“Tem a certeza que é aqui?” O motorista do Uber não está convencido que o Centro Comercial Portugália, às escuras e de portas aparentemente fechadas, é o destino para ficar em plena Almirante Reis às nove da noite. É mesmo aqui, sim. Na receção um segurança ensonado dá sinais de vida e pergunta se estamos ali para o ensaio. “É ao fundo do corredor à direita, onde há luz”, explica antes de voltar para a letargia da vigilância noturna.

Em tempos, o Portugália era o sítio ideal para comprar discos, banda-desenhada, para fazer um piercing ou uma tatuagem em Lisboa. A maior parte dos donos dessas lojas “saíram da cripta”, dizia-nos um deles há uns anos, e o centro comercial está, tirando uma ou outra loja e um cabeleireiro e esteticista “Com Arte”, praticamente ao abandono.

Praticamente. Na única loja com luz, Francisca “Minta” Cortesão abre-nos a porta de vidro um pouco emperrada e recebe-nos na sala de ensaios que os Minta & The Brook Trout improvisaram no verão passado. Foi Mariana Ricardo quem descobriu o espaço que estava para alugar, uma das lojas maiores entre as muitas desocupadas do Portugália. “Trabalho aqui em cima, onde há escritórios”, esclarece.

[veja o vídeo do primeiro single de Slow, “I Can’t Handle The Summer”]

“Andávamos com essa ideia de arranjar um espaço, pelo menos para fazer o disco, e descobrimos este. Há aqui uma costureira, uns rapazes brasileiros que fazem umas cenas gráficas, havia um senhor de uns computadores que já saiu… Mas a maior parte das lojas está desocupada”, continua. Melhor, pelo menos para esta ocasião. Sem vizinhos não há problemas com o barulho e no máximo o que pode acontecer é acordarem o segurança.

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Até à última hora

A banda que agora cresceu e tem cinco elementos (a Francisca, Mariana e Nuno Pessoa, da formação inicial, juntaram-se Bruno Pernadas e Margarida Campelo) prepara-se para apresentar o seu terceiro disco, Slow, na sexta-feira, no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, e este ensaio serve para preparar o concerto e decidir o alinhamento.

“Essa é um bocado esotérica para começar, não?”, pergunta Mariana. A dúvida é escolher uma música para arrancar “quando as pessoas ainda estão a tirar o casaco e a mexer no telemóvel” e não é tarefa fácil. Tomás Sousa, baterista dos You Can’t Win Charlie Brown, vai substituir Nuno nos concertos – “está a viver fora de Portugal”, esclarece Francisca – e já está na bateria pronto para ensaiar. Pernadas e Margarida estão atrasados. Tal e qual o álbum, que também se atrasou e “custou mais a sair”, confessa Minta.

“A questão connosco é que não queremos ir para o estúdio só porque está na altura disso, nem eu sei fazer isso. Chegámos a ter uma gravação marcada para mais cedo porque estava otimista e depois percebi que não tínhamos músicas suficientes e acabámos por adiar. E isso acabou por resultar porque até à última surgiram músicas novas e aproveitámos até ao fim”, conta.

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A capa do novo álbum, com ilustração de José Feitor

A primeira música que apresentaram, “I Can’t Handle The Summer”, foi escrita quase no final do ano passado e também foi por isso que chamaram Slow ao disco. “[Foi] uma brincadeira porque as músicas demoraram mais a aparecer e porque o processo de fazer os arranjos não foi tão em banda como tinha sido com o Olympia [de 2012]. Houve mais trabalho mesmo aqui neste espaço antes de irmos gravar, meu e da Mariana. Andámos a mexer nas canções e a experimentar ideias.”

De colete refletor

Antes de terem um espaço fixo para ensaiar costumavam alugar ou iam “para a sala de outra pessoa”. “A possibilidade de ter um sítio que não a nossa casa para trabalhar, para ir registando ideias, até mais do que para ensaiar, faz muita diferença”, diz Francisca. “Ter um sítio onde está tudo montado, os microfones, a guitarra, o ukulele,… Dá para ir experimentando, está tudo à mão.”

Está tudo à mão até o telemóvel com um SMS de Pernadas e Margarida a justificarem o atraso. “Parece que socorreram um cão na Duarte Pacheco e houve um acidente e agora estão à espera da polícia”, diz Minta. The show must go on e algumas das 11 canções de Slow, que também é editado na sexta-feira, surgem afinadas à nossa frente na pequena sala, mesmo só com três elementos (Minta na guitarra, Mariana no baixo e Nuno na bateria).

“Ao mesmo tempo que a banda aumentou, foi o primeiro disco em que não sentimos necessidade de chamar mais ninguém”, continua Minta. “Ainda chegámos a pensar em convidados, mas à medida que íamos gravando sentimos que não era preciso.”

Finalmente, e quando se falava em multas da EMEL – um assunto que nunca perde a atualidade – Bruno Pernadas e Margarida Campelo aparecem na sala ainda de colete refletor. Ninguém se magoou e o ensaio pode começar. Ou talvez não.

Margarida já está sentada numa pilha de três cadeiras (mobília da antiga loja) em frente ao teclado Fender-Rhodes dos anos 70, mas Bruno não está pronto e temos de esperar. Descalça-se e ainda põe as meias a secar no aquecedor. “Tem de ser.” Slow é mesmo o melhor nome que podiam ter arranjado.

Slow, o novo álbum dos Minta & The Brook Trout, é editado esta sexta feira. No mesmo dia há concerto de apresentação, no CCB às 21h00. Bilhetes a 12,5 e a 15 euros.