Todos os anos, a 19 de setembro, Scott F. Fahlman troca o fato de professor universitário por uma t-shirt com um grande :-) pintado. À entrada do edifício de informática de Carnegie Mellon, a universidade onde é professor há mais de 40 anos, serve bolachas cobertas de chocolate e posa para selfies.

Foi nesse mesmo dia, em 1982, que criou o seu “Frankenstein” sorridente — o smiley. A invenção que demorou dez minutos a ganhar vida tornou-o conhecido até nos confins da internet, mas a fama não parece incomodá-lo. Passados 33 anos, Fahlman continua igual a si mesmo — o que lhe interessa mesmo é criar robôs que falem e pensem como nós. Falámos com ele.

O Scott é conhecido por ser o criador do smiley. Como é que isso aconteceu?

– Foi há muito tempo, em 1982. Na altura, tínhamos uma espécie de rede social. Podíamos enviar mensagens para um fórum online, a que toda a gente tinha acesso. Tínhamos diferentes fóruns, uns para assuntos sérios e um para discussão. No de discussão costumávamos ter “guerras acesas”, ou seja, alguém dizia qualquer coisa a brincar e outra pessoa levava a mensagem a sério e ficava ofendida. Então, começava uma grande discussão, que já não tinha nada a ver com o debate original.

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Num desses debates, sobre mercúrio e velas a arder no interior de um elevador em queda, alguém disse que, devido às experiências de um grupo de físicos da universidade, o elevador do lado esquerdo do edifício já não podia ser usado porque tinha mercúrio. Mas houve quem não achasse piada à mensagem, porque parecia um aviso a sério.

“Aparentemente houve alguma confusão sobre os elevadores e assim. Depois de falar com o Rudy, descobri que não foi derramado mercúrio em nenhum dos elevadores do Wean Hall. Muitos parecem ter levado a notícia sobre o Departamento de Física a sério…”, refere uma mensagem enviada por Neil Swartz a 18 de setembro de 1982.

Então, decidimos que precisávamos de uma maneira fácil de dizer “estou a brincar”. Uma maneira fácil e rápida. Alguém deu a ideia de colocarmos um asterisco no “assunto” da mensagem, mas isso não era muito óbvio. E eu pensei que seria fantástico se pudéssemos pôr um pequeno smiley ou qualquer coisa do género.

E como é que se lembrou de juntar os dois pontos, um travessão e um parêntesis?

– Naquele tempo, os teclados apenas tinham os caracteres básicos — letras, números e pontuação. O que é que uma pessoa podia fazer com aquilo? Pus-me a olhar para o teclado a ver se havia qualquer coisa que pudesse usar. “Primeiro preciso de uns olhos”, pensei. Então vi os dois pontos. Com um travessão e o parêntesis, visto de lado, parecia uma cara sorridente.

Então, escrevi um post de duas linhas, que está no meu site, e publiquei-o. Foi uma coisa de dez minutos, há 33 anos. Pensei que ia divertir meia dúzia de pessoas que usavam o fórum e que ia ficar por aí.

“Proponho que se use os seguintes caracteres para marcar as piadas :-). Leiam-nos de lado. Na verdade, é mais económico marcar as coisas que NÃO são piadas, tendo em conta a tendência atual. Para isso, usem :-(“, escreveu Scott F. Fahlman a 19 de setembro de 1982.

Mas começou a espalhar-se pela universidade. 

– Espalhou-se por Carnegie Mellon no espaço de um ou dois dias. E, como tínhamos contacto com outras universidades, chegou à Costa Oeste em duas semanas. Depois começaram a surgir variações, como o :-O, para representar uma boca aberta, ou o 8-), para alguém com óculos. E por aí em diante.

Para além do smiley sorridente, também criou o smiley triste. 

– Sim, o smiley com o parêntesis ao contrário para fazer uma cara triste. Mas esses foram os únicos que criei.

E acabou por se tornar famoso por causa disso. Como é que o :-) começou a ser usado fora do meio académico? Na altura, a internet não era a mesma coisa que é hoje. 

