Danielle Feinberg entrou na Pixar Animation Studios em 1997, aos 22 anos. O primeiro filme em que trabalhou foi Uma vida de Inseto (1998) e nos 19 anos que já leva de carreira, participou em quase todos os filmes do estúdio, como Toy Story 2 (1999), Monstros e Companhia (2001), À Procura de Nemo (2003), Os Incríveis (2004), Ratatui (2007), WALL·E (2008) e Brave – Indomável (2012).

Nasceu há 41 anos, em Boulder, no Colorado (EUA), “uma pequena cidade universitária no sopé das montanhas e um sítio maravilhoso”, onde começou a programar aos 8 anos. Mais tarde mudou-se para Harvard, onde estudou ciências da computação, uma das sua paixões. As outras são a arte, a fotografia e sobretudo a luz, que lhe permite dar vida a um mundo “plano e cinzento”. Uma experiência fascinante que não se cansa de partilhar, como forma de cativar raparigas para o mundo dos computadores e da programação.

Danielle Feinberg esteve esta semana em Lisboa para participar na SINFO 23, a semana dedicada à Engenharia Informática, organizada pelos estudantes.

É uma apaixonada pela luz na animação por computador. De que forma esta paixão se relaciona com o trabalho que realiza nos Estúdios Pixar?

Sou Diretora de Fotografia para a Luz (Director of Photography for Lighting), o que significa que dirijo a luz nos nossos filmes de animação. Num filme não animado, o diretor de fotografia trata das câmaras e da luz, mas nos nossos filmes de animação, dividimos os dois momentos. Numa fase inicial do filme temos uma pessoa que trata das câmaras e do movimento, mas a introdução da luz acontece já na fase final.

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No primeiro filme da Pixar onde trabalhei, o filme Uma Vida de Insecto (A Bug’s Life, 1998), tive oportunidade de trabalhar um bocadinho na luz e apaixonei-me. É o último passo criativo de um filme de animação. Até esse momento é tudo plano e cinzento. Depois metemos a luz e tudo muda. E para mim, é nesse instante que o mundo que criámos ganha vida. Apaixonei-me por esse momento e desde então que trabalho a luz.

https://www.youtube.com/watch?v=cgcQJxrpIgs

Como se “trabalha a luz” num filme de animação?

Construímos um mundo tridimensional dentro do computador, com pequenos ícones de luz que movo dentro desse mundo. Por exemplo, se é uma cena ao pôr-do-sol tenho que colocar o Sol perto do horizonte, bem distante. A luz tem de ser muito brilhante e alaranjada ao mesmo tempo. Depois tenho que acrescentar uma luz azulada, com tons de púrpura, a vir do céu. Normalmente começo com o reflexo da luz que vem do chão e parto daí para definir o ambiente certo e aquele tom artístico que procuramos.

Um pouco como trabalhar numa pintura.

Sim. Muitas vezes é mais como pintar com a luz.

Pintar com a luz, sem pincéis, com código e programação.

Envolve alguma programação, mas agora, a maior parte da luz é feita através de um código que controla o software que usamos. Por um lado, ainda é algo muito técnico, especialmente quando temos que resolver coisas que não funcionam. Mas por outro, quando mexemos numa luz olhamos para ela e decidimos se fica bem, se funciona, muito por intuição. Se a decisão sobre se fica bem ou não demora muito tempo a tomar, de forma intuitiva, voltamos a pegar na parte técnica para otimizar a entrada da luz, torná-la mais rápida ou simplificar a forma como a luz entra. E quando queremos fazer algo mesmo especial com a luz, também precisamos de fazer muito trabalho técnico por trás [de programação] para que as coisas funcionem. Para mim, o lugar mais divertido está nesta combinação de arte com tecnologia.

Adoro o WALL·E, um filme que nos primeiros 30 minutos, não tem verdadeiramente diálogo. Só sons de robôs. Tivemos receio. Chegámos a pensar que ninguém o iria ver.”

Tem já uma longa carreira de 19 anos na Pixar. De todos os filmes em que já trabalhou, qual é o seu preferido?

O que é interessante é que todos eles têm qualquer coisinha que os torna especiais: uns porque têm partes onde foi divertido trabalhar e outros porque são os que vejo com mais prazer enquanto espetadora, por exemplo. Acho que a resposta varia de dia para a dia [risos]. Mas se tiver que escolher apenas um, tenho que dizer que o filme WALL·E (2008) é um dos meus preferidos.

