“Vai ganhar mais Bolas de Ouro. O que tem vindo a fazer é de outro planeta. Se continua assim, vai conquistar mais e pode mesmo vir a ganhar mais do que Messi.”
Ditas como o foram, embaladas pelo timbre de quem é tímido, introvertido e não está à vontade a falar em público, estas palavras não pareciam vir carregadas com muita certeza. Mesmo com formação em lidar com os media, o careca francês mais conhecido do momento não gosta mesmo de falar com jornalistas, mas Zidane é Zidane, e quando Zizou fala é normal que se leve o francês a sério. E se o homem que nos seus tempos de jogador-poeta levou três Bolas de Ouro para casa (1998, 2000 e 2003) diz que é certinho que Cristiano Ronaldo vai ganhar mais umas quantas, então confia-se no que ele vaticina. Oui, bien sûr.
Agora escreve-se a parte que altera tudo: o gaulês que treina o português no Real Madrid disse isto há quase um ano, uns quantos dias após Ronaldo gritar “sííí!” na gala da FIFA, que também lhe deu a terceira Bola de Ouro (2008, 2013 e 2014). Muito acontece num ano e talvez por tanta coisa ver a acontecer é que de Zinedine Zidane não se tem ouvido um pio quanto à cerimónia que, esta segunda-feira, vai decidir quem foi o melhor do mundo a jogar à bola em 2015. Nem ai, nem ui sobre Cristiano Ronaldo, o capitão da seleção nacional que pelo quinto ano seguido está entre os três finalistas, que tiram o melhor fato do armário (ou não) e o vestem para irem à gala — e esperarem que seja o seu nome a sair do envelope do vencedor.
Nos últimos dois anos, o papel que de lá saiu tinha o nome de Cristiano Ronaldo escrito, mas desta vez a cerimónia poderá contradizer o que Zidane previu. É verdade que os pés e a cabeça do português marcaram mais golos (57) durante 2015 que qualquer parte do corpo de qualquer outro jogador. Mais até do que Lionel Messi (52), o argentino com quem faz um jogo do gato e do rato em que sempre que um foge o outro vai atrás. E nisto andam há seis anos, a deixarem terráqueos boquiabertos com golos do outro mundo e jogadas que só podem ser inventados por quem não é deste planeta. Em 2009, a Bola de Ouro deixou de ser uma questão de saber qual futebolista a vai ganhar e passou a ser uma pergunta com duas respostas possíveis: ou vai para Messi ou acaba em Ronaldo.
Mas este ano há Neymar e o moleque repleto de ginga brasileira, fora os golos que tem a menos (41) que os dois extraterrestres, tem tudo o que Lionel teve e Cristiano não tem — canecos. O extremo que esta época deixou de correr com um penteado moicano ganhou os mesmos cinco títulos (La Liga, Copa del Rey, Liga dos Campeões, Super Taça Europeia e Mundial de Clubes) que o argentino conquistou com o Barcelona e, aos 23 anos, é pela primeira vez um dos finalistas à conquista da Bola de Ouro. Os troféus interessam e a seca que Ronaldo viveu em 2015 pode tramá-lo, até ao ponto de ver os votos fugirem-lhe e caírem mais no lado de Neymar.
Há anos que a curiosidade da Bola de Ouro se fixou mais em saber quem seria o homem a acompanhar os dois formidáveis. O brasileiro ganhou a corrida a outros super-humanos, como Luis Suárez, também do Barça, ou Zlatan Ibrahimovic, do Paris Saint-Germain, e se há um quê de entusiasmo a rodear a gala desta segunda-feira, o porquê pode resumir-se numa frase — ao contrário das últimas épocas, o que Messi, Ronaldo e Neymar fizeram em 2015 não chega para as probabilidades piscarem mais o olho a um do que aos outros. Se assim o é, há que esmiuçar os pormenores e nem assim se chega a algum lado sem rodeios.
O português teve os golos que os outros não tiveram, mas o argentino e o brasileiro colheram os títulos nos quais ele não tocou. Em bolas rematadas para a baliza e passes para outros marcarem, Messi ri-se um pouco mais que Neymar, mas o moleque tem tanto de tudo o resto como o pequenote introvertido: aparece e marca nos jogos grandes (clássicos contra o Real Madrid, final da Champions), é capitão da sua seleção, desencanta sempre forma de passar por adversários como o bip bip fugia do coiote e faz coisas que mais ninguém é capaz de fazer. Neymar ganha a Messi no facto de não ter no pé esquerdo a cegueira que o argentino tem no direito, mas o problema para o brasileiro é que só mesmo nisto lhe levará a melhor — Lionel ainda é melhor jogador de futebol do que ele.
Um problema que também é de Cristiano Ronaldo, porque o argentino vai com 28 anos e ainda não dá sinais de que a forma, a inspiração, o talento e a fome por mais golos, assistências, fintas e títulos estejam a fazer cerimónia e a começar a abandonar a mesa onde sempre se sentam com Messi. Como, por vezes, parece estar a acontecer aos quase 31 anos (sopra as velas a 5 de fevereiro) do português, que ainda assim já rematou mais bolas esta época para dentro da baliza, em comparação com o pequeno genial do Barça: a produção industrial de Ronaldo vai com 25 marcados, contra os 15 de Lionel Messi.

Era bom sinal para Portugal que fosse a placa de ouro mais à direita a ganhar. Foto: FRANCK FIFE/AFP/Getty Images
Mas enquanto o português se farta de inventar golos, raramente falha um remate às redes e tem a eficácia do tiquetaque de todos os relógios suíço, o argentino continua a ser um polvo com super-cola no tentáculo esquerdo, que arranja sempre forma de se espremer por entre o mínimo dos espaços que tenha à frente. Messi tira rabos das cadeiras dos estádios, Ronaldo tira as palavras da boca de quem o quer criticar com os números que atinge. É o talento inato contra o talento trabalhado a um nível, por enquanto, a que só eles conseguem chegar.
Por isso é que Zidane talvez só tenha meia parte da razão. Sim, é provável que Ronaldo leve mais Bolas de Ouro para casa porque, mesmo que haja Messi, o pequenote continua a ser o único a habitar a mesma galáxia onde está o português. Só tem um adversário. Mas lá está, enquanto Lionel estiver em órbita, Cristiano nunca será o único extraterrestre desta era do futebol. E isso, esta segunda-feira, deve tramá-lo (mas façamos figas).