Quatro horas. Os primeiros acordes começaram pelas 20h15 e terminaram às 00h15. Das 15 mil pessoas que encheram este domingo o MEO Arena, a maioria aguentou a pedalada. A Dave Matthews Band esteve pela terceira vez em Portugal e voltou a testar a resistência dos fãs, gente rija que segue a banda há muitos anos, que reconhece melodias aos primeiros acordes, que sabe as letras de cor, que passadas mais de três horas exigiu que a banda voltasse ao palco. E voltou.

A Dave Matthews Band, que é muito mais que a banda liderada por Dave Matthews (compositor, guitarrista e vocalista), é uma das mais bem sucedidas no mundo da música ao vivo. Levam 24 anos de carreira e de estrada e é no palco que se sentem bem, uma espécie de segunda casa que se vê não apenas na longevidade da banda e na duração dos espetáculos, está impressa no rosto de cada elemento. Do princípio ao fim, há diversão, sorrisos, despique, brincadeira.

Foi assim a noite passada, o primeiro espetáculo desta digressão europeia da banda. Regressaram à sala que os recebeu pela primeira vez, em maio de 2007, uma atuação que ficou gravada na memória e nos discos. Foi a primeira atuação gravada fora dos Estados Unidos da América a fazer parte da série DMB Live Trax, uma já longa coleção de duplos e triplos LPs que tem registado esse concerto em Lisboa no Vol. 10. E ontem também eram muitos os microfones de captação ambiente virados para a plateia, quem sabe se dali sai mais um triplo álbum ao vivo.

A banda entrou em cena à vista de todos, num palco igualmente sem fogo de artifício. Eles são as estrelas, sem adornos, simples. Um “muito obrigado” de Dave Matthews, cada um ao seu lugar, sete elementos em palco. O vocalista ao meio, atrás dele dois monstros, a enorme bateria e Carter Beauford, um gigante de luvas brancas que figura nas listas dos melhores bateristas do mundo, um poço de simpatia sempre a puxar pelo público — e o público por ele. Mas também Tim Reynolds (guitarra), Boyd Tinsley (violino), Stefan Lessard (baixo) e os dois homens do sopro, Rashawn Ross e Jeff Coffin — que ocupou o lugar do saxofonista LeRoi Moore, membro fundador da banda que morreu em 2008.

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“Warehouse” foi o tema que abriu as quatro horas de espetáculo (com intervalo), um tema do álbum “Under The Table And Dreaming” (1994) que foi, de toda a discografia, o que mais se fez ouvir (seis canções). Mas também, aqui e ali, outra meia dúzia a picar toda a discografia de estúdio e também temas do novo álbum (ainda sem data de lançamento), logo à segunda uma pérola chamada “Black and Blue Bird”. O que se ouviu de novo nesta noite deixa antever um disco na linha do que já se conhece.

“Under The Table And Dreaming” é um dos melhores discos da banda, foi o primeiro editado por uma major e leva com 20 anos de palco. É por isso o mais rodado, é nele que se lê a grande cumplicidade entre músicos — e instrumentos, parece que falam uns com os outros. Como em “Dancing Nancies”, quando Dave Matthews e Boyd Tinsley tocam frente-a-frente, olhos nos olhos, a centímetros um do outro, como que no despique. Mas não, eles riem-se, brincam constantemente uns com os outros.

O que faz deles uma das bandas mais bem sucedidas do mundo a tocar ao vivo está na música, claro, mas sobretudo no virtuosismo e na experiência de palco, o que lhes permite esticar canções de 4 minutos (em disco) para 10, 12 ou 15 minutos, num improviso ensaiado, nunca se sabe bem o que vai dali sair. Pura e simplesmente, eles não tocam a mesma canção duas vezes da mesma maneira.

Por isso quando olhamos para o alinhamento (veja na fotogaleria) custa a crer que 20 canções ocupem quatro horas. O tempo útil foi cerca de três horas e trinta e cinco minutos, houve pelo meio um intervalo para abrandar o ritmo. Isto porque esta digressão segue a experiência do ano passado, em que a banda passou a dividir a atuação em duas partes, uma “elétrica” e outra acústica. E assim muitos terão pensado, quando Carter Beauford foi até à frente do palco receber uma ovação e distribuir baquetas, que seriam as despedidas da banda na formação completa. Mas não.

Se é verdade que o regresso do intervalo foi simples e lento, o anúncio do tal espetáculo em duas partes distintas pouco se fez notar. Primeiro Dave Matthews ao piano e em falsete com mais um tema novo (“Death on the High Seas”), depois ainda sozinho mas já em pé com a guitarra (em “Little Red Bird”) e depois com Tim Reynolds (“Bartender”). Ao quarto tema já os sete estavam em palco, para fazer o tal “acústico”, mas que não foi mais que um alinhamento de rearranjos. Os instrumentos continuaram ligados à corrente e a banda também. Continuou a haver espaço para esticar e mostrar o brilhantismo dos instrumentistas, para a cumplicidade e para os tais sorrisos no frente-a-frente entre instrumentos.

Dave Matthews continuou divertido, exímio nas vocalizações que não querem dizer nada, o som da voz é apenas mais um instrumento para acrescentar ao baralho. Esta segunda parte nem por isso simplificou a complexidade musical, momentos houve em que complicou. As canções são reconhecíveis, mas às vezes parecem outras, ou misturadas umas com as outras. É uma característica que a banda oferece ao vivo e o que os coloca entre as melhores do mundo.

Ou seja, o que ali se assistiu este domingo à noite foi a dois espetáculos num só, coisa grande e em grande. Quase quatro horas depois, terminaram da mesma maneira que em 2007, com “Rapunzel”. Depois das despedidas a sala iluminou-se com a luz de milhares de telemóveis, a assistência não desarmou e “obrigou” a banda a voltar ao palco. Visivelmente cansados, tocam mais uma para o caminho: “Ants Marching”. Siga então esta marcha, que é sempre um privilégio.