Quando Cláudia instalou o Tinder, fê-lo entre amigos e apenas para se rir dos rapazes que gostavam de exibir os corpos às raparigas. Nunca teve interesse em encontrar-se com alguém para o conhecer pessoalmente: deslizava o dedo, ora para a esquerda ora para a direita, mas sem que ninguém lhe despertasse a atenção.

Enquanto Cláudia explorava a aplicação, Pedro esperava que ela tivesse gostado tanto da sua fotografia como ele gostou no cabelo encaracolado dela. Um dia aconteceu: houve correspondência, ele disse-lhe “olá” e hoje são namorados há seis meses.

Até há três anos, “tinder” era o nome inglês para os materiais altamente inflamáveis, capazes de criar uma chama. Hoje é uma aplicação social, criada em 2012 nos Estados Unidos, que permite estabelecer contactos com terceiros. E as últimas notícias da Global Web Índex contam que já conquistou 50 milhões de utilizadores, num crescimento exponencial desde que foi criado, com especial destaque para o último ano.

Usar o Tinder

O processo é simples. Depois de instalar a aplicação, o Tinder conecta-se ao Facebook e parte da informação do mural é transferida para a nova plataforma. Quem o encontrar no Tinder vai saber o seu primeiro nome, idade, ver algumas fotografias escolhidas por si e pode ler uma breve biografia, se assim desejar.

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Depois disto, vêm as escolhas: o Tinder pergunta-lhe com que géneros – masculino, feminino ou ambos – se quer relacionar, em que intervalo de idades essas pessoas devem estar e a que distância de si prefere que se encontrem. E então o jogo começa: é apresentada uma série de pessoas ao utilizador. Tudo o que ele tem de fazer é deslizar o dedo para direita caso aquela pessoa lhe agrade, ou para a esquerda caso não esteja interessado.

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Depois vem a tal magia, a chama: se a pessoa do outro lado também tiver deslizado o dedo para a direita ao olhar para uma fotografia sua… “Vocês correspondem!”, o que significa que “gostaram um do outro”. A partir daí há três hipóteses: enviar uma mensagem privada ao outro, partilhar a correspondência no Facebook ou simplesmente não fazer nada e continuar à procura de gente interessante. É que se não gostar, ninguém fica a saber.

Voltemos ao início. Cláudia e Pedro optaram por conversar. “Foi aquela conversa normal, falámos da universidade, do que gostamos e do que não gostamos. A certa altura só utilizávamos a aplicação para falarmos um com o outro”, conta o casal ao Observador.

A matéria da chama cor de laranja

Desde muito cedo que os criadores do Tinder quiseram distanciar-se do posicionamento que reduzia a aplicação a uma simples “plataforma de engate”. A história de Cláudia e Pedro confirma o lado unicamente sexual que tem sido associado à chama cor de laranja: “Quando instalei a aplicação não pensava vir a apaixonar-me”, admite a rapariga. E ele também não. “Descobrimos que algumas partes dos nossos percursos até coincidiam, mas se não fosse o Tinder era muito difícil que nos conhecêssemos”.

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Apesar de Sean Rad, o CEO da empresa, insistir junto da comunicação social que o Tinder é “uma plataforma social de descoberta” – será tão natural como conversar com um estranho no metro porque simplesmente achou essa pessoa interessante -, a aplicação é sempre associada a um site de encontros com tendência sexual.

Quem anda em chamas

E alguns dos utilizadores, é um facto, levam esse primeiro rótulo muito a sério. O Observador entrou no Tinder e experimentou a aplicação. Entre algumas conversas sem conteúdo e outras mais interessantes, surgiram propostas bastante explícitas: “Gostava de me envolver contigo, fazer muito bom sexo” foi uma das mensagens que recebemos. Outra pessoa disse-nos que estava à procura de alguém com quem ter relações sexuais enquanto a namorada estivesse longe. É que “gostava muito dela”, mas “todos têm necessidades”.

A confirmar esta tendência está Catarina*, uma rapariga homossexual que entrou no Tinder para se divertir, mas não com o propósito de encontrar alguém para um relacionamento. “Todos os dias recebo fotografias das partes íntimas de outras raparigas e essa é uma parte estranha para quem está no Tinder sem esse propósito”, admite. Mas também reconhece que não há tabus. Toda a gente sabe desde o início da conversa o que a outra pessoa procura: “É mais honesto nesse sentido, aqui ninguém vai enganado e pode admitir quem realmente é e o que quer”. E nem sempre lhe apareceram apenas raparigas interessadas noutras raparigas, mas também quem queria experimentar novas formas de relacionamentos.

