Assim se esperava e assim foi: o debate republicano na Carolina do Sul, na madrugada deste domingo, foi quente e foi palco de uma troca de acusações entre os candidatos. Em destaque esteve, como sempre, Donald Trump, e do outro lado um dos candidatos com melhor cotação no início da campanha mas que, desde então, tem demorado a acordar para a corrida: Jeb Bush. Vale tudo para ter mais votos nas primárias da Carolina do Sul, que vão acontecer a 20 de fevereiro.
O confronto entre os dois começou quando Jeb Bush quis descredibilizar a visão de Donald Trump para a política externa, depois de o magnata nova-iorquino ter elogiado o papel da Rússia na Síria. “É absolutamente ridículo que sugira que a Rússia possa ser um parceiro positivo nisto”, atirou-lhe Bush.
Donald Trump não perdeu tempo para atacar Jeb Bush ao trazer à conversa o seu irmão (o ex-Presidente George W. Bush) e o pai (o também ex-Presidente George H. W. Bush). A campanha de Jeb Bush vai contar com a presença do seu irmão na Carolina do Sul, naquilo que é um esforço para conquistar os votos que até agora têm escapado ao ex-governador da Florida.
As críticas começaram pela guerra no Iraque, um tema onde Trump acusa Jeb Bush de claudicar: “A guerra no Iraque foi um enormíssimo erro. E o Jeb Bush demorou cinco dias para dizer se era um erro ou não quando anunciou a candidatura dele. Voltou atrás com a palavra. Demorou cinco dias até a equipa dele lhe ter dito que era melhor dizer que foi um erro”. Trump continuou as acusações, que tanto procuravam atingir Jeb Bush como o legado do seu irmão, que liderou os EUA entre 2001 e 2009. “Nós nunca devíamos ter ido para o Iraque. Destabilizámos o Médio Oriente (…). Mentiram-nos, disseram que havia armas de destruição maciça mas não havia nenhumas. E eles sabiam que não havia nenhumas!”
Jeb Bush foi chamado a responder logo após estas acusações. “Eu estou farto de ouvir Barack Obama a culpar o meu irmão por todos os problemas que ele teve”, começou, para depois apontar diretamente a Trump, recordando os tempos em que ele era a estrela do reality-show The Apprentice:
“Estou farto de ouvi-lo a ir contra a minha família. Para mim, o meu pai é o melhor homem do mundo. E enquanto Donald Trump estava a fazer um reality-show, o meu irmão estava a construir um aparato de segurança para nos manter seguros e eu tenho orgulho nisso.”
Também o “príncipe do Tea Party” — e aprendiz de Jeb Bush, nos tempos em que este era governador na Florida –, o candidato Marco Rubio, entrou nesta discussão. Rubio, que tal como Bush tem obrigatoriamente de começar a ter melhores resultados para confirmar a viabilidade da sua campanha — ficou em terceiro no Iowa e em quinto no New Hampshire — também entrou ao ataque contra Trump: “Quero dizer em meu nome e da minha família agradecemos a Deus todas as vezes por termos tido George W. Bush na Casa Branca durante o 11 de setembro em vez de Al Gore”.
E não só ele nos manteve em segurança, e apesar de tudo o que possamos dizer sobre as armas de destruição maciça, Saddam Hussein estava em violação de resoluções das Nações Unidas e o mundo não fez nada contra isso. George W. Bush fez o que toda a comunidade internacional se recusou a fazer e ele manteve-nos seguros. Estou eternamente grato por tudo o que ele fez neste país.”
No final da intervenção de Rubio, Jeb Bush sorria, como que feliz pela intervenção do seu benjamim de outros tempos. Mas Donald Trump não perdeu a ocasião para mandar uma nova farpa a George W. Bush e, por arrasto, a Jeb Bush:
“As torres gémeas caíram durante o reinado do seu irmão. Eu perdi centenas de amigos.”
No final do debate, os analistas foram praticamente unânimes: o debate de sábado à noite serviu para Jeb Bush e Marco Rubio ganharem a força que até agora não tinham conseguido demonstrar. E também houve outra certeza: este foi o debate mais agressivo até à data.