– As pessoas estão sempre a inventar novas palavras e novas frases. Eu posso dizer uma coisa a um amigo e, um ano depois, ouvir a mesma coisa dita por outra pessoa e interrogar-me se se trata da minha invenção, se deu a volta ao mundo duas vezes e voltou para mim, ou se alguém inventou o mesmo que eu, o que é mais provável. Mas, neste caso, pude vê-la a espalhar-se.

Foi muito fácil ver a coisa a difundir-se até aos limites da internet, que eram meia dúzia de universidades e algumas empresas. Isso era o fim do mundo e, por isso, parou de se espalhar-se por algum tempo. Enviávamos emails e usávamos o smiley.

Mas depois, o ARPANET original, que era do exército e que era usado pelas universidades (e que mais tarde deu origem à internet), foi ligado a outras redes, no Japão e no Reino Unido. As pessoas viam os smiley e pensavam “isto é fixe”, e começavam a usá-los também. Podíamos ver a sua utilização a crescer sempre que um novo grupo se juntava à rede. Depois juntou-se a Rússia e a China e, por fim, o resto do mundo.

Mas só chegou à casa das pessoas depois de os computadores e a internet aparecerem. Ninguém tinha razões para ter um computador na sala até aparecer a internet. Isso aconteceu em meados dos anos 90, 15 ou 20 anos depois. E, de repente, as pessoas começaram a usá-lo no seu dia-a-dia — pessoas que não eram nerds dos computadores. E depois surgiram os smileys gráficos, e por aí em diante.

E como é que foi ver a sua criação a espalhar-se dessa forma?

– Foi um bocado divertido. Tenho trabalhado com inteligência artificial e tenho tentado contribuir de alguma forma para a Ciência. Foi um bocado estranho tornar-me famoso por causa de dez minutos sem sentido em 1982. Mas tem sido divertido, não é algo de que me envergonhe. Penso que a maioria das pessoas gosta de usar smileys e, pronto, fui eu que os inventei.

Tento não reclamar a invenção dos emoticons, porque existe uma grande discussão em torno do que é um emoticon e do que não é. Existem coisas mais antigas que não são iguais ao meu smiley, como =). Isso apareceu uns anos antes. Mas não quero entrar em discussões. Só inventei aqueles dois.

Disse numa entrevista que não gostava de emojis. Porquê?

– Pessoalmente, acho que os gráficos — aqueles círculos amarelos sorridentes e tristes — são um bocado feios. É preciso alguma criatividade para arranjar uma forma de fazer caras ou expressões apenas com caracteres. Mas com um desenho, pode-se fazer qualquer coisa. E é isso. Toda a gente percebe o que é.

Acho que são feios e que não são muito criativos. Simplesmente não gosto muito deles. Mas é óbvio que são aquilo que o mundo escolheu usar. Ouvi uma estimativa de que são usados seis mil milhões de vezes por dia, incluindo stickers e outras coisas do género.

Todos os anos, no aniversário da criação do smiley, fazem uma grande festa em Carnegie Mellon. Como é que isso começou?

– Costumávamos fazer uma grande festa em alguns aniversários, talvez de cinco em cinco anos. Mas não sabíamos a data exata da criação até chegarmos ao 20º aniversário. Não guardei uma cópia da mensagem original — não pensei que fosse importante –, mas estava disponível nas cópias de segurança.

Só que, quando percebi que devia procurar a mensagem e fazer uma reprodução, as cópias de segurança tinham sido retiradas do computador e guardadas num cofre qualquer. Na altura pensei que não fazia mal, que não era assim tão importante. Mas foi-se tornando cada vez mais importante.

Quase que tivemos de fazer uma escavação arqueológica para encontrar aquelas cópias antigas. Encontramos a mensagem original e a discussão que a tinha originado mesmo a tempo do 20º aniversário. Então, fizemos uma grande festa, que foi patrocinada pela Yahoo, porque o serviço online deles tinham muitos emojis.

Em 2015, celebra-se o 33º aniversário do smiley. O que é que têm programado para a festa deste ano?