Não é o caso de toda a gente, contestam Cláudia e Pedro. Quando os amigos se mostraram preocupados com o facto de dela estar interessada num rapaz que conheceu online e desconfiar das intenções do interesse, confrontou um deles: “Tu és um rapaz decente e também estás no Tinder: é para isso que estás lá?”. Não era.

Esse é o mesmo argumento que Miguel* utiliza. Miguel conheceu o Tinder através de colegas de trabalho e desde então já conheceu duas pessoas através da aplicação: chegou a envolver-se com uma delas, mas foi sol de pouca dura. Ao fim de alguns dias, a conversa extinguiu-se e os encontros também. Nunca chegou a nutrir nenhum sentimento pelo rapaz que encontrou do outro lado, e assume que a fugacidade daquelas relações não lhe agradava. Ainda assim decidiu continuar: “Sou homossexual e aqui as pessoas sentem-se mais livres para demonstrar as suas preferências e orientações“, explica. E encontrar colegas de trabalho, é estranho? “Sim, acontece, mas é uma sensação que passa depressa: ele está lá para o mesmo que eu“.

Muitos escolhem utilizar a aplicação para conhecer pessoas em ambientes novos. É o caso de Cláudia Sousa, uma estudante de 19 anos que emigrou para a Suíça, onde os pais já moravam há um ano. “Instalei o Tinder ainda em Portugal, quando uma colega me falou sobre isso, mas não utilizava. Quando cheguei à Suíça, aproveitei para conhecer pessoas da minha idade”. E já tem um encontro marcado.

Cara a cara é seguro?

Mas como decorrem estes encontros? São seguros? Que precauções se devem ter? Tanto no caso de Cláudia e Pedro, como nos de Catarina e Miguel, os amigos foram avisados de que eles iam ter aqueles encontros e combinaram códigos para poderem perceber se tudo estava bem. É o que Miguel conta ao Observador: “Uma amiga minha sabia que eu ia ter o primeiro encontro no Tinder. Combinámos que me ligaria a uma determinada hora. Se lhe respondesse está tudo bem, então estava de facto tudo bem. Se respondesse apenas estou bem, ela devia ligar à polícia”. Além disso, deu à amiga a morada do ponto de encontro e mostrou a página de Facebook da outra pessoa. Combinaram enviar continuamente mensagens até ao fim do encontro: se durante meia hora não houvesse resposta, era sinal de que havia algum problema.

Não houve nenhum. Não são conhecidos casos de problemas. Mas existe um certo tabu é é por isso que pouca gente fica a saber do encontro e de como tudo começou: só os amigos mais chegados de Cláudia e Pedro sabem que os dois começaram a conversar no Tinder. Para todos os outros conheceram-se num concerto, naquele que foi na verdade o primeiro encontro de ambos. “Ele já falava de bebermos um café há muito tempo, mas eu tinha receio de me encontrar sozinha com alguém que não conheço. Por isso escolhi uma ocasião onde podia levar amigos e onde estaria sempre rodeada de gente”. Foi num concurso de bandas onde Pedro ia tocar. Se a banda dele vencesse, então passariam a um encontro privado. Venceu. A banda e o namoro.

O Observador perguntou à sexóloga Sandra Vilarinho, presidente da Associação Portuguesa de Sexologia Clínica, se era realmente possível estabelecer uma paixão online. A resposta foi imediata: “claro que sim! A paixão é uma coisa tão louca e cega que foge à lógica” e realça que o amor pode acontecer mesmo em situações menos convencionais. “É a mesma coisa que se apaixonar por alguém que viu de rompante no comboio”, compara a especialista. Um amor à primeira vista.

O que o Tinder quer ser

Uma aplicação de descoberta, não de relações de uma noite. E para amizades platónicas, algo perfeitamente possível para quem está comprometido, garantem os donos do Tinder. O problema é que muitos são da opinião de que se uma pessoa que namore ou esteja casada está na aplicação, então está a trair o companheiro ou companheira.

Mas quem a quiser utilizar para encontrar o namorado, também pode contar com o Tinder, diz Sean Rad: “Recebemos e-mails a agradecer casamentos ou namoros” vindos dos 196 países onde a aplicação está presente, graças aos sentimentos que nasceram numa das 6 mil milhões de correspondências diárias da aplicação. “Menos de seis por cento dos utilizadores pensa que é uma aplicação de engate“, acrescenta, a justificar-se, Justin Mateen, um dos proprietários da aplicação.

A ascensão do Tinder

Em 2014, quando a aplicação ganhou expressão nos Estados Unidos, Reino Unido e Brasil (neste país, o Mundial de futebol foi preponderante), pessoas por todo o mundo decidiram conversar com desconhecidos através do Tinder. São maioritariamente homens aqueles que compõem os atuais 50 milhões de utilizadores.

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Metade dos utilizadores do Tinder são solteiros, mas cerca de 15 milhões estão casados (30% dos clientes). A seguir vêm aqueles que namoram, 12% daqueles que têm conta na aplicação. Também são os homens quem passa mais tempo dentro da aplicação: ficam 8 minutos e meio, mais um do que as mulheres. E todos ficam ativos, em média, onze vezes por dia.

Mas de onde vem o sucesso da aplicação? Em primeiro lugar, da globalização: as pessoas movem-se mais e procuram conhecer mais gente em sítios desconhecidos. É uma constante encontrar pessoas no Tinder que estão no país por apenas uma noite ou então estudantes de Erasmus que aproveitam a aplicação para se integrarem. Mas apenas 1% dos utilizadores do Tinder são exclusivos, já que o Tinder, apesar do sucesso, continua a ser engolido por sites de encontros como o Match.com, o OKCupid e o Jiayuan.

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Esta é a descrição feita pela Global Web Índex, mas nem todos os dados parecem estar de acordo com as informações que o Tinder diz ter. Na primeira semana de agosto, o Twitter da aplicação foi invadido por mensagens que desmentem estes dados estatísticos atacando a Vanity Fair por os ter utilizado num artigo. “Nós temos muitos dados. Inquirimos 265 mil utilizadores”, garantiu, contudo, o Tinder. E corrigiu as informações que têm circulado:

A vantagem que os líderes do Tinder dizem ter em relação a estes sites é a transparência com que executam a sua função: “Enquanto os sites de encontros dizem ter a fórmula do amor verdadeiro, o Tinder tem os pés mais assentes na terra e concentra-se apenas no poder do primeiro olhar”, sublinham.

Mas até a química do primeiro olhar tem preço, pelo menos se o quiser tornar mais certeiro. A versão Plus do Tinder já existe: permite desfazer a última escolha, alterar a localização para falar com pessoas no estrangeiro, impedir anúncios e ter número de “gostos” infinitos. Em Portugal, custa 7,83 € para os jovens, mas é mais caro quando se chega aos trinta anos (na maior parte dos países pode triplicar de valor). O Tinder Plus foi pensado para quem não tem muita capacidade financeira para apostar nestas possibilidades, justifica a empresa. Claro que para isso é necessário que a conta do Facebook seja verdadeira ou que pelo menos não minta sobre a idade. E isso é também revelador das intenções de quem usa a aplicação.

Acredito que o futuro das redes sociais é relacionares-te com pessoas que não conheces“. É assim que Justin Mateen, um dos nomes à frente do Tinder, justifica o sucesso da aplicação.

Mas o Tinder diz ser mais do que uma aplicação para meros relacionamentos: “falem com os nossos utilizadores na China e na Coreia do Norte que encontraram um modo de conhecer pessoas no Tinder, mesmo com o Facebook banido”, exemplifica a marca no Twitter.

Uma aplicação para gente bonita?

É de supor que as pessoas com melhor aparência tenham mais sucesso no Tinder. Mas parece não ser bem assim, diz um estudo noticiado pelo New York Times. “Quando as pessoas estão a avaliar as fotos dos outros, estão a tentar aceder à compatibilidade não apenas a nível físico, mas também social”, explica Jessica Carbino, uma especialista do Tinder.

De qualquer modo, o corpo dá sinais dessa compatibilidade. As mulheres, em particular, estão mais atentas ao estilo de vida, ao formato dos lábios e à postura, que dão pistas sobre o círculo social onde os homens estão inseridos, dos gostos e da confiança que se pode ter neles. E parece que as mulheres não se deixam encantar por homens com “rostos esculpidos” porque pareciam “cheios deles próprios”. No fundo, os utilizadores estão cientes dos dados que interessam nas buscas. De acordo com os estudos lançados pelo Tinder, a esmagadora maioria dos utilizadores tenta melhorar a aparência das fotografias para parecer mais atraente.

Há quem opine que o Tinder sublinha a futilidade de julgar o livro pela capa. Mas os chefes da aplicação ripostam: qual é o mal disso? “No mundo real estamos constantemente à procura de pessoas e a julgá-las pela sua aparência, pelo que estão a vestir”, diz Jessica Carbino. Ou seja, a realidade chegou ao mundo virtual. Onde já se acendem muitas chamas. Até a do amor eterno.

* Nomes fictícios: estas pessoas não quiseram ser identificadas

editado por Filomena Martins