Estávamos a tentar fazer um filme diferente, queríamos cortar com aquilo que tínhamos feito, tradicionalmente, até aí. Olhámos para os filmes não animados, para perceber como é que eles contavam as histórias e perceber o que é que podíamos utilizar para dar ao nosso filme um estilo diferente, mais próximo de um documentário. Como se tivéssemos encontrado um pedaço de filme dos anos 60, por exemplo, de um filme de ficção científica dessa época. Ou como se estivéssemos no planeta com o WALL·E. Neste filme fizemos coisas muito interessantes, das quais gostei muito.

Adoro o WALL·E, um filme que nos primeiros 30 minutos, não tem verdadeiramente diálogo. Só sons de robôs. Tivemos receio. Chegámos a pensar que ninguém o iria ver. Foi um filme que nos deu muitos ataques de nervos! Mas quando acabou deixou-nos com uma sensação de satisfação imensa. E foi também o primeiro filme no qual fui diretora de fotografia, algo que foi muito assustador, mas muito satisfatório ao mesmo tempo [risos].

Começou a programar muito jovem, tinha oito anos. Quem lhe despertou o interesse pela programação?

Várias pessoas. Os meus pais sempre me apoiaram muito, em tudo o que fiz. Fui educada sob a máxima: se gostas muito de uma coisa, deves encontrar uma forma de a fazer. Em termos de programação, a minha maior influência foi uma professora que tive no oitavo ano, quando tinha treze ou catorze anos. Foi minha professora de programação, numa das poucas disciplinas que tive nesta área quando andava na escola secundária. Era uma turma pequena e ela deixava-nos ter as nossas próprias ideias sobre o que queríamos fazer e depois ajudava-nos a encontrar uma maneira de o conseguir. Éramos livres para programar o que entendêssemos. Aprendemos a programar de uma forma que nos dava muito poder e a autonomia. Sem o sentimento de que não devíamos estar a programar ou que era uma coisa que apenas os rapazes eram bons a fazer. Isso era fantástico!

Faltam mulheres na maioria das empresas tecnológicas dos Estados Unidos. Os números são terríveis. Verificou-se que só existem dez, 15% de mulheres e, com um bocado de sorte, 20%.

O que é que está a acontecer nos Estados Unidos, com as mulheres e a tecnologia? Faltam mulheres na área das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)?

Nos últimos dois anos tem sido reconhecido que faltam mulheres na maioria das empresas tecnológicas dos Estados Unidos. Os números são terríveis. Verificou-se que só existem dez, 15% de mulheres e, com um bocado de sorte, 20%. E o mesmo é verdadeiro para qualquer outro tipo de diversidade. Basicamente, a pergunta é: nesta indústria, onde é que estão as pessoas não brancas? Porque é que isto acontece? A resposta as estas perguntas foi ignorada durante muito tempo. Finalmente começa a dedicar-se atenção a esta situação e a tentar perceber porquê. E como resolvemos esta questão? A resposta é importante, porque todos reconhecem que para fazer um bom produto é necessário recorrer à experiência de diversas pessoas.

Se vamos criar um produto para as mulheres, não devemos ter mulheres no projeto, para tornar o produto melhor e mais adequado ao público-alvo? É como no exemplo da criação do airbag. Quando os airbags para os carros foram criados e desenvolvidos foi tudo feito por homens. Os primeiros airbags eram muito perigosos para as mulheres e para as crianças, porque os engenheiros eram todos homens e nunca pensaram em pessoas de outras alturas que não as suas. Se essa equipa tivesse pelo menos uma mulher, se calhar, as coisas teriam sido diferentes. É muito importante compreender que as equipas devem ser compostas por pessoas diferentes. Porque no fim de contas, até em termos económicos, isso é o que faz mais sentido.

Há mais ou menos mulheres a programar nos Estados Unidos do que na média dos restantes países desenvolvidos?

Penso que na maior parte dos outros países desenvolvidos, há muito mais mulheres a programar. Não me parece que exista a mesma mensagem estranha que diz que “só os homens é que devem ser programadores”. Ainda hoje, quando respondi a perguntas depois da minha palestra [para uma plateia de estudantes do Instituto Superior Técnico], em termos de percentagem, estiveram mais mulheres a colocarem-me perguntas do que se estivesse nos Estados Unidos. A situação nos EUA está a mudar e a melhorar muito. Mas é um processo lento, porque temos que tentar cativar as raparigas quando elas têm doze ou treze anos, muito antes de chegarem à faculdade para estudar ciências da computação. Tenho a certeza de que existem países onde o panorama é pior que nos EUA, mas a minha impressão geral, é a de que na maioria dos países as coisas são muito melhores.

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Danielle Feinberg foi uma das oradoras na SINFO 23, uma semana dedicada à Engenharia Informática, organizada por alunos de engenharia informática.

