O Governo anterior decidiu mudar as regras da pensão de invalidez e eliminou a lista de doenças crónicas que davam direito automático a esta pensão com base num relatório de especialistas. O relatório foi agora enviado à Assembleia da República — a pedido do Bloco de Esquerda — e dos nomes que constam no documento, apenas quatro são médicos e nenhum deles é especialista em doenças crónicas. Bloco de Esquerda acusa ainda um dos médicos de ser “especialista em negar reformas”, lembrando dois casos de doentes com cancro com pensões negadas, que viriam a morrer pouco depois.

Desde janeiro que, para que um doente aceda à pensão de invalidez, tem de ter uma declaração do médico a dizer que pode ficar dependente ou pode mesmo morrer no prazo de três anos, tendo desaparecido a lista de doenças crónicas que davam direito automático a esta pensão. A decisão foi tomada pelo anterior Governo e levantou críticas dos restantes partidos. Na altura, o Governo baseou-se num relatório de especialistas, mas que nunca foi revelado. Agora, com a entrada em funções deste Governo, o documento foi enviado à Assembleia da República e lá é possível ver que a decisão foi tomada por uma comissão de dez pessoas, apenas quatro delas identificadas como médicos.

Na lista de médicos da comissão especializada na determinação das doenças suscetíveis de serem abrangidas pelo regime especial de invalidez, não há nenhum especialista nessas mesmas doenças.

De acordo com o Bloco de Esquerda, que pediu ao Governo este relatório, os nomes indicados no relatório, apesar de pertencerem a entidades do Estado com responsabilidade na matéria — como a Caixa Geral de Aposentações, a Direção-Geral de Saúde, ou o Instituto de Segurança Social — são apenas “juristas, diretores ou funcionários” destas instituições.

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Contudo, o BE vai mais longe e identifica que um dos médicos em causa, Dr. Camilo Sequeira, médico-chefe da Caixa Geral de Aposentações “notabilizou-se em 2007 por rejeitar os recursos que lhe foram apresentados por pacientes que viram negado o seu pedido de reforma por invalidez pelas Juntas Médicas”. Tratava-se de dois doentes com cancro, que viriam a morrer pouco tempo depois. Os restantes três são: “Rizério Salgado, médico de família na Unidade de Saúde Familiar São Julião de Oeiras — e que foi vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar — José Alexandre Diniz, médico generalista que ocupou vários cargos de diretor de serviços e de departamento na Direção-Geral de Saúde e Maria Conceição Gonçalves Barbosa”, identifica o BE.

A alteração legislativa levantou polémica por várias razões. Com a mudança feita, deixou de existir uma lista de doenças crónicas que davam direito automático à pensão de invalidez e passou a existir um conjunto de condições que devem ser avaliadas cumulativamente para que um doente aceda à pensão.

Ora, o relatório que baseou esta decisão, conclui que não deve existir a lista, mas sim uma mudança de paradigma que passa pela verificação de uma “situação de incapacidade permanente para o trabalho desempenhado, verificada pela entidade competente em idade ativa, não compensável através de produtos de apoio ou de adaptação ao/ou do posto de trabalho, decorrente de doença de causa não profissional ou responsabilidade de terceiros, que clinicamente se preveja evoluir para uma situação de dependência ou morte num período de três anos”.

Na altura da discussão da alteração da lei, levantaram dúvidas não só a questão dos três anos (porquê três anos?) como também a disponibilidade de um médico para fazer tal declaração. Além disso, diziam os críticos, era preciso ter em conta que uma situação de dependência não é igual a uma situação de incapacidade para o trabalho. Um doente pode não conseguir trabalhar e no entanto não depender de terceiros para as tarefas do dia-a-dia.

“Em nenhuma parte do relatório se justifica o porquê do prazo de três anos, e porque não dois, ou quatro, nem como esse prognóstico pode ser feito por um clínico sem ferir o próprio Código Deontológico da Ordem dos Médicos”, diz o BE em reação a este relatório, num artigo no site do partido.