“A parte boa é que na primeira ronda ninguém perde. Por isso, mesmo que o consiga surpreender, ele tem sempre uma segunda oportunidade.”
A resposta, vinda de quem vem, diz muita coisa. Tiago Pires percebe a pergunta, não dá sinais de ter ficado confuso ou com dúvidas: “É azar apanhar com o Mick Fanning logo na primeira ronda, não é?”. Ele acena, sorri sem rir e, durante o segundo seguinte, concentra-se no que vai dizer. A resposta que lhe sai da boca dá a volta à pergunta que o Observador lhe acaba de fazer: não é Saca que tem azar por encontrar o australiano que lidera o ranking, é sim o três vezes campeão mundial que não teve sorte em apanhar o português.
Nem uma ponta de arrogância se deteta nas palavras, tão pouco algum convencimento na postura. O que se nota é descontração e aí é que está o gatilho que faz Tiago Pires pensar desta maneira. “É engraçado, é diferente. Estou num estado de espírito bastante diferente do passado, muito mais descontraído. Tenho menos 10 quilos às costas”, admite, com voz de quem está a desabafar. Com 35 anos em cima, esta é a primeira vez que Saca está em Peniche livre da pressão de estar a competir em casa. Durante sete anos toda a gente o queria ver ganhar. A praia de Supertubos enchia-se, Tiago recebia mensagens no Facebook, dava mil e uma entrevistas e era mencionado em todas as notícias sobre o evento. Durante sete anos (de 2008 a 2014) o país teve um surfista no circuito mundial e quis vê-lo a ganhar em Portugal.
Mas de tanto o quererem puxar para a vitória os portugueses foram-lhe empurrando pressão para cima. “Ninguém surfa em Portugal com o mesmo peso às costas que eu”, dizia-nos Tiago, em março, já fora do circuito mundial de surf e a meses de, agora, reencontrar as velhas caras com quem andava à caça de ondas pelo mundo. “É sempre bom receber os meus amigos. Claro que, aqui e ali, já vi uns quantos em algumas provas”, confirma, lembrando que ainda vai aparecendo em algumas etapas do Qualifying Series (QS), o circuito de qualificação. “Durante o ano vou trocando umas mensagens com eles. Depois do evento de Jeffrey’s Bay falei muito com o Mick [quando foi atacado por um tubarão], com o Adriano mantenho contacto praticamente durante todo o ano. E agora sim, vou ter de competir outra vez com eles”, acrescenta, feliz por estar prestes a matar estas saudades.
O português vai surfar contra Mick Fanning logo na primeira ronda por ser o wildcard “com menos seeding”, ou seja, com a pior classificação no QS — está no 89.º lugar, enquanto Vasco Ribeiro vai no 38.º e Frederico Morais ocupa o 54.º posto. “É assim a vida”, resume, como quem não podia estar menos importado com isso. Tiago só não queria uma coisa: competir contra Adriano de Souza. “Temos uma relação bastante próxima e provavelmente vamo-nos juntar várias vezes fora do campeonato enquanto ele estiver cá”, confessa, ao falar do brasileiro que está na luta pelo título e tem menos de 500 pontos a separá-lo da liderança. O problema é que, por ter recebido um convite da organização, o português sabe que é provável coincidir com o “amigo” na água até à terceira ronda: “Gostava de não competir contra ele. Mas para isso acontecer o Adriano teria que perder cedo e eu avançar para a terceiro ronda, também não lhe desejo isso”.
Seja como for, Tiago Pires está descontraído como nunca e diz que isso o vai ajudar muito. Talvez por isso diz que sim a toda a gente que lhe pede uns minutos para uma entrevista na terça-feira, um dia antes de a prova arrancar. E se Vasco Ribeiro faz o mesmo isso é sinal que também chegou ali com a mesma onda. Saca diz que o miúdo de 20 anos “está super relaxado” pois, “parecendo que não, é um surfista muito experiente e já compete desde os 14”. O Observador quis descobrir se era mesmo verdade e disse até já ao português mais velho em prova para ir dizer olá ao mais novo.