Carolina do Sul: o estado dos vencedores onde a política é suja
A Carolina do Sul é, em bom português, o Estado do “ou vai ou racha”. É ali que os políticos cujos nomes estão nas primárias se confirmam como verdadeiros candidatos ou não. Se passam a Carolina do Sul, estão aptos. Se não o fizerem, é escusado. E mais: quem ganha ali, quase sempre ganha a nomeação. Desde 1980, o vencedor naquele Estado foi sempre o candidato presidencial dos republicanos — com a pequena exceção de 2012, quando Newt Gingrich conseguiu sair por cima do futuro candidato presidencial Mitt Romney. A estatística é clara: 88,9% das vezes, quem ganha ali, vai até ao fim.
E nada disto se faz sem sujar as mãos.
“Os baluartes do jogo sujo da Carolina do Sul não o alto impacto, a baixa tecnologia e o negar tudo”, disse um consultor do Partido Republicano, Joel Sawyer, ao Washington Post. “Quando mais travesso, melhor. E as pessoas que fazem este tipo de coisas conhecem muito bem o seu público — eles vão jogar com o medo do cidadãos da Carolina do Sul de colarinho azul e sabem bem quais são os truques que têm impacto.”
Na memória ficou a “campanha de sussurros” nas primárias republicanas de 2000, onde os candidatos melhor posicionados eram George W. Bush (que acabou por ganhar a nomeação do partido e também as eleições presidenciais) e John McCain (que, mais tarde, em 2008 venceu as primárias e foi derrotado nas presidenciais por Barack Obama). Em 2000, várias pessoas começaram a receber chamadas telefónicas de origem desconhecida. Quando atendiam, os eleitores eram informados de que a chamada era feita por uma voz automática e que era para fazer uma sondagem, para a qual eram convidados a responder carregando no teclado consoante as opções dadas. As perguntas começavam de forma simples e genérica, mas pouco tempo depois viravam para um tema: a filha adotada de John McCain, que o senador e a mulher adotaram num orfanato no Bangladesh em 1991.
A “criança negra ilegítima” de John McCain
A ideia era claramente prejudicar a campanha de John McCain. Assim, vários eleitores brancos — e, estatisticamente, mais provavelmente conservadores e potenciais eleitores nas primárias republicanas — receberam chamadas onde lhes era perguntado:
Estaria mais ou menos inclinado para votar em John McCain se soubesse que ele é pai de uma criança negra ilegítima?”
A frase não dizia nada em concreto, mas a implicação já era o suficiente para McCain perder votos. Além disso, foram espalhados, também por telefone, rumores de que a mulher de McCain era toxicodependente, da mesma forma que era posto em causa o patriotismo do candidato — McCain foi prisioneiro de guerra no Vietname, entre 1967 e 1973 –, tal como a sua saúde mental e orientação sexual.
A campanha de George W. Bush negou sempre as acusações de estar por trás de tudo isto — e nunca houve uma confirmação ou prova nesse sentido. Dúvidas à parte, há uma certeza: John McCain teve 41,9% dos votos e George W. Bush venceu-o com 53,4%, tornando-se, meses depois, Presidente dos EUA.
Mas nada disto ficou preso em 2000. Também em 2016 estão a aparecer queixas de eleitores que recebem chamadas automáticas que começam por ser uma sondagem mas que cedo tomam a forma de campanhas de difamação. Recentemente, o Washington Post escreveu a história de uma mulher da Carolina do Sul que recebeu uma destas chamadas. Quando carregou na tecla que indicava que era apoiante de Marco Rubio, o tom da “conversa” com a voz automática mudou, quando esta lhe disse: “Sabia que o Marco Rubio é pela amnistia [de imigrantes sem documentos]?”. E mais: “E ele é a favor de deixar que os 11 milhões de imigrantes ilegais fiquem nos EUA e também quer deixar que os sírios entrem pelas fronteiras livremente”.
Só que, ao contrário do que se passou com McCain em 2000, neste caso existem algumas pistas quanto à proveniências destas chamadas. Segundo a queixosa de quem o Washington Post fala, foi-lhe dito na chamada que aquela conversa seria para fins de uma sondagem da Remington Research, uma empresa de estudos de opinião fundada por… Jeff Roe, isto é, o diretor de campanha do candidato republicano Ted Cruz.
O candidato do Texas negou qualquer ligação a este caso: “Não faço ideia. Não temos nada a ver com eles. Não sei o que é isso. Não temos nada a ver com eles. Tenho lido notícias sobre o que tem sido sido, mas são outras pessoas que estão a fazê-lo, não somos nós”.