Estava no recanto de Clairefontaine, perto de Paris, na residência mãe que alberga a seleção francesa antes de todo e qualquer jogo que os Les Bleus tenham em casa. Se pegou no telemóvel para fazer uma chamada ou para atender uma, não se sabe, mas não há dúvidas que Karim Benzema esteve à conversa com alguém. É a magia das escutas telefónicas, que detetaram a voz do avançado a falar com “um amigo de infância” a 6 de outubro, a dois dias de a França ser pouco simpática na forma (4-0) como recebeu a Arménia. Mas o homem do Real Madrid parecia não estar nem aí para o jogo porque teve 20 minutos para estar com a cabeça num esquema de extorsão: “Não nos leva a sério, pensa que é uma brincadeira”.

É uma das várias coisas que, pelos vistos, se ouve Benzema dizer no áudio da tal conversa. A gravação não é pública, faz parte da investigação das autoridades franceses, mas a Europe 1, uma rádio gaulesa, revelou esta terça-feira parte do conteúdo. O bate-papo é uma troca de diz que disse entre o jogador merengue e o amigo, pois Karim conta-lhe o que andou a dizer a Valbuena e o que o colega da seleção francesa lhe respondeu. “Disse-lhe: ‘Vou-te ajudar. Meu amigo, se quiseres que o vídeo seja destruído, ele vai ter contigo e falas com ele, mas dou-te a minha palavra de como não existe outra cópia [do vídeo]’. Disse-lhe: ‘Se queres que ele destrua o vídeo, ele vai ter contigo a Lyon, falas com ele diretamente’. Depois perguntou-me: ‘Veem-se as minhas tatuagens?’ E eu respondi-lhe: ‘Vê-se tudo. Vi-o há uma semana, antes de vir [para Madrid]”, ouve-se dizer o avançado do Real Madrid.

A conversa toca em muita coisa, por isso toca a explicar. Quando Benzema fala em vídeo está a referir-se a uma gravação de telemóvel que mostra Mathieu Valbuena, médio do Olympique Lyonnais, a ter relações sexuais com uma mulher. Três pessoas telefonaram ao internacional francês, de 31 anos, exigindo-lhe 150 mil euros para não espalharem o vídeo pela Internet e causarem um escândalo dos valentes para Valbuena, que desde 2009 tem Fanny Lafon como namorada. Depois, a conversa não bate lá muito certo com o que Benzema alegou quando foi interrogado pela polícia francesa e pernoitou numa esquadra de Paris — que apenas interveio no caso para ajudar o companheiro de seleção.

Lyon's French forward Mathieu Valbuena celebrates after scoring a goal during the French L1 football match Olympique Lyonnais (OL) vs Toulouse (TFC) on October 23, 2015, at the Gerland Stadium in Lyon, central-eastern France. AFP PHOTO / JEFF PACHOUD (Photo credit should read JEFF PACHOUD/AFP/Getty Images)

Era daquela tatuagem no braço esquerdo que Mathieu Valbuena falava ao telefone com Karim Benzema. Foto: JEFF PACHOUD/AFP/Getty Images)

É aqui que vem à baila o resto da conversa revelada pela rádio gaulesa. “Está em pânico. Começou a salivar duas ou três vezes. Disse-lhe: ‘Seja como for, faz o que quiseres. Se não queres, segue com a tua vida, mas eu avisei-te’. E disse-lhe que o meu papel terminava ali, que apoiaria as suas histórias e que a partir de agora tinha de tratar disto com o meu amigo, que é quem conhece os que têm o vídeo”, contou Karim Benzema ao confidente. Ora, entre tantas amizades, ninguém indicou a identidade da pessoa que estaria do outro lado da chamada. Mas podia bem ser Karim Zenati.

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Este é o nome de um dos melhores amigos de Gressy, o mais novo dos oito irmãos de Benzema, que por extensão também se tornou unha com carne com o avançado do Real Madrid. Todos vêm do mesmo sítio, Bron Terraillon, um bairro social nos arredores de Lyon, onde o El País conta que a violência, as drogas e o crime tocam à porta de toda a gente. Zenati é uma prova disso, porque em 2006 foi preso por um assalto à mão armada e, três anos depois, detido de novo por transportar 200 quilos de haxixe na bagageira de um carro. E foi este Zenati que, a 5 de novembro, a polícia deteve para interrogatório pelo alegado envolvimento neste esquema de extorsão a Mathieu Valbuena, crime que pode valer até cinco anos de prisão em França.

Agora as coisas voltam a azedar para o lado de Benzema, que já falhou o último jogo do Real Madrid (derrota em Sevilha, por 3-2) e não foi convocado para a seleção, devido a uma lesão fachada. Nem Valbuena, este por “motivos psicológicos”, como justificou Didier Deschamps, o selecionador. De qualquer forma, o baixinho que servia de capitão nas equipas que venceram o Mundial de 1998 e o Europeu de 2000 só poderia chamar um deles — uma ordem judicial proíbe que os dois jogadores se vejam enquanto o processo estiver a decorrer nos tribunais. E vamos lá ver se isto não se prolonga até ao Euro 2016, que decorrerá em França.

Por enquanto, o advogado de Karim Benzema, que já o livrou de um escândalo sexual no início de 2014 — ele e Frank Ribéry foram acusados de terem relações com prostitutas menores de idade –, diz que não se passa nada: “As passagens da gravação podem ser mal interpretadas. Vamos apresentar queixa por violação de segredo de justiça”, revelou, em entrevista à Europe 1, a tal rádio que levará com o processo em cima. Por este andar, o processo poderá mesmo estender-se até à altura do Campeonato da Europa e Didier Deschamps poderá começar já a puxar pela cabeça para arranjar uma solução na equipa.