É com muito desânimo e consternação que vimos por este meio (muito provavelmente) estragar algumas imagens ternurentas que reteve na sua infância. A verdade tem de ser reposta e contá-la é a nossa principal função. Ao longo dos seus primeiros anos de vida, muita da informação que os desenhos animados lhe transmitiram é, cientificamente falando, completamente errada. E o mais grave é que essa s mentiras – mesmo que sejam piedosas e encham o imaginário das crianças – acompanham o seu crescimento. Por isso, respire fundo: é tempo de enfrentar o mundo real.
Os ratos não gostam de queijo
Lembra-se das manhãs em que assistia às tentativas frustradas de Tom apanhar Jerry em falso com um pedaço de queijo? Nesses episódios, e apesar de o rato sair sempre impune das armadilhas felinas, Jerry não conseguia resistir ao dito petisco.
Uma história que é cientificamente errada. David Holmes, investigador da Universidade Metropolitana de Manchester, foi um dos primeiros a lançar o alerta: era mais provável que um rato fosse atraído por cereais do que por queijo. É que este animal tende a preferir os alimentos que pode encontrar de forma natural no meio ambiente e, afinal de contas, o queijo é algo produzido pelo homem.
Além disso, que não se subestime a inteligência de um roedor: eles são altamente instintivos e agem em conformidade com o “pressentimento”. Por isso é que muitas vezes conseguem reagir mesmo a tempo de fugir às ciladas. Nisso os criadores de Tom e Jerry acertaram. Na parte do queijo, ups!, esqueça.
As sereias não existem
Mais notícias duras. Ainda agora se refez de ter sabido que o Pai Natal não existe e já tem outra verdade para enfrentar: mas a realidade é assim, as sereias também não existem. Da próxima vez que as suas crianças chegarem a casa e disserem “sou uma sereia, metade mulher e metade peixe”, abra os livros de Darwin e explique-lhes o seguinte: dois animais de classes diferentes nunca conseguiriam procriar; mas mesmo que fossem capazes, dois animais de espécies diferentes não conseguem ter uma cria. Ou seja, se um humano mantivesse relações sexuais com um peixe – independentemente de qual deles é a fêmea – não podia engravidar.
Vamos lá explorar esta novidade melhor. A reprodução acontece através da meiose: o processo através do qual cada nova célula (no caso humano, a que resulta da união do espermatozóide e do óvulo) herda apenas metade do número de cromossomas normal da espécie. Isto significa que, uma vez que o Homem tem 46 cromossomas na sua informação genética (ADN), o espermatozóide só vai ter 23 e o óvulo também. Quando se unem formam um novo organismo com 46 cromossomas.
Como em toda a regra há uma exceção, há certos animais que tendo um número de cromossomas diferente conseguem procriar. Quando os burros se cruzam com cavalos nascem as mulas (um exemplo típico), mas estas crias são inférteis, isto é, não terão descendência. Isto acontece porque há um par de cromossomas incompleto que inibe a meiose e o animal não terá células reprodutoras.
Este não é, no entanto, o caso das sereias. Nas atuais condições ambientais, um ser humano e um peixe não podem procriar porque a estrutura cromossómica não seria viável nem permitiria um novo ser.
Nunca vai poder encontrar o fim de um arco-íris
Mais uma desilusão. Nunca vai conseguir enriquecer por ter encontrado o pote de ouro que lhe disseram sempre estar enterrado por baixo do fim de um arco-íris. É infinitamente mais provável que a sua conta bancária aumente com uma boa aposta no Euromilhões. E não vale de muito chatear-se connosco: aqui o inimigo é a Física.
Os arco-íris são o resultado da separação da luz em todo o seu espectro quando atravessa gotas de água suspensa sna atmosfera, num fenómeno chamado refração. É por isso que vemos as sete cores – vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta: quando alcança a água, as cores da luz com diferentes comprimentos de onda separam-se.
Portanto, o máximo que pode acontecer se quebrar as leis da Física é encontrar umas quantas gotas de água. Sairá do “fim do arco-íris” desiludido e, ainda por cima, encharcado. Nem sequer um unicórnio alado vai poder encontrar. Afinal eles também não existem. Ah, também não sabia disso?
Nem todas as meninas podem ser princesa
Se já for uma mulher crescida, maior e vacinada pode alimentar esse sonhos. Há por aí príncipes solteiros à espera da sua princesa encantada. Talvez possa acair nos braços de Carl Philip de Bernadote e ser princesa da Suécia, um pouco ao jeito de “Frozen”. Mas diga à sua filha que as probabilidades são muito diminutas.