– Temos uma festa programada para esta sexta-feira [um dia antes do aniversário]. Fazemos isso todos os anos. Pomos uma mesa e usamos t-shirts com smileys. Os estudantes mais novos ficam muito impressionados quando descobrem que esta coisa que sempre usaram foi inventada em Carnegie Mellon e que o tipo que a inventou também cá está.

Os estudantes gostam muito. Todos querem tirar selfies e oferecemos bolachas com smileys. Em duas horas, tiro cerca de 200 selfies. Existem algumas t-shirts que eles podem comprar, e o dinheiro vai para instituições de caridade.

É um momento divertido. Carnegie Mellon é conhecida por ser um sítio muito sério, onde toda a gente trabalha muito. A universidade gosta de ter um bocadinho de publicidade de vez em quando, e assim pode dizer que também fazemos coisas malucas e divertidas, e que não somos demasiado sérios.

A festa é só para os estudantes? Ou também vêm pessoas de fora?

– Os convidados são maioritariamente estudantes que estão a passear pelo campus e que param para ver o que se passa. A enfermeira do médico onde ando também apareceu uma vez. Ela é fã de smileys, e ficou muito impressionada por descobrir que eu era “aquele tipo”.

De vez em quando também sou convidado para ir a sítios distantes falar sobre isso. É divertido.

Mas se calhar preferia ser convidado para falar sobre o seu trabalho.

– Depende da audiência. Nem toda a gente está interessada em ouvir falar sobre inteligência artificial.

Mas há décadas que se dedica a essa área. Em que ponto é que estamos em termos de inteligência artificial e como é que será no futuro?

– É uma boa pergunta. Tenho trabalhado com as coisas que todos os humanos conseguem fazer. A maioria dos trabalhos na área da inteligência artificial está relacionada com as coisas mais difíceis que as pessoas conseguem fazer — cálculo, desenvolver novos medicamentos e analisar grandes quantidades de informação. Mas as coisas do dia-a-dia é que são complicadas. Como compreender a natureza da linguagem, qualquer pessoa consegue fazer isso. Basta ter senso comum.

É como saber que, para entrar num lugar, é preciso abrir uma porta. É preciso rodar a maçaneta e destrancá-la com uma chave se estiver trancada. Este é o tipo de coisa que toda a gente sabe e que é do senso comum. É conhecimento adquirido. Se alguém disser “a porta está trancada” e eu responder “toma a chave”, isso representa uma pequena troca de conhecimento sobre o mundo que nos rodeia. Eu não disse que era preciso uma chave para destrancar a porta. Apenas disse “toma a chave”.

Estamos a resolver o problema da inteligência artificial ao contrário. Estamos a resolver primeiro as tarefas mais difíceis que os humanos conseguem realizar sem se aperceberem de que são complicadas e difíceis. E eu quero chegar às coisas que todas as pessoas conseguem fazer e pôr algum senso comum naquelas máquinas estúpidas!

É um grande desafio.

– Sim, é. Manteve-me ocupado durante toda a minha carreira e espero conseguir alcançar alguns progressos importantes antes dela acabar.

Que utilidade é que poderão ter essas máquinas com “senso comum”?

– A população mundial está a envelhecer, vai haver cada vez mais coisas para as quais iremos precisar de ajuda. Vai ser preciso comunicar com esses robôs e eles vão ter de ser capazes de compreender os nossos pedidos de uma maneira sensata.

Há quem diga que, se dissermos a um robô para realizar uma tarefa, ele vai fazer uma interpretação literal e estúpida do pedido e acabar por fazer a coisa errada. Se lhe perguntarmos “podes trazer-me um copo de água?” e ele responder “sim, posso”, isso vai ser irritante. Queremos que os robôs se comportem como humanos e que compreendam verdadeiramente o que lhes pedimos para fazer.

Acha que vai ser possível desenvolver esse tipo de tecnologia num futuro próximo?

– Esse é o grande desafio. É mais fácil criar robôs que jogam xadrez do que criar máquinas que conseguem olhar para uma imagem e identificar o que é que esta representa. Olhar para uma fotografia e compreender o que lá está é muito difícil. Ainda não existe nenhum robô que o consiga fazer.