Ninguém traiu ninguém. Todos podemos, pois, olhar-nos, falar-nos e cumprimentar-nos uns aos outros sem qualquer embaraço ou desconfiança. Continuamos irmãos, embora separados. Que o mesmo é dizer: separados, mas irmãos”. É desta forma que Diogo Freitas do Amaral, fundador e ex-líder do CDS, termina o seu testemunho no livro “CDS – 40 anos ao serviço de Portugal”, organizado pelos centristas e que conta com as palavras de todos os presidentes do partido.

Longe vão os tempos em que partido e fundador estavam de costas voltadas. Em 2005, depois de Freitas do Amaral se tornar ministro nos Negócios Estrangeiros de José Sócrates, os centristas decidiram enviar o retrato do ex-presidente do partido para o Largo do Rato – sede socialista. Agora, e embora não se refira a esse episódio, Freitas explica a sua “viragem à esquerda” desde o centro-direita.

“[Numa primeira fase, com o país muito descaído para a esquerda, invoquei valores tidos como de direita (democrática) para trazer Portugal mais para o centro; na segunda, com o país demasiado inclinado para a direita, defendi valores considerados de esquerda (democrática) para puxar Portugal mais para o centro. Pessoalmente, fui coerente, embora não tenha sido compreendido por muitos“, escreve Freitas do Amaral.

Em jeito de reconciliação e mesmo admitindo as diferenças entre o CDS de hoje e os valores que defende, o ex-presidente do CDS acredita que, mesmo que o partido tenha “caminhado mais para o centro-direita e eu mais para o centro-esquerda” ambos se mantiveram “honestamente dentro do amplo espectro abrangido pela Democracia Cristã europeia e mundial”.

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“Se consegui ou não equilibrar os pratos da balança, é cedo para se saber; e nunca poderei ser eu a julgá-lo”.

“Nunca sonhei, antes do 25 de abril de 1974, vir a ser fundador e líder de um partido político”

Foi “fundador e líder de um partido político”, “vice-primeiro-ministro de dois Governos de coligação”, “candidato à Presidência da República”, “presidente de uma Internacional partidária” e “presidente da Assembleia Geral da ONU” – algo com que nunca tinha sonhado, reconhece Freitas do Amaral. Para o fundador do partido centrista, faltou apenas realizar um sonho: tornar o CDS no partido mais votado do país, capaz de governar sozinho e de atingir a maioria absoluta, afirmando-o ao centro.

Os dias que se seguiram à Revolução dos Cravos e a extinção de vários partidos à direita do CDS acabaram por tornar “o partido mais à direita com expressão parlamentar no novo regime”, escreve Freitas do Amaral. “Não era isso que tínhamos sonhado: mas a Revolução, que não prevíramos, assim nos colocou”.

Olhando para o percurso do partido, Freitas do Amaral reitera que o partido não quis ser, nem foi, “um partido ideologicamente conservador, nem liberal”. “Fomos democratas-cristãos, centristas, e reformadores ou ‘melhoristas’ (para usar a feliz expressão de Karl Popper”. Pelo menos “de 1974 a 1991“.

Pelo meio, houve tempo para um dos muitos sustos que o partido enfrentou e que pôs em causa a sobrevivência do partido: numa altura em que “poucos apoiantes e simpatizantes cumpriram as suas promessas”, não fosse a atuação de Emídio Pinheiro, tesoureiro nacional do partido, “o alegado ‘partido dos ricos’ poderia ter ido à falência por falta de receitas…, o que seria um raríssimo case-study e, não beneficiaria ninguém, naquela época”.

Camarate: Críticas à atuação do Ministério Público e do Procurador-Geral da República

Ao longo do texto, Freitas do Amaral fala ainda sobre a queda da aeronave Cessna, em Camarate, que vitimou, entre outros, Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, tecendo duras críticas à investigação conduzida pelo Ministério Público (MP).

“O MP defendeu sempre, do primeiro ao último dia, a tese do acidente fortuito. E fê- lo premeditadamente, desacreditando todas as provas e testemunhos que apontavam para uma explosão da aeronave no ar, e aceitando sem reservas ou dúvidas todas as provas e testemunhos que apontavam para a explosão após o embate no chão”, acusa o antigo presidente centrista, que não poupou também críticas a José da Cunha Rodrigues, então Procurador-Geral da República, que “nunca quis e deixou que o caso fosse a julgamento em tribunal”, mesmo depois de ter sido “instado pela Assembleia da República a fazê-lo”.

“[Cunha Rodrigues] recusou com fundamento em que os relatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito eram ‘obra de políticos’. Nenhum Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro- Ministro ou Ministro da Justiça propôs, face a essa declaração antidemocrática, a sua imediata demissão por manifesta falta de respeito pelo Parlamento português!”, conclui Freitas do Amaral.

Com a morte de Francisco Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa, responsáveis por conduzir “o melhor governo constitucional que Portugal conheceu até hoje“, e perante a “segunda crise mundial do petróleo”, que agravou “seriamente a situação económica e financeira do país”, Freitas do Amaral decide deixar o Governo.

No final de 1982, “os principais objetivos da Aliança Democrática” estavam “cumpridos”, mas o então líder centrista “estava mergulhado numa profunda tristeza” pela morte dos seus leais e excelentes amigos, como confidencia. Deixou a presidência do partido e o Governo. Só voltaria a ocupar uma pasta ministerial em 2005, durante o primeiro e único governo com maioria absoluta do PS.