Há duas formas de uma mulher se tornar princesa: nascer no seio da família real ou casar com um príncipe. Ora, há no mundo 44 monarcas. E só em Portugal há mais de 768 mil meninas abaixo dos 15 anos ansiosas por serem a próxima Cinderela da vida real. A competição é demasiado forte e a estatística não abona a favor das miúdas.
Maldita Disney, onde tudo parece tão fácil. Onde anda a fada madrinha quando precisamos dela?
Os cobertores não o vão proteger dos espíritos malignos
Mesmo assumindo que o Além existe e os espíritos bons e maus andam por aí a vaguear entre os vivos (afinal não é isto que está em discussão) -, minhas senhoras e cavalheiros — um cobertor nunca o protegeria desse ser cruel e diabólico. Se o dito monstro atravessa fronteiras certamente densas e obscuras entre dois mundos, qual será a dificuldade de enfrentar um enorme e pesado…cobertor?
Mas vamos aos factos: os cobertores servem para proteger de outras coisas. Normalmente são impermeáveis ao calor do corpo humano, algo que é conseguido através de várias camadas de tecido leve. Mas se até um rato consegue trepar lá para dentro, o que não conseguiria um desses espíritos maligno.
Se os veículos tivessem vida, ela seria vivida em escravatura
A Disney habituou-nos a adorar Volkwagen carochas como se fossem cachorros e a estimar comboios da mesma forma que aos gatos. A verdade é que se este amor realmente existisse ele seria vivido no seio de algum transtorno psiquiátrico. O “Herbie” provavelmente sofreria de Síndrome de Estocolmo, o comboio “Thomas” teria algum tipo de problema de personalidade e o “Faísca McQueen” seria um narcisista.
Ora vejamos, ainda nenhum veículo (até agora) pode andar sem ser conduzido por um humano. Portanto, nenhum destes veículos teria controlo sobre o próprio corpo e estaria completamente à mercê da vontade alheia. Até mesmo do seu destino: o carro só iria onde nós – os utilizadores – lhe permitíssemos.
Pior: se alguma coisa corresse mal e houvesse um acidente, o “carro vivo” sentiria dor. Mesmo que os passageiros saíssem impunes, “Herbie” sairia sempre amolgado (no mínimo) daquele toque. E todos viveriam em escravatura, presos na sua própria chapa, muitas vezes debaixo do sol escaldante em cima de asfalto quente e com quilos de bagagem às costas. “Ninguém” merece. Nem mesmo um carro.
As lagartas morrem. Não se transformam em borboletas
A lagarta fecha-se num casulo, passa pela metamorfose e a seguir renasce, qual Fénix vinda das cinzas, transformada numa bela borboleta leve e colorida. É uma ideia interessante e até útil: a mudança pode trazer boas surpresas, a paciência traz quase sempre resultados positivos, o esforço pode derivar em bonança. É o mesmo que dizer a uma criança: “Quando te sentires uma lagarta, lembra-te que a teu tempo podes vir a ser uma borboleta”. O problema é que… as lagartas morrem para dar lugar às borboletas.
É comum que os documentários que viu aos domingos de manhã o tenham induzido em erro: se até agora pensou que a lagarta evoluía para uma borboleta quando entra no casulo, desengane-se. O que realmente acontece é que ela morre e dos seus “restos mortais” nascem as borboletas.
Para que as borboletas surjam, têm de atravessar quatro estágios de crescimento: ovo, larva, crisálida e o estado adulto. Os ovos são depositados pela fêmea numa folha, que vai ser o alimento da larva quando ela nascer, no máximo 15 dias depois. As larvas – que são chamadas normalmente de lagartas – comem bastante. Vão aumentar de tamanho através dos vegetais que ingerem durante oito meses, no máximo.
Depois deste tempo, parte do corpo da larva prende-se com fios de seda e então forma-se a crisálida, numa fase onde o animal não busca por alimento: apenas recorre às reservas de nutrientes que armazenou enquanto era larva.
E é aqui que o momento menos romântico do nascimento de uma borboleta acontece. A maior parte do corpo da larva deteriora-se e as células tornam-se indiferenciadas. São as “células imaginais“. Acontece que a larva julga que estas células são inimigas e o sistema imunitário começa a combatê-las. É assim que o corpo da lagarta se vai reciclando. Apesar dos esforços imunitários, as células imaginais continuam a surgir e acabam por se juntar em grupos diferenciados que vão dar origem aos órgãos. Este processo – chamado holometabolismo – acontece ao longo de duas semanas (algumas espécies precisam de meses para o terminar). Ao fim desse tempo, a borboleta está completa dentro do casulo e “renasce”. Como mortos-vivos muito bonitos.
Texto editado por Filomena Martins