Podia ter sido fácil, mas não o foi. Na época, aliás, era difícil sê-lo. Levou com cuspidelas, ouviu adeptos a pedirem-lhe para mostrar a cauda e, às tantas, até lhe diziam para regressar a África. Assim se pintou o cenário não uma, duas ou três vezes. Foram muitas e, com o tempo, teve de aprender a lidar com o racismo que, na altura, ainda infetava mentes nos EUA, como uma epidemia. Chegou ao ponto de Earl Lloyd ser impedido de entrar em hotéis ou restaurantes com os homens que, com ele, partilhavam equipa.

Não foi o único, à época, a fazê-lo: outros três homens viveram coisas semelhantes. Mas coube a Earl o feito de, a 31 de outubro de 1950, ser o primeiro negro a jogar na NBA, a liga profissional de basquetebol norte-americano. Homem que, na quinta-feira, morreu aos 86 anos, com vida e carreira marcadas por ter aberto a porta de entrada aos jogadores afro-americanos na NBA — que, na altura, tinha tanta popularidade no país como o basebol tem hoje em Portugal. Ou seja, muito pouca.

A liga só existia há cinco anos e nela viam-se apenas homens brancos de pele. Por isso, e ainda antes de pisar os courts, Earl começou a erguer sobrolhos de surpresa quando, à 9.ª ronda do draft — processo no qual os clubes escolhem jogadores do campeonato universitário –, foi contratado pelos Washington Capitols.

Nisto não foi o primeiro. Antes, logo na segunda ronda do draft, já Chuck Cooper aterrara nos Boston Celtics. Depois, Nat “Sweetwater” Clifton chegaria aos New York Knicks, e Hank DeZonie iria para os Tri-Cities Black Hawks. Mas a obra e a graça do calendário fizeram com que Earl Lloyd se tornasse no primeiro negro a aparecer num jogo oficial da NBA — porque os Capitols jogaram dias antes de tanto os Celtics ou os Knick o fazerem. Lloyd, então com 22 anos e 2 metros de altura, marcou seis pontos e terminou a partida com dez ressaltos ganhos, apesar da derrota (78-70) sofrida contra os Rochester Royals. “Se houvesse um sítio perfeito para me estrear, seria mesmo em Rochester, Nova Iorque. Lá, com neve e durante o inverno, ninguém odiava ninguém“, chegou a brincar, ao falar da sua estreia.

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O próprio Lloyd acreditava que tanto ele como Clifton, Cooper ou DeZonie chegaram à NBA mesmo culpa do acaso. “Acho que não nos escolheram propositadamente. Nem sequer fizeram uma análise extensa ao nosso background para garantirem que éramos o tipo de pessoas certas”, chegou a dizer, em 2008, numa entrevista ao Boston Globe. Verdade ou não, Earl assinaria o primeiro contrato profissional com os Capitols, que então lhe valeu um salário de 4.500 dólares, algo como uns atuais 4.000 euros. Até aí, contou o mesmo jornal, quase nunca interagira com pessoas brancas.

Seis anos após se estrear, em 1955/56, Lloyd conquistaria o título da NBA, com os Syracuse Nationals, equipa que daria origem aos atuais Philadelphia 76ers. Jogaria mais três épocas, sempre como poste, até 1959, quando tinha 31 anos nas pernas e braços. Acabou a carreira com uma média de 8.4 pontos, 6.4 ressaltos e 1.4 assistências por jogo. Fez 560 jogos e marcou mais de 460 pontos. E tudo começou quando a NBA ainda estava a sair da toca. “Em 1950 parecíamos uns bebés no bosque. Não diria que passássemos despercebidos, mas não havia o tipo de cobertura que a Major League Baseball (MLS) tinha”, lamentou Lloyd, antes de confessar, também, que nunca chegou a enfrentar um racismo nas mesmas doses que o então desporto mais popular nos EUA atirou contra Jackie Robinson.

Porque antes de Earl se aventurar no basquetebol, já um negro chegara, em 1947, a um desporto dominado por brancos. “Fico honrado por me compararem com ele, mas não há sequer comparação. Ele foi um homem que fez tudo sozinho, e agradeço a Deus por [Jackie] ter tido uma mulher inteligente que o amava. Se não tivesse a Rachel, não imagino o que lhe teria acontecido”, explicou, ao falar do homem que, com os Brooklyn Dodgers, se tornou no primeiro negro a jogar na liga profissional norte-americana de baseball.

As comparações ao homem que começou a lutar contra o racismo com um taco na mão foram frequentes ao longo da vida de Earl Lloyd. “Quando vou discursar a liceus às vezes digo: ‘Se querem um projeto, vão ao computador, ao Google, escrevam o nome de Jackie Robinson e vejam o que vos aparece'”, argumentava, justificando-se com o facto de “nunca” lhe ter acontecido algo que o primeiro negro no basebol teve de enfrentar — “os teus companheiros de equipa não quererem jogar contigo. O basquetebol e a NBA também não abundavam em simpatia, mas “os jogadores já estavam habituados a equipas integradas” a nível universitário. “A mentalidade era diferente. Mas, claro, a equipa ficava e comia em sítios onde eu não era bem-vindo”, admitiu Lloyd, ao Washington Post.

Nada que alguma vez o travasse. A ele e aos restantes quatro que, em 1950, começaram a desbravar o caminho que, se hoje é preenchido por craques como LeBron James, Kevin Durant, Kobe Bryant, Derrick Rose, Blake Griffin, Dwayne Wayde e Carmelo Anthony, o devem em muito à geração de Earl Lloyd.

A NBA é dominada por jogadores negros, uma supremacia que nem sequer é de agora, e para isso bastar escrever nomes como Michael Jordan, Magic Johnson, Wilt Chamberlain e Kareem Abdul-Jabbar. E não foi só a jogar, nos courts, que Earl Lloyd foi o precursor — também seria o primeiro afro-americano a treinar uma equipa da NBA, quando chegou aos Detroit Pistons, em 1971. Anos depois, em 2003, seria introduzido na Hall of Fame (Quadro de Honra) da NBA.