Zakia tem 19 anos e Mohammad Ali tem 21 anos. São ambos filhos de agricultores que vivem em Baiman, uma província do Afeganistão. Amam-se e querem casar, mas pertencem a etnias diferentes. Mohammad Ali é Hazara, muçulmano xiita. Zakia é Tajik, muçulmana sunita. Portanto, o amor deles não pode continuar.

A história começou em março de 2014. Assim que a família dela soube da vontade de casar, investigou o noivo. Casamento proibido. Mais do que isso: Zakia tinha desonrado a família e, por isso, teria de morrer. A rapariga refugiou-se num abrigo e, apesar de já ser adulta, o tribunal ordenou que Zakia voltasse para a família. Ela recusou porque, se voltasse, “eles matavam-me mesmo antes de eu chegar a casa”.

Nos sítios rurais do Afeganistão, como em Balmain, ainda são as tradições sociais que orientam a escolha do noivo ou da noiva. Quem não seguir o que é suposto terá de morrer por uma “questão de honra”. No Afeganistã a maioria dos casamentos ainda são arranjados pelos pais das noivas. Mesmo no caso de já serem adultos, os tribunais afegãos podem invocar a Shariah que justifica a autoridade parental.

Um ano depois

Mohammad e Zakia fugiram mas voltaram agora ao Afeganistão. Depois das acusações e das ameaças de morte, conseguiram resolver as questões legais e casaram. A família dele aceita o regresso, a família dela não. O New York Times conta que o rapaz trabalha nos campos da família e, enquanto trabalha a terra, segura uma pistola no bolso. Tem um cão de guarda à frente da casa. Tudo por uma questão de proteção: os pais dela ameaçam matar a filha e o agora marido. Acusam Mohammad de pedofilia e dizem que a filha já tinha casado com um homem — um homem “que ela nunca conheceu”. Escolhido, claro, pelo pai.

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Hoje são três em casa. Ele trabalha na agricultura, ela está em casa por segurança depois de o pai e o irmão terem dito publicamente que a esperavam para a matar. Está em casa, mas não está sozinha: está com a filha Ruqia. No ano que passou, entre viagens constantes para locais mais seguros, a gravidez foi marcada pela tensão. Os cuidados médicos em Yakawlang eram fracos, por isso teve de se esconder em Cabul. Agora, Ruqia já está nos braços dos pais.

O chefe da polícia de Bamian diz estar atento ao “risco” que o casal corre. “Desde que eles voltaram que nós estamos atentos”, referiu Mohammad Ali Lagzi. Mas as garantias são poucas e as condições económicas ainda menos. O desejo de Zakia é que a filha possa estudar e ter mais conhecimentos que os pais. O pai da bebé assegura: “uma coisa é certa, ela é que vai escolher o marido”.

Reza Farzam, professor numa universidade afegã, sintetiza a realidade. “Uma história de amor verdadeiro no Afeganistão” está condenada a ser “uma história de morte”. Mohammad Ali diz: “Eu sei que viver isto é um grande risco, mas não temos alternativa”. Porque a regra, para eles, é viver o amor.