Quatro da manhã. As luzes acendem, ouve-se Cat Stevens, os seguranças vêm empurrar as pessoas para fora. A Rua Nova do Carvalho, no Cais do Sodré, em Lisboa, enche-se da gente despejada dos bares e a confusão prolonga-se por muito tempo. Quais as opções? Atravessar a rua, dos bares que fecham às 4h00, e entrar nos que fecham às 6h00; apanhar um táxi para continuar a noite no Lux; não ir a mais lado nenhum e ficar à espera que haja transportes públicos — lá para as cinco e meia, seis da manhã.

E se tudo isto começasse a mudar para que, por exemplo, os horários dos comboios, barcos e autocarros coincidissem com a hora a que fecham os bares e discotecas do Cais do Sodré? Essa é uma das ideias do Safe In Cais, um projeto lançado no fim do ano passado, que começa agora a dar os primeiros passos. A missão, a que os especialistas da iniciativa se propuseram, passa por dar aos espaços de animação noturna uma certificação de Noite Segura, mas querem que, por arrasto, venham mudanças mais profundas em todo o bairro.

“Uma cidade viva de noite também é muito mais viva de dia.” Sentado num conhecido restaurante e bar da chamada rua cor-de-rosa, Noel Garcia fala entusiasmado do que veio fazer a Lisboa. Este psicólogo social espanhol, um dos responsáveis pela certificação de bares e discotecas na Catalunha, esteve na capital portuguesa na quinta e sexta-feira passadas para ajudar a equipa do Safe In a implementar o projeto. Em 2008, o governo da região autónoma encarregou a empresa de consultoria social para a qual Noel trabalha de pensar em formas de reduzir o risco de sair à noite. “Há prazeres e riscos na noite. Quando sais à noite, como fazer com que os riscos baixem?”

Noel rapidamente percebeu que “fazia falta construir espaços de diálogo, porque na verdade há objetivos comuns mas não havia onde discuti-los”. Mais ou menos o que acontece em Lisboa, onde gestores públicos, donos de bares, moradores e autoridades de segurança e saúde ainda não se encontram com a frequência que os promotores do Safe In querem. Esse é o primeiro passo: que todos se sentem à mesma mesa.

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“O segundo ponto do projeto é com as discotecas e bares, para que cumpram uma série de requisitos.” Tais como? Ter preservativos, comida, bebidas sem álcool, folhetos com informação sobre transportes, água gratuita, tampões para os ouvidos, testes de alcoolemia, zonas de descanso… Aos bares que cumpram é atribuída uma certificação — na Catalunha e em Lisboa.

Pequenos placebos entre amigos

Segundo Noel, a vida noturna de Lisboa é muito parecida com a de Tarragona, cidade catalã com um casco antigo de ruas estreitas e cheias de bares. “Os moradores, a câmara e a polícia falam sobretudo sobre ruído”, é a principal queixa que têm sobre a noite. Para chamar a atenção para esse problema, os autarcas tarragonenses convidaram um grupo de teatro para uma intervenção artística. “Imaginem as pessoas a dormir”, pediram os atores aos frequentadores da noite. Passados uns meses, um inquérito revelou que 30% dos festivaleiros mudaram um pouco os seus comportamentos.

“Quando os moradores veem que os bares e discotecas tentam reduzir o barulho, passam a odiá-los um pouco menos”, explica Noel, que se refere a uma espécie de efeito placebo. O ruído “é um drama, um drama e os moradores sofrem muito”, por isso sentem a necessidade de ser escutados. “O ruído é praticamente o mesmo, mas a sensação é a de que há um trabalho conjunto.”

Dentro de algumas semanas, o Safe In vai divulgar quais os bares que se associaram ao projeto e vão trabalhar para obter a certificação de Noite Segura.