Faz frio no edifício Fórum Lisboa. O vaivém de aquecedores e bilhas de gás que começou mais ou menos a meio da reunião da assembleia municipal desta terça-feira não deixou dúvidas: faz frio no Fórum Lisboa. E mesmo o debate político não estava grandemente quente (nem sequer morno) até ao momento em que o PSD anunciou que todos os deputados daquele grupo parlamentar iam abandonar a sessão. Foi como se alguém tivesse pegado num fole para atiçar uma lareira não muito eficaz até aí.
O que deixou os sociais-democratas a ferver foi a acalorada intervenção do vereador das Finanças da Câmara Municipal de Lisboa no plenário, que tinha como missão discutir um assunto picante: o orçamento do concelho para 2016. Primeiro, João Paulo Saraiva disse que este era “um dos dias mais felizes” da sua vida política, não por ser a primeira vez que defende na assembleia municipal um orçamento que é inteiramente da sua lavra (o de 2015 é obra de Fernando Medina), mas por António Costa estar prestes a ser primeiro-ministro. Um formigueiro perpassou logo aí pela bancada laranja.
Depois, o líder parlamentar social-democrata foi ao púlpito lamentar que as propostas do PSD para o orçamento tenham sido recebidas com frieza pela autarquia. “Não houve vontade [de negociar], foram só palavras”, lastimou Sérgio Azevedo, que anunciou logo ali que a corações frios não se dá uma manta. Que é como quem diz que o PSD ia votar contra um “orçamento que está ferido de ilegalidade”. Aquilo que os sociais-democratas consideram que não está de acordo com a lei é a polémica taxa de proteção civil, um assunto que tem estado em brasas nas últimas semanas, depois de os lisboetas terem recebido a nota de pagamento pela primeira vez. Essa taxa, qual vela de aniversário que nunca se apaga, é um tema que tem acossado a câmara, e esta terça-feira não foi exceção, com vários grupos municipais a trazerem-na a lume.
Quando respondeu ao PSD, o vereador das Finanças parecia um lança-chamas. De tal modo que, no fim da intervenção, todos os deputados da bancada social-democrata saíram da sala — e já não assistiram à aprovação do orçamento pelo PS e independentes (votos contra de todos os outros partidos e abstenção do PAN).
“Eu sei que a justiça fiscal não é o vosso forte”, atirou João Paulo Saraiva, que tem repetidamente alegado que a taxa de proteção civil é “politicamente justa” por recair mais sobre proprietários de prédios devolutos e degradados e sobre atividades de risco. “Para vocês, política de cidade é diminuir as receitas”, voltou a disparar, enquanto os deputados do PSD se agitavam nas cadeiras e levantavam a voz. Garantindo que os impostos em Lisboa aumentam “zero euros” em 2016, o vereador acusou os sociais-democratas de apenas terem “intuitos politiqueiros” e de não terem tido cuidado a fazer contas na providência cautelar que apresentaram para travar a taxa.
Mas o que mais terá posto o sangue do PSD a ferver foi a frase que Saraiva disse logo a início. Estranhando a “coincidência astral” de, na mesma semana, em três dias consecutivos, o presidente do IHRU, a Santa Casa e o PSD se terem manifestado contra esta taxa, o vereador deu a entender que o partido da oposição tinha feito “uma instrumentalização dos serviços públicos”.
Se a água já estava quente, nesse momento começou a ferver e a tampa da panela saltou. “O sr. vereador Saraiva é useiro e vezeiro no insulto, má-criação, falta de educação que em nada melhoram o debate parlamentar”, afirmou o social-democrata Victor Gonçalves, que de seguida anunciou o que ninguém esperava: “O PSD abandona esta sessão.” E os 16 deputados daquele grupo parlamentar, segunda secretária da mesa da assembleia incluída, saíram da sala e do edifício para o frio da noite. Já cá fora, Sérgio Azevedo justificava a opção de saída com a “postura de calúnia e insinuação”, com as “intervenções malcriadas”, com o “baixo nível” que sentiram na intervenção do vereador.
Lá dentro, o presidente da câmara, Fernando Medina, atirava achas para a fogueira, mas a lenha que ele queria queimar já não o estava a ouvir. Olhando para as propostas do PSD para o orçamento, que passavam pela eliminação da taxa de proteção civil e o aumento, em 0,5%, da devolução do IRS aos munícipes, “não sobra nada de útil e de eficaz para a governação da cidade”, disse Medina, que fez um paralelismo com a postura do PSD nacional. “Os mesmos que fazem uma proposta de menos impostos na cidade andavam com a bandeira em punho a propor mais impostos no país”. Já antes João Paulo Saraiva dissera coisa semelhante: “São sempre mais troikistas do que a troika.”
Novidades sobre a taxa turística “dentro de 15 dias”
Apagados os inesperados fogos, a assembleia lá aprovou “um bom orçamento”, nas palavras de Medina, que destacou os “impostos baixos” e “mais investimento” como as duas maiores opções do documento. Apesar da debandada social-democrata e da aprovação das contas para 2016, partidos da esquerda à direita votaram contra e manifestaram muitas dúvidas.
“Este orçamento acaba por ter inscrita uma imagem da cidade de Lisboa que não é real, mas sim do que seria ideal”, considerou Cláudia Madeira, de Os Verdes, para quem o documento está “extremamente condicionado” por haver um conjunto de “taxas e impostos que ainda não se sabe como vão ser cobrados”. É o caso, por exemplo, da taxa turística, que vai ser devida por todos os que cheguem e/ou durmam na cidade a partir de 1 de janeiro. Sobre este assunto, João Paulo Saraiva disse aos jornalistas, já no fim, que “dentro de quinze dias, máximo três semanas” estará em condições de dizer como vai ser cobrada esta taxa.
Ricardo Robles, deputado do Bloco de Esquerda, focou a sua intervenção naquelas que considerou serem prioridades “de absoluta urgência”: as respostas à crise e à necessidade de habitação social, que no entender do bloquista não estão suficientemente acauteladas no orçamento. “O problema da habitação social” e “quão parcas são as respostas do município”, disse o deputado, que desafiou a autarquia a rentabilizar o “vasto património” de edifícios da câmara, colocando-os em arrendamento. Assim também se combateria um outro problema: que a Baixa Pombalina seja “um enorme condomínio em time-sharing“.
O frio Fórum Lisboa despediu-se dos deputados municipais por este ano. As próximas reuniões da assembleia serão fora da Avenida de Roma, enquanto o antigo cinema sofre obras de melhoramento. Quem sabe, em janeiro, não seja já tão frio.