Arraiais populares
“Vira o disco e toca o mesmo”. A expressão encaixa que nem uma luva nos arraiais populares de Lisboa. Sendo que, neste caso, não há nada de pejorativo nessa aplicação. A música não muda e ainda bem que assim é. Até porque segundo outra expressão, esta de origem anglófona, “if it ain’t broke don’t fix it“. Ou seja, que não se conserte o que não está partido. E os arraiais populares lisboetas estão longe de o estar.
(Se mesmo assim não lhe interessa a tradição e não quer saber quem é o pai da criança, carregue aqui e vai ter diretamente aos arraiais alternativos.)
Por exemplo, a música não muda há mais de uma década no arraial do Marítimo Lisboa Clube, na Bica. Os Pão Com Manteiga, banda especializada em reproduzir a nata do cançonetismo popular, de Quim Barreiros a José Malhoa, são presença assegurada nas noites de 12 e 13, no palco instalado na Calçada da Bica Grande. Não é esse, contudo, o único arraial do bairro — no largo de Santo Antoninho é o Grupo Desportivo Zip Zip que providencia animação e alimento, estendendo a festa até à vizinha Rua dos Cordoeiros.
Quem não conseguir (ou quiser) descer até ao centro da Bica pode sempre ficar no arraial dos Santos de Santa, a cargo dos escuteiros do Agrupamento 48 de Santa Catarina. A festa, mais abrigada que noutras paragens, dá-se no Páteo dos Tanoeiros, junto à Igreja de Santa Catarina, na Calçada do Combro. Na noite de 13, sábado, o músico Henrique Fuzeta repete a atuação de anos anteriores.
Da Bica para Alfama, a festa torna-se ainda mais tradicional, por difícil que seja. No bairro vencedor das marchas populares em 2014 não há recanto que não seja aproveitado para vender sardinhas, cerveja ou manjericos, não necessariamente por esta ordem. O epicentro das festividades é o Largo de São Miguel, e a organização está a cabo da Associação Recreativa Amigos de São Miguel.
Seguindo a multidão em direção ao castelo, destaque para a festa na Rua de São Tomé, junto às Portas do Sol, de um lado da encosta, e para as Sardinhas Achadas, nas escadinhas homónimas, do outro. Este último arraial é típico em tudo, do cenário à frequência, exceto na música, assegurada, na noite de 12, por DJ sets e pela brasileira Nega Jaci. Já na Mouraria, encontra-se um ambiente mais bairrista, mas nem por isso menos animado: no Largo da Severa e ruas adjacentes vai ouvir-se, na noite de 12 para 13, o órgão e a voz de Nélio Pinto, na festa organizada pelo Grupo Desportivo da Mouraria.
Noutra colina de Lisboa, a da Graça, é o arraial da Vila Berta quem mais ordena no que à fama diz respeito. Tem sido assim nos últimos anos, fruto de uma organização cada vez mais profissional que inclui cocktails da Ás de Copos ou gelados Santini. Na noite de sexta-feira, será possível dançar ao som da dupla Nélio e Sérgio, também conhecida por Astros. Na vizinha Voz do Operário, cumpre-se a tradição com o arraial Beco de Lisboa, que guardou uma noite de fados para sábado.
Fora do centro histórico da cidade, não deixam de haver algumas propostas bem interessantes. O estreante Arraial de Santo António da Praça da Alegria é uma boa opção para quem procura zonas mais desafogadas. Com direito a um imponente porco no espeto e, na noite de sábado, a um concerto de um dos ícones nacionais da música ligeira, o setubalense Toy. Em Arroios, a festa, organizada pelo Atlético de Arroios, anima a rua homónima, “da ponte até ao pátio”, como dizem, entre as 19h00 e as 02h00, na sexta e no sábado. Destaque ainda para os arraiais de Campo de Ourique (com organização d’Os Combatentes) e Carnide (cortesia do Carnide Clube), cuja tradição pouco fica a dever a outros bem mais afamados e concorridos.
Resumindo, a escolha é vasta e está dispersa pela cidade. Tão dispersa, aliás, que é melhor usar o mapa abaixo para se orientar e escolher o bairro que irá gritar que é lindo/a nas próximas noites.
Arraiais alternativos
Discute-se tanto se o Santo António é de Lisboa ou de Pádua, mas um dos arraiais da cidade põe as coisas noutros termos: o Santo António é Goês. O que é que isto quer dizer? Não, não são mais achas para a fogueira, é uma festa organizada pelo restaurante de Jesuslee Fernandes, Jesus é Goês, que promete tomar conta da Rua de São José a partir das 16h00. Há mais de dez DJs no cartaz, em sets tão variados que até já se falou em folclore transmontano, e apesar das bifanas e bebidas serem garantidas, com imperial a 1€ e bebidas brancas a 4€, com sorte ainda apanha uma das famosas chamuças do restaurante, coisa para o deixar sem saudades das sardinhas.
No campeonato dos arraiais alternativos da cidade, nenhum será tão internacional como o Arraial Mundial. O bailarico que a associação Renovar a Mouraria leva ao Beco do Rosendo — e que vai continuar a levar até dia 28 de junho — é feito ao som das músicas do mundo. De Cuba à Bielorrússia, passando pela Gâmbia, são mais de uma dúzia os países que vão pisar o palco improvisado com as personagens típicas da cidade desenhadas em fundo. O objetivo é mostrar o que é “a Mouraria dos nossos tempos”, como diz a organização: “um bairro típico de Lisboa, com sardinhas, marchas e manjericos, e uma diversidade cultural única, com imigrantes de mais de 51 países”. É coincidência, mas as chamuças também fazem parte da ementa, lado a lado com as sardinhas, sendo que a noite de 12 de junho acaba por ser a mais portuguesa de todas, com os clássicos retro pimba a cargo dos Telefonia.
Do outro lado do Castelo, o Santiago Alquimista deixa o afrobeat dos Makossa começar a festa. E como se espera que a dita seja grande, o arraial vai estar montado na rua, em frente ao número 19 da Rua de Santiago.
Noutro bairro popular, e concorrido, a noite de Santo António é também tudo menos típica. A Sagrada Família, em Alfama, sobe a temperatura com o Santo Tropical, uma festa regada a caipirinhas, mojitos e sangria, onde as sardinhas dão lugar a sandes de cachaço, fruta fresca e pastéis com diabo dentro (pastéis de atum picantes típicos de Cabo Verde). A tratar da música estarão os DJs habituais da casa.
Tropical ou vertical? No Largo do Intendente, ganham ambos, em mais uma noite a cabo da Red Bull. O Santo Vertical volta a subir a uma fachada da praça com concertos de peso nas varandas e uma cenografia inspirada na selva. Poderá ser uma selva conseguir lugar, sobretudo tendo em conta que do cartaz fazem parte, entre outros, Branko, dos Buraka Som Sistema, Maga Bo, que vem mostrar como é o hip hop que se faz no Brasil, e Richie Campbell. Para além da banda sonora alternativa, há também uma novidade gastronómica: o hambúrguer de sardinha feito pelo Prego na Peixaria.
Se o seu objetivo é comer, fixe estes dois nomes: Adlib e Bastardo. Não são arraiais mas sim restaurantes, e ambos têm menus especiais nesta altura do ano. No Bastardo, que trata das refeições do Internacional Design Hotel, a imaginação começa no nome, “Um Cheirinho a Santos Populares”, e continua nos pratos que misturam sardinha e bacalhau, pato e caracóis, e que conseguem transformar a feira popular numa sobremesa feita de algodão doce, maçã do amor, pipocas e churritos.
No Adlib, com esplanada montada na Avenida da Liberdade e vista privilegiada para o desfile das marchas, a “Quinzena dos Santos Populares” propõe um menu onde o manjerico é transformado em caldo verde e a sardinha é servida com carvão falso, entre outras propostas. A degustação custa 20€ ao almoço e 35€ ao jantar, e está disponível até dia 21 de junho.
Cuidado com a festa na noite de 12, guarde forças para o dia de Santo António propriamente dito. O conselho é valioso quando se olha para o cartaz do Santos no Village, o arraial que o Village Underground recebe dia 13, a partir das 20h00, e que inventa um novo género musical: o arraial-rave-bailarico. Os cinco mosqueteiros responsáveis pela missão são Tochapestana, DJ Rubi, Switchst(d)ance, Felix Dacat e Stereo Addiction. Trocando por miúdos, é contar com eletrónica inspirada nos anos 70, tecno dos 80, pop cabo-verdiano dos 90, hardrock e bailarico, versão moderna, nos autocarros coloridos do recinto.
Por último, mas não em último, há um arraial onde a temperatura não fica a cargo das brasas que assam as sardinhas mas sim das que sobem ao palco. O Santo Burlesco é a proposta do Clube Ferroviário para as duas noites de Santo António (12 e 13) e inclui vários shows de burlesco, para além da opção de poder jantar no terraço com a vista desafogada sobre o rio, uma bela alternativa às enchentes de outros bairros da capital.
Todas as coordenadas estão aqui. E para citar um velhinho programa de televisão: agora escolha.