Carli Lloyd é norte-americana, futebolista e mulher. Três características que acumuladas não pareciam ser um bom presságio para o sucesso. Nos Estados Unidos, o desporto que reina é outro futebol, o americano. E muito embora o desporto seja rei no resto do mundo, a realeza é normalmente composta por homens. Uma das muitas críticas feitas à organização que gere o futebol mundial, a FIFA, é a secundarização do futebol feminino em relação ao futebol masculino.

E assim podia ter sido se não falássemos de uma mulher que entrou para história do futebol. Na final do Campeonato do Mundo de Futebol Feminino, Carli Lloyd completou um hat-trick passava um minuto do quarto de hora, no duelo final frente ao Japão. Os Estados Unidos meteram a taça no bolso, sem que o Japão tenha tido tempo de perceber o que é que passou por ali. O que passou foi a força de vontade de uma jogadora, tão obcecada com o treino que em miúda tinha por alcunha “Quatro Lábios” porque ficava até tão tarde a treinar que os lábios gretavam.

O empenho na modalidade começou cedo e o pai, Stephen, atento à determinação da filha, pediu a James Galanis — que treinava a equipa de futebol onde o irmão de Carli jogava — para “dar uma vista de olhos” à miúda, conta a Sports Illustrated. Galanis viu a norte-americana, natural de uma pequena cidade do estado de Nova Jérsia, pela primeira vez aos 16 anos.

Viu um talento em bruto, mas pensou “vai desperdiçá-lo”. Carli Lloyd tem fama de ser difícil de treinar e a sua carreira tem sido pouco consistente, marcada por baixos e altos, que refletem a confiança — ou falta dela — que sente que os treinadores depositam em si, escreve DJ Gallo no The Guardian. Emoções à parte, o sucesso de Carli tem por base a sua determinação férrea e capacidade de trabalho ímpares.

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“Se vou treinar num feriado, o mais provável é que ninguém mais esteja a treinar e isso dá-me vantagem”, disse Lloyd à Sports Illustrated. “Se eu tenho de correr 20 minutos, acabar a corrida e se só passaram 19 minutos e 34 segundos, corro mais 26 segundos. Nunca encurto o treino. ”

Felizmente para a atleta e para todos os amantes de futebol, o treino e perseverança têm dados frutos em forma de golos. Com uma bola nos pés, Carli só tem olhos para a baliza, mas não fica só a ver. Marca e deixa todos os fãs do desporto-rei boquiabertos. O seu palmarés fala por si: em 2008 nos Jogos Olímpicos de Verão ganhou a medalha de ouro pelo melhor golo da final. E na edição de 2012 voltou a repetir a façanha.

Em 2007, Carli marcou sete golos pelos EUA na Algarve Cup, foi a goleadora do torneiro e levou para casa o prémio de Jogadora Mais Valiosa. Quatro anos depois, em 2011, as norte-americanas levaram pela oitava vez para casa a Algarve Cup. Na final Lloyd marcou três golos, o primeiro dos quais foi considerado o melhor golo do torneio. Entretanto, a seleção feminina do Tio Sam repetiu a vitória mais duas vezes e conta já com dez galardões num dos torneiros de futebol feminino mais prestigiados do Mundo.

No mesmo ano de 2011, Carli Lloyd marcou o seu primeiro golo num campeonato do mundo. Um momento histórico para a futebolista, mas com um desfecho menos bom. No derradeiro jogo frente ao Japão, depois de um empate a duas bolas, Carli falhou um dos penáltis decisivos. Os EUA ficaram com o segundo lugar, mas a jogadora não esqueceu. Voltou quatro anos depois, despachou o assunto com três golos e foi a melhor atleta numa final de campeonato do mundo de futebol. Melhor do que Lionel Messi foi no campeonato do mundo.

A estrela de Carli Lloyd já brilhava, mas em 2015 entrou, em definitivo, no firmamento das estrelas do futebol com a Bola de Ouro da FIFA. Em 2015 marcou 18 golos pela seleção dos EUA. No total das 211 vezes que vestiu a camisola dos EUA já marcou 79 golos, um número impressionante para quem joga a número 10. Lionel Messi, avançado e companheiro de galardão, nas 100 vezes que vestiu a camisola da Argentina marcou 46.

“Quero deixar um legado. Quero que as pessoas se lembrem de mim, mas quero que seja o meu jogo a falar,” disse Carli Lloyd ao The Guardian, no início do mundial. Hoje, quando ganhou a Bola de Ouro, visivelmente emocionada, começou por pediu desculpa pela falta de palavras, “I’m sorry”. Desculpas aceites, Carli. O teu futebol fala por ti.