de observarem de perto a violência do nascimento. Por fim também houve os que, como a minha mulher, que me encorajaram, porque afinal nascer de cesariana é uma bonita forma de nascer”.

De resto, conta no seu site, a sua ambição foi a de “longe dos clichés e das banalidades, mostrar como é que nós somos quando nascemos”, pois nesse momento “todos estamos nus, imersos no sangue das lágrimas e outros líquidos orgânicos”.