Podem ser umas dezenas ou cerca de meio milhão, dependendo da inclusão dos descendentes de portugueses emigrantes nestas contas. Mas existem, são reconhecidos e, embora não sejam a “máfia do PayPal” (aqueles que saíram da PayPal para lançar outras empresas tecnológicas), vêem a analogia de “forma carinhosa”. Quem conta a história da “máfia portuguesa tecnológica” é Pedro Vieira, fundador da West to West, uma associação que quer apoiar a internacionalização de empresas portuguesas para os Estados Unidos da América (EUA).
Numa das salas da Microsoft em Lisboa, e à margem do evento da Ativar Portugal, falou-se do mercado norte-americano, de portugueses e de como construir pontes entre as costas Oeste. O embaixador dos EUA em Portugal, Robert Sherman, abriu o painel para lembrar que é preciso arriscar. Carlos Oliveira, presidente da Startup Braga, acrescentou que é preciso “ser o melhor” e Stephan Morais, administrador da Caixa Capital, lembrou que o melhor é aterrar no mercado norte-americano já com uma ronda de investimento levantada.
É o tamanho do teu cérebro que importa. Tens de ter criatividade e estar disposto a arriscar. Não há muitos empreendedores na história do empreendedorismo que não tenham corrido riscos para ter sucesso. De Steven Spielberg a Steve Jobs”, disse Robert Sherman.
Ao Observador, Pedro Vieira explicou que uma das primeiras barreiras que as startups portuguesas têm de derrubar quando chegam a Silicon Valley é a forma como comunicam o que fazem. “Somos bons a desenvolver tecnologia e ciência, mas geralmente temos dificuldade em explicar o que temos em mãos, o problema que estamos a resolver. Há esse trabalho de treino que tem de ser feito”, explica. Depois, é preciso saber com quem falar e quando falar. Ajustar a mensagem às pessoas certas.
Com a West to West, que lançou a 22 de outubro, que ajudar mais startups portuguesas a seguir as pisadas da Talkdesk, Unbabel, Veniam ou Feedzai – entrarem na cidade berço do empreendedorismo tecnológico para ficar. Mas adverte que a cultura de socialização e de trabalho nos EUA é diferente da portuguesa. E que quem quer arriscar em solo norte-americano deve preparar-se.
A cultura de trabalho é completamente diferente em Silicon Valley. Há o cliché de dizer que as pessoas estão mais preparadas para aceitar as falhas e erros lá. E é verdade. Mas o que é mais interessante e diferenciados é que as pessoas estão mais abertas a dar e a receber feedback, de uma forma despretensiosa e não maliciosa. De uma forma profissional”, explica.
Pedro Vieira está em Silicon Valley há 12 anos. Em 2010 lançou a GoodGuide, que dois anos depois foi adquirida pela Underwriters Laboratories, e em 2013 lançou a WiserGo. Desde 2013 que também é mentor na Portugal Ventures, sociedade de capital de risco do Estado. Ao Observador, diz que além da cultura de trabalho, os portugueses também têm de se adaptar à forma como os norte-americanos socializam.
“A cultura de socialização americana é muito diferente da portuguesa. É muito mais fácil manter muitas relações de nível superficial nos EUA do que em Portugal, enquanto em Portugal é mais difícil construir uma amizade, mas quando se constrói é mais profunda. A pessoa fica quase da família”, disse Pedro Vieira, acrescentando um último conselho: estar em linha com as expectativas que tem para si e para a sua empresa.
“O empreendedorismo não é para todos. E essa mensagem não é repetida as vezes suficientes. Quem quiser avançar com um negócio próprio, tem de avaliar o que quer na vida e se está disposto a assumir a carga elevadíssima semanal durante vários anos, até ter sucesso. Como se diz nos EUA, não há ‘sucessos de um dia para a noite'”, refere.
Nelson Pereira tem 35 anos e está a preparar a entrada da Top Docs nos EUA. Ao Observador, conta que escolheu o mercado norte-americano porque é lá que se encontra a grande fatia dos utilizadores da plataforma multi cloud que desenvolveu – e que permite que pessoas que estejam a trabalhar em clouds (nuvens) diferentes, como a Dropbox ou o Google Drive, possam trabalhar juntas e partilhar pastas e documentos, eliminado as barreiras de conversão de documentos.
Conta que 45% dos utilizadores da plataforma são norte-americanos (os outros 55% estão espalhados por diversos países do mundo) e que agora quer aumentar este crescimento orgânico. “Achamos que a nossa plataforma tem potencial para chegar às massas, mas não é fácil crescer num mercado tão saturado como o norte-americano, onde a concorrência é muito elevada. O nosso principal medo é não conseguirmos quebrar o ruído que já existe”, explica.
Focado em recolher feedback dos utilizadores do outro lado do oceano. Conta que não quer entrar no mercado norte-americano por ser “giro” ou estar “na moda”. “É o mercado onde organicamente crescemos mais e o nosso primeiro objetivo é abrir a empresa lá e contratar pessoas que nos ajudem a perceber o mercado norte-americano. O segundo é arranjar clientes empresariais”, revela.
Pedro Vieira diz que as pessoas ouvem falar cada vez mais em Portugal e que a mudança da Web Summit para Lisboa foi “uma chama no processo todo”. Admite que pensa voltar, mas com um projeto internacional e que tem sempre esta “ponte” em mentes – para trazer e levar pessoas do Oeste da Europa para o Oeste dos Estados Unidos.