Um “grande alívio” e uma “grande felicidade”. Foi assim, com duas expressões hiperbolizadas, que Tiago Pires nos contou como reagiu ao momento em que a ASP, organização que deu origem ao que hoje se conhece como World Surf League (WSL), lhe confirmou que já tinha pontos suficientes na prancha para, no ano seguinte, surfar no circuito mundial. Entre os melhores. Aconteceu em 2008 e por lá ficou durante sete anos, até 2014. Viveu de tudo um pouco — sentiu os nervos de ser um rookie, a euforia de eliminar o melhor surfista de sempre de uma prova, o desânimo de uma lesão o roubar ao mar e a tristeza de não se conseguir qualificar para o ano seguinte. Agora chegou a vez de confirmar o que já se esperava.
Aos 36 anos, “Saca” anunciou que vai abandonar o circuito mundial de surf.
Adivinhava-se quando, à caixa de e-mail, começaram a chegar convites para um evento especial. Era Tiago Pires, a convidar jornalistas, surfistas e amigos para um “uma celebração de carreira” esta sexta-feira, na Ericeira. Também dizia que ia “anunciar os projetos para 2016”. Bastava juntar as peças — o surfista, natural de Lisboa, fora pai há cerca de um ano e estava a arrancar a segunda temporada desde que saíra do circuito mundial de surf. Parecia que estava a chegar a altura de assentar (em 2015, ficou no 80.º lugar do QS, ranking de qualificação para o circuito mundial) e passar mais tempo em Portugal.
“Não deixei de saber surfar de um momento para o outro. Acontece é que tens momentos de forma e desde que saí do WCT e que soube que ia ter um filho, sentindo ali que a minha vida ia dar uma guinada para outras prioridades, que deixei-me acomodar e acabei por negligenciar um bocado a gestão da minha forma. Fazer o WQS no ano passado não representou o mesmo desafio dos últimos 15 anos. Acabou por funcionar como uma espécie de desmame, onde fui tentando perceber o que uma eventual retirada me traria em termos emocionais, se ia mesmo sentir falta daquilo. Cheguei à conclusão que já não queria andar ali. Deixou de fazer sentido”.
O até hoje o único português que foi capaz de se qualificar para o campeonato que junta os 36 melhores surfistas do mundo pensou o mesmo. Depois de “oito anos a ficar à porta”, como descreveu ao Observador, que o entrevistou o ano passado, dos sete anos que passou lá dentro e do último ano (2015) em que ainda participou em provas de qualificação, Tiago Pires confirmou que deixará de participar em provas internacionais.
“A principal causa de me retirar está relacionada com o nascimento do meu filho, que fez com que pesasse bastante na decisão. É claro que o mar continuará a fazer parte dos meus planos, sou como um peixe e adoro estar lá dentro. A diferença é que deixarei de competir na WCT”.
Obrigado a todos pelas mensagens! O inchaço já começou a diminuir e em breve já estarei operacional e de volta à água!...
Posted by Tiago Pires on Monday, 22 February 2016
O que servirá, também, para evitar azares. Como o que sofreu na passada semana, a surfar na Cave, onda da Ericeira que o fez cair e embater com no fundo de rocha. “Um grande susto que, felizmente, não passou disso mesmo. Uma horas no hospital, um traumatismo no ombro, outro na cabeça. Vou estar fora da água umas semanas mas estou cá para contar a história!”, escreveu, no Facebook, após o acidente.
Já não tenho vontade de fazer um circuito, de ter um ranking, de precisar de pontos… Essa vida para mim já não faz sentido. O que quero dizer é que vou deixar de competir por profissão e passar a competir por prazer, quando assim o entender. Há alguma melancolia, não nego, mas também excitação e alegria para saber o que me reserva o futuro. Só sei que a minha vida vai passar muito mais por Portugal e por projetos pontuais que possa fazer pelo Mundo.”
Foi Tiago Pires quem abriu o caminho do surf mundial aos portugueses. É por ele que hoje o país tem Vasco Ribeiro, Frederico Morais ou Nicolau Von Rupp a competirem no duro para darem a Portugal outro surfista no circuito. “Chegou a altura de eles fazerem o seu trabalho e de me sucederem. Já fiz o meu papel”, concluiu. Obrigado, Saca.