Dizer logo que sim à conversa é um bom sinal. Já anda “a surfar na praia do campeonato há vários dias”, veio “com a namorada e a família” e diz que está tranquilo. Sabia que “qualquer heat ia ser complicado” e daí garantir que não sente pressão por lhe ter saído logo na rifa Owen Right, terceiro classificado do ranking que, nem de propósito, afirma na conferência de imprensa antes do evento que adora tubos e que os espera encontrar na praia que os tem no nome. “Sinceramente, não me chateia nem estou muito preocupado. Só quero que as ondas estejam boas para ser um bom espetáculo de surf. Depois logo se vê. Eles são os melhores do mundo, mas também podem cair”, argumenta, sem parecer apoquentado por ir surfar contra “um dos surfistas preferidos”.
A pressão é algo que Vasco não sente por acreditar que ela vai bater à porta de quem tem algo a ganhar em Peniche. “Sou wildcard, não tenho nada a perder, essa pressão é para eles, que estão na luta pelo título. Quero é divertir-me, dar o melhor e tentar passar os heats”, defende, carregando a voz de certezas, antes de uma pergunta do Observador querer saber como é conviver com os melhores do 34 surfistas do mundo. “Já conheço praticamente todos, compito há muitos anos e vários deles aparecem nos QS’s. Está tudo na sua, ninguém anda propriamente a olhar para os outros, a ver o que estão a fazer. Cada um anda concentrado na sua coisa e é isso que também vou fazer”, assegura. Quem fala assim, além de não ser gago, também não parecer ser novo. Mas é: Vasco Ribeiro tem 20 anos (faz 21 em novembro), mas parece ter tantos anos disto como Tiago Pires. “É um surfista que tem uma capacidade bastante grande de se abstrair das coisas”, diz Saca sobre o português mais novo em prova.
Mas um CT, como eles dizem — vem de Championship Tour, que é como a World Surf League (WSL) chama ao circuito mundial –, é diferente. “Quando ele sentir a multidão, o barulho das pessoas na praia, a areia a estremecer, se calhar vai sentir uma emoção diferente à que está habituado. Mas faz parte do processo habitual das coisas, sentir esta pressão desde cedo”, avisa Tiago Pires, homem que nas cinco vezes em que participou na etapa de Peniche (não foram seis porque em 2013 estava lesionado) nunca ganhou um heat. Mas isto era no tempo em que o peso às costas era muito e a descontração quase nula. Agora, tanto o mais velho como o mais novo dizem que não sentem pressão e ouvimos dizer que Frederico Morais também não. Isto também pode dizer muita coisa.
As 12 baterias da primeira ronda do Moche Rip Curl Pro:
Bateria 1: Filipe Toledo (BRA), Jadson Andre (BRA), Tomas Hermes (BRA)
Bateria 2: Gabriel Medina (BRA), Miguel Pupo (BRA), Mason Ho (HAW)
Bateria 3: Julian Wilson (AUS), Keanu Asing (HAW), Caio Ibelli (BRA)
Bateria 4: Owen Wright (AUS), Michel Bourez (PYF), Vasco Ribeiro (PRT)
Bateria 5: Adriano De Souza (BRA), Kolohe Andino (EUA), Frederico Morais (PRT)
Bateria 6: Mick Fanning (AUS), Sebastian Zietz (HAW), Tiago Pires (PRT)
Bateria 7: Kelly Slater (EUA), Adrian Buchan (AUS), Aritz Aranburu (ESP)
Bateria 8: Italo Ferreira (BRA), Joel Parkinson (AUS), Brett Simpson (USA)
Bateria 9: Jeremy Flores (FRA), Matt Wilkinson (AUS), Ricardo Christie (NZL)
Bateria 10: Nat Young (EUA), Kai Otton (AUS), Glenn Hall (IRL)
Bateria 11: Bede Durbidge (AUS), John John Florence (HAW), CJ Hobgood (EUA)
Bateria 12: Josh Kerr (AUS), Wiggolly Dantas (BRA), Adam Melling (AUS)