É mentora do projeto da Google, Made with Code e colabora com a organização sem fins lucrativos Girls Who Code, ambas as iniciativas têm o objetivo de educar, motivar e inspirar raparigas para as ciências da computação e programação.

Em 2003, descobri que existia um acampamento para raparigas, dedicado à Matemática e às Ciências e enviei-lhes um email a dizer: gostava de ter tido uma oportunidade como esta quando era miúda, e se houver alguma coisa que possa fazer para ajudar, não hesitem. Responderam-me logo a dizer que tinham agendado uma apresentação minha para a semana seguinte, foi tudo muito rápido. Preparei uma comunicação acerca de como usamos a matemática, a ciência e a programação para fazer os filmes. Vi os olhos delas iluminarem-se, quando perceberam que os filmes da Pixar que elas adoram, foram feitos com matemática e ciência. Isso, para elas, foi surpreendente e impressionante!

Muitas vezes não mostramos as aplicações divertidas da matemática e da ciência. Na escola, há tendência para se apegarem muito ao que dizem os livros. Desde então, nunca mais deixei de fazer apresentações para despertar o interesse das raparigas para a matemática, a informática e a programação. E há cerca de dois anos, a Google lançou a iniciativa Made with Code, para despertar o interesse de mais raparigas para a programação, na qual investiram 50 milhões de dólares [cerca de 45 milhões euros] e escolheram-me para ser uma das mentoras do projeto. Para que pudesse mostrar a uma audiência mais alargada que os filmes da Pixar são feitos através de código de programação.

Como funcionam os acampamentos de raparigas da Girls Who Code?

O projeto deu um salto, em termos de crescimento, e nos quatro anos que já levam de existência, passaram da organização de apenas um acampamento por ano, para 57 três anos depois. E agora existem muitos mais, um pouco por o lado, nos Estados Unidos. Têm um currículo muito bom: as raparigas programam, criam páginas web e aplicações, entre outros. Em apenas sete semanas, fazem muitas coisas boas, é incrível. É divertido, encoraja as raparigas a continuarem a estudar matemática e ciências e também as motiva para continuarem a programar.

Quando eu estudei ciências da computação na universidade, só cinco a 10% dos alunos eram mulheres. Não era um ambiente simpático e era muito difícil vingar nesse contexto. Só porque gostava muito de programar, havia uma outra realidade com a qual tinha que lidar: provar constantemente que conseguia fazê-lo. Se as raparigas tiveram mais colegas raparigas, que se apoiem, podem canalizar a sua energia para se tornarem melhores programadoras. Em vez de terem de lidar com todas aquelas pessoas que as tentam fazer crer que não o conseguem fazer. Isso para mim é maravilhoso! E é por isso que não consigo deixar de continuar a motivar raparigas.

Que conselhos daria às raparigas portuguesas que pensam seguir uma carreira na área das tecnologias?

Neste momento, a principal questão é que as pessoas pensam que as ciências da computação são uma carreira, pensam que programar é uma carreira. Mas a verdade é que neste momento, não existe quase nada no Mundo para o qual não seja necessário fazer algum tipo de programação. Basta olhar para o smartphone, existem aplicações que utilizamos para tudo e mais alguma coisa. O que é isto quer dizer? Quer dizer que se gostarmos de música, podemos estudar programação e usá-la para fazer música. Se quisermos trabalhar em Medicina e ajudar a salvar pessoas, mas não queremos ser médicos, podemos programar e encontrar os marcadores do ADN para o cancro, ou qualquer coisa desse tipo.

A programação é extremamente transversal e podemos usá-la para fazer muito pelo bem no Mundo. O leque daquilo que agora podemos fazer com a programação é tão abrangente que pode ir da medicina ao cinema. E é muito importante que as crianças e jovens percebam isso. Os jovens devem procurar aquilo que gostam de fazer e se em simultâneo aprenderem a programar, podem levar a sua paixão até um nível completamente diferente daquele era possível até aqui.

Considera o trabalho que faz na Pixar como o seu emprego de sonho. Mas, fazendo um exercício de imaginação, se tivesse outro trabalho, o que gostaria de fazer?

É uma pergunta muito difícil de responder, porque gosto mesmo muito do que faço [risos]! Gosto tanto de ciências da computação e em simultâneo sou tão apaixonada por arte, que é difícil imaginar trabalhar em algo que não fosse uma combinação dos dois. É complicado, porque adoro o meu trabalho! Claro que há dias em que me passa pela cabeça: o que apetece é ir viajar pelo Mundo e tirar fotografias. Mas acho que ninguém me pagaria para fazer apenas isso [risos]!