Braços pegam-lhe, erguem-no no ar e abanam-no com entusiasmo. O tum-ba-la-lão ouve-se alto e bom som e o eco corre pela praia e pelos ouvidos de quem está a assistir. Este sino é especial e poucos o podem obrigar a tocar — só um homem e uma mulher, por ano, o fazem. E o que se chama a um privilégio que se repete por três vezes? Perguntem a Mick Fanning, o australiano loirinho, de pele esquálida e voz grave que, na madrugada desta quinta-feira, levou para casa o quarto exemplar do sino que uma praia do circuito mundial de surf entrega a quem melhor se safar por ali.
E já é hábito que este homem dê nas vistas em Bells Beach (daí o nome), praia de águas frias, no sudoeste da Austrália, nas redondezas de Melbourne, onde se realizou a segunda etapa do circuito mundial. Mick conhece bem a praia. Não lhe pode chamar casa, pois nasceu a uns 900 quilómetros dali, mas tinha 14 anos na primeira vez que lá foi surfar e ver surfar. Era um miúdo, como ainda o era em 2001, quando ganhou o primeiro título nas direitas (ondas em que o surfista desliza para esse lado da onda) de Bells Beach. Tinha 20 anos.
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Hoje, com 33 e já com três campeonatos do mundo no bolso, voltou a ganhar. Como o fizera também em 2012 e 2014. Desta vez conseguiu-o a custo. Porque a natureza resolveu não ajudar, fez birra com as ondas e nem sempre as deixou funcionar, com vento a mais e ondulação a menos. Mick Fanning até perdeu na primeira onda e só continuou em prova graças à repescagem na segunda. Foi o alarme que precisava. Depois só parou na final onde, de novo, também chegou um brasileiro — Adriano de Souza, de 28 anos, que sucedeu a Filipe Toledo, de 19, que vencera a primeira etapa do circuito em Snapper Rocks, também na Austrália.
E não foi nada fácil porque Fanning demorou quase 18 minutos até apanhar a primeira onda e, passada meia hora — duração das baterias um contra um do surf –, havia um empate. Ambos tinham 15.87 de pontuação (numa escala de zero a 20) e o desempate caiu para o lado do australiano porque surfara a melhor onda da final (8.17, de zero a 10). “Estava sentado na prancha a imaginar qual era o resultado [da última onda surfada por Adriano] e os juízes deram-lhe 7.77. Pensei: ‘Estão a brincar comigo?’”, admitiria Mick, ciente, quando estava na água, de que o brasileiro precisava de um 7.78 para ser campeão.
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O australiano acabou a sorrir e a tocar o sino. E mais: igualou o número de vitórias em Bells Beach de Kelly Slater, homem dos 11 títulos mundiais, e de Mark Richards, outro australiano que ali vencera entre o final dos anos 70 e o início da década de 80. “Nunca me coloquei na categoria desses nomes. À medida que vamos envelhecendo ficamos um pouco mais sentimentais. Tentas absorver todos estes momentos”, revelou, no final, após cair de joelhos e encolher a cara no peito, pouco antes de, no topo do palanque, na praia, receber o sino e abaná-lo pela quarta vez.
Terá que absorver rápido a conquista pois o circuito não vai parar muito tempo. A 15 de abril arrancará em Margaret River, outra praia de ondas australianas, na terceira etapa. O que Mick Fanning sabe é que, por enquanto, fica sentado no topo do ranking da World Surf League, com os mesmos pontos de Filipe Toledo. E o campeão do mundo? Gabriel Medina recuperou e subiu ao nono lugar, fruto do 5.º posto que já o ajudou a recuperar do desastre na primeira etapa (13.º). Agora é tempo de o sino ficar quieto durante mais um ano.