No passado sábado, a barbearia Figaro’s, em Lisboa, foi em protesto invadida por um grupo autoproclamado feminista. A ação, noticiada pelo Observador e captada em vídeo, surge poucos meses depois dos primeiros sinais de indignação popular contra aquilo que muitos intitulam de atitude misógina: na Figaro’s não entram mulheres.
À porta da Figaro’s há um cartaz que tem incomodado muita gente. Um cartaz onde fica claro que o direito de admissão é reservado e que exclui o público feminino, apesar de contemplar o público canino. O que até aqui ninguém parece ter dito é que a Figaro’s não é pioneira nesta matéria. A recuperação do espírito das velhas barbearias americanas (com serviços exclusivos para cavalheiros e barber pole à entrada) não nasceu na Rua do Alecrim. Em Roterdão existe há quatro anos uma barbearia que inspirou a Figaro’s e muitas outras em todo o mundo. E que tem à porta, precisamente, o tal cartaz.
Os anos mais recentes viram renascer por todo o mundo o culto do barbeiro de inspiração clássica – dos cortes de cabelo saídos das primeiras décadas do século XX às técnicas ancestrais de cuidar da barba, como o corte com navalha e toalha quente no rosto. E se é difícil atribuir paternidade oficial a esta nova vaga de tratadores do pelo, não é complicado nela reconhecer a responsabilidade da Schörem Haarsnijder en Barbier, em Roterdão.
Schörem, em inglês, é “scumbag”. Numa tradução livre para português, corroborada pelo Google Translate, é “escumalha”. Foi este o elegante nome com que Leen e Bertus, barbeiros desde os 14 anos, batizaram a barbearia que em 2011 abriram em Roterdão, a segunda maior cidade holandesa. Reza a lenda que com um plano de negócio escrevinhado nas costas de bases para copos de cerveja. Hoje apresentam-se como uma equipa de 14 barbeiros (entre ex-presidiários e ex-estivadores, por exemplo) e foram obrigados, no ano passado, a mudar para um espaço maior para reduzir o número de clientes que todos os dias ficava à porta sem conseguir amanhar as pilosidades.
O facto de atender por ordem de chegada, não aceitando reservas ou marcações, não demove homens de literalmente todo o mundo de procurar o que a Schörem tem para oferecer por preços a partir de 33 euros: um número assumidamente limitado de cortes de cabelo (dos pompadours aos flat tops, dos slickbacks aos psycho quiffs, passando pelo especial da casa, o scumbag boogie, sem lugar para cabelos compridos) exibidos em cartazes que atualmente adornam paredes de barbearias em todo mundo; um espaço onde tranquilamente se fuma e se bebem bebidas alcoólicas, onde se ouve rock’n’roll e aparentados e onde podem tranquilamente ler-se revistas em que se privilegia a nudez feminina. Chamam-lhe “old school men-only barbershop” e, como é fácil de perceber, as mulheres não entram. Não são, a este respeito, conhecidas acusações de misoginia à barbearia.
A juntar a um estabelecimento muito bem-sucedido entre cavalheiros de todas as proveniências, Leen e Bertus exibem hoje um portfólio que vai para lá das tesouras, das máquinas de cortar, dos pentes, das navalhas e dos secadores. Além de merchandising alusivo à barbearia, em que se inclui um DVD com os seus cortes clássicos que custa a módica quantia de 75 euros, criaram e comercializam a sua marca de pomada para o cabelo, Reuzel (banha de porco, em português) e organizam o Scumbash, um festival em que (sub)culturas urbanas, das tatuagens ao rock mais marginal, se encontram em serões particularmente agitados. Sem perder, no entanto, a noção do essencial: contribuir para o bom aspeto de todos os “greasers, rockers, bikers, psychobillys, ruffians and other fine gentleman scumbags” que os